sábado, 23 de janeiro de 2021

Manoel de Barros em gotas

Manoel de Barros (1916-2014) foi um poeta modernista matogrossense, tardiamente reconhecido como um dos maiores poetas brasileiros, festejado entre escritores e críticos, porém ainda desconhecido do grande público. Não que poesia tenha um grande público no Brasil (se bem que a internet está aqui me contando que ele foi o poeta que mais vendeu livros neste país), mas eu, por exemplo, que sou apaixonado por essa expressão artística, tenho o constrangimento de admitir que ainda desconheço sua obra. Ainda. Mas fui sensibilizado por uma filósofa, que o tem como poeta predileto, e assim declarou durante uma aula muito esclarecedora (não sobre poesia, e sim sobre a filosofia em nossas vidas), já me alertando para o rico subtexto que se pode encontrar nesses poemas, aliás especialmente recomendado para iluminar, nas crianças, o pensamento filosófico.


A obra de Barros é delicada, radicada na gente simples do interior, na infância, na natureza. Em meio a causos e ao sentimento idílico da vida no campo, esconde uma profundidade desconcertante, que está me conquistando sem qualquer demora.

Este blog já publicou diversos poemas que me cativaram e até possui um marcador "poesia". Hoje, compartilharei com vocês não um poema, mas um único verso de Barros. Uma das gotas de sabedoria reunidas em seu Livro sobre nada (1996), que me causou profunda impressão só de lê-la. Honestamente, assim que li, veio a minha mente mais de uma lembrança que me convenceu de que o poeta está certo.

"Tem mais presença em mim o que me falta."

Manoel de Barros, poeta, está vivo.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Estadistas e vermes

Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso sabe que não vale a pena esperar muito dos Estados Unidos, seja quem for seu presidente, pois a noção de "America first" está longe de ser exclusividade da gestão finda nesta data. A começar pela mania deplorável de achar que os Estados Unidos são "a América". Outrossim, Joe Biden tampouco é o cara bacana que muita gente pensa, mas, devido ao fato de ter concorrido com um sujeito tão repulsivo quanto Trump, acabou se saindo bem em uma perspectiva de disputa civilizatória. O oposto do que houve no Brasil, em 2018.

Foto de Olivier Douliery/AFP

A par disso, as propostas de Biden têm um colorido realmente reconfortante, no que tange à promoção da saúde de seu povo, não apenas em relação à pandemia de coronavírus; à geração de empregos; à política ambiental; às relações internacionais. Ao menos, aquele país deixará o império das fake news e do ódio como única expressão comunicacional. Acima de tudo, é um freio importante no avanço da extrema-direita pelo mundo afora e passa uma mensagem importante para os grupos extremistas internos. Mesmo que hoje não seja um dia para empolgar, sem dúvida foi um dia ruim para a terra plana, para o negacionismo científico, para a ditadura do WhatsApp e coisas do gênero. E se esse pessoal está mal, então eu comemoro.

No mais, os símbolos têm poder. A eleição de um presidente com discurso conciliador e propostas que, para os histéricos estadunidenses, são quase socialistas, tais como a expansão do sistema de saúde (e nem de perto se pensando em algo universal, como o nosso SUS), é muito bom. A eleição de uma vice-presidente mulher, negra e descendente de imigrantes é muito bom. A nomeação de uma mulher transexual para cargo de alto nível no campo da saúde é muito bom. A meu ver, passa a sensação de que os últimos quatro anos foram uma aventura autoritária que não deu certo e, por isso, acabou reprovada do melhor modo: pela vontade do eleitorado.

Além disso, o comportamento alucinado do derrotado-fracassado-humilhado Trump, em todas as fases do processo eleitoral, mas sobretudo após a divulgação do resultado, acabou sendo benéfico, pois mostrou ao mundo que não adianta vociferar sobre fraudes, ameaçar autoridades, conclamar atos de violência contra as instituições e outras patuscadas. No final, o pilantra enfiou o rabo entre as pernas e saiu para a famosa lata de lixo da História, de uma maneira verdadeiramente vergonhosa. Se tivesse reconhecido a derrota e feito uma transição republicana, poderia até sofrer em sua imensa vaidade, mas seria elogiado pelo mundo afora, ao menos em relação ao gesto derradeiro. No entanto, preferiu aumentar sua desonra. Bem feito.

Os líderes mundiais, claro, parabenizaram o novo presidente. Como o Brasil não possui nenhum líder no exercício do cargo, não houve qualquer pronunciamento oficial. Houve, sim, uma manifestação do vice-presidente, que em seu ridículo vira-latismo declarou que os Estados Unidos continuarão sendo "um farol para o ocidente". Haja o que houver, essa gente medíocre continua se curvando até o chão, com o traseiro oferecido ao Tio Sam. Farol coisa nenhuma! O que a América Latina precisa fazer é se unir e entender que o povo lá de cima nunca será um parceiro sincero. Aliás, com uma ressalva para a Inglaterra, nem os países europeus demonstram essa subserviência toda.

Exemplo de manifestação foi a do Papa Francisco, que segundo reportagem do Uol, pronunciou-se nestes termos: "Ofereço-lhe meus cordiais votos e a garantia de minhas orações para que Deus Todo-Poderoso lhe conceda sabedoria e força no exercício de seu alto cargo. Sob sua liderança, que o povo americano continue a se nutrir dos altos valores políticos, éticos e religiosos que inspiraram a nação desde sua fundação". Viram? Biden é líder do povo de seu país e não do ocidente, menos ainda do mundo inteiro. Francisco acertou de novo.

Quanto a nós outros, a prudência manda vigiar e torcer pelo melhor. Boa sorte para nós.

Vacinômetro

Segundo o vacinômetro que calcula, inclusive, quantas pessoas já viraram jacaré após serem vacinadas contra o coronavírus, em todo o mundo (clique aqui), neste momento o Brasil possui 11.470 pessoas vacinadas (lembrando que a primeira brasileira foi vacinada na tarde do último domingo, 17). Contudo, nas últimas 24 horas, o Brasil perdeu mais 1.183 vidas. Nos últimos 5 dias, o número de mortes diárias foi superior a mil, chegando a um total de 5.713. E há tendência de alta em 13 Estados.

Dado o total desinteresse do governo federal em vacinar, a perda da compra de vacinas fabricadas na Índia e o atraso de insumos originários da China, por aqui continuaremos matando muito mais do que imunizando. Inclusive porque o gado bolsonarista está incansável na internet, notadamente no WhatsApp, fazendo o que mais sabe: divulgando mentiras, conclamando o uso de medicamentos inócuos para covid-19 e nocivos porque desnecessários, maldizendo a vacinação e acirrando o clima de ódio no país.

Para o caso de alguém ter ficado curioso, não dei a informação antes porque achei desnecessário, mas aqui vai: até o momento, nenhuma das 49.501.540 pessoas vacinadas no planeta inteiro (a contagem sobe sem parar, mas não graças a nós) virou jacaré.

Atendente obstinado

Ontem, não tive escolha senão fazer uma das tarefas domésticas que mais me irritam: ir ao supermercado. Lá pelas tantas, pedi a um atendente dois potes de meio quilo de manteiga. E os minutos começaram a passar, a fila foi aumentando, a preocupação com aglomeração aumentou junto e nada do cara voltar. Naturalmente, isso me exasperou.

Olhei na direção e o sujeito estava diante da balança, pesando os meus potes de manteiga. Ele olhava, ia e voltava, ia e voltava, ia e voltava. Nessas idas e vindas, ele colocava um pouquinho de manteiga no pote ou tirava um pouquinho de manteiga do pote. Sim, meus amigos, por alguma razão que nem o úbere da vaca explica, o sujeito resolveu que ele precisava me entregar dois potes de manteiga com exatamente 500 gramas cada! Nem um grama a mais, nem um a menos. O preço, igualzinho.

Como eu precisava de outros itens, e também pelo fato de eu ser um doce de pessoa, que raramente briga com as criaturas, mesmo que elas mereçam, nada disse, mas desde então não paro de pensar nessa estranha obstinação, que me custou tempo e paciência. 

Tinha que ser comigo, claro. Eu atraio todo tipo de comportamento aversivo. Ô sina!

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Belém, 405 anos: tempo de reconstruir

Puxe pela memória: como foi o aniversário de Belém em 2020?

Foi antes da pandemia. Ainda vivíamos o antigo normal ao qual estávamos acostumados. Podíamos aglomerar e celebrar, mas não houve celebrações além da claque. Houve, sim, muitas reclamações sobre as condições da cidade. Entre os maiores queixosos, os feirantes do Ver-o-Peso, que de algum modo protagonizam essa festa, até porque estão em nosso principal cartão postal. Houve alguns eventos, mas não a entrega de obras que pudessem melhorar nossas condições de vida.

Quanto mais o tempo passa desse jeito, mais fica minada a autoestima de um povo. Esse desalento era manifesto e crescente.

Mesmo que você não aprove a atual gestão municipal, dê uma olhada no que a imprensa publicou neste 12 de janeiro, inclusive os veículos não pertencentes à família Barbalho. Novamente, a parceria entre os Executivos municipal e estadual marcou presença, com ações concretas, capazes de gerar benefícios para a população. Havia algo a ser visto e isso, com certeza, animou um pouco o coração das pessoas. O meu, pelo menos. Duvido que eu seja o único.

Homenagem do partido do prefeito.

Quando o espírito está alquebrado, comemorações parecem deboche. Hoje, não. Hoje, assim me pareceu, as pessoas estavam movidas pela esperança própria das novidades. Não sabemos como as coisas ficarão à frente. São esperadas grandes dificuldades, seja pelos efeitos da pandemia, seja pela destruição econômica do país, seja pela previsão de chuvas intensas nas próximas semanas, etc. Há muito com que nos preocupar. Por isso mesmo, sem tirar os pés do chão, é importante destacar as escolhas que estão sendo feitas por nossos governantes. Não sabemos de tudo. O que está sendo mostrado parece bastante positivo. Adiante, saberemos melhor.

Enfim, minha cidade completou hoje 405 anos de fundação. E pela primeira vez em muito tempo eu me sinto minimamente satisfeito, pois ao menos demos um passo rumo à continuidade de nossa existência.

Boa sorte para nós.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Bora Belém!

Edmilson Rodrigues mostra que evoluiu. Em seu ótimo discurso de posse, ele anunciou a apresentação de um projeto de lei criando o programa de transferência de renda apelidado de "Bora Belém", uma das mais importantes promessas de sua campanha. Já naquele momento, ele disse que poderia instituir o programa por decreto, mas que, em respeito ao poder legislativo, preferia fazê-lo mediante um projeto de lei.

Obviamente, por trás do discurso conciliador, há muito mais a ser pensado. E é isso que me faz dizer que nosso alcaide evoluiu.

Realmente, Edmilson poderia ter editado um decreto criando o "Bora Belém". Em 1997, ao assumir seu primeiro mandato, seu primeiro ato foi, por decreto, instituir o Fundo Ver-o-Sol, à época um dos carros-chefes de seu programa de governo. Agora, estamos falando de um programa de transferência de renda, que pretende pagar 450 reais às famílias pobres da cidade, ou seja, vai impactar fortemente o orçamento municipal. Verbas precisarão ser realocadas e isso é um grande desafio, à luz da responsabilidade fiscal. Além disso, como a lei orçamentária é elaborada no ano anterior, todo chefe de executivo inicia seu mandato realizando um orçamento concebido por seu antecessor, que tinha políticas diferentes (ou nenhuma). O prefeito tem um teto apertado para fazer remanejamentos orçamentários e, acima desse teto, precisa pedir autorização da Câmara Municipal. Pois bem, Edmilson já resolveu tudo isso.

Foto: reprodução do Facebook da CMB

Com uma só tacada, ele realizou todo o pressuposto jurídico para cumprir sua tão importante promessa de campanha; mostrou grande espírito público ao marchar junto com os vereadores, que aprovaram o projeto por unanimidade (quem iria pagar o custo político de ser contrário?); obteve a autorização legislativa para o comprometimento orçamentário necessário à implementação do programa; e, claro, dividiu responsabilidades. "Bora Belém" não é obra do prefeito, apenas: é de ambos os poderes. E vale lembrar que ele conseguiu isso no oitavo dia de mandato. Gênio!

No momento em que o auxílio emergencial desaparece e deixa milhões de brasileiros à própria sorte, com a pandemia rolando sem previsão de alívio, em Belém haverá ao menos um socorro financeiro aos necessitados. É uma oportunidade de outro de mostrar, aos entusiastas da direita, e em última análise ao presidente da República, a importância das políticas de transferência de renda. Daqui a alguns meses poderemos ver como se saiu Belém, frente aos outros Municípios, carentes de política semelhante.

Vale lembrar que, quando uma pessoa pobre consegue dinheiro, ela compra comida, remédio, gás, roupa, transporte, etc. Todo esse dinheiro é consumido em suas necessidades básicas, em nível local. Por conseguinte, esse auxílio é reinjetado na economia local na forma de renda para os comerciantes e outros prestadores de serviço. Todo mundo sai ganhando. Menos o idiota útil, que continua bostejando asneiras sobre "assistencialismo", "vitimização" e coisas do gênero. O lambaio que se acha capitalista sem ser dono de nenhum meio de produção ou capital financeiro.

Até aqui, Edmilson vai acertando. Quanto ao mais, o tempo dirá. Estamos de olho e, por ora, satisfeitos.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

VACINA CHEGANDO!

Apenas 3 dias após perder um grande amigo para essa maldita covid-19, vejo a emoção tomando conta da internet com o anúncio da eficácia da Coronavac, pelos pesquisadores do Instituto Butantan, em São Paulo.

Existem outras vacinas, bem o sabemos. E pouco me importa qual será aplicada na população. Pode ser um pouco de cada, desde que haja a eficiência reconhecida pelas autoridades sanitárias. O importante é a vacinação massiva começar o mais rápido possível, apesar de todos os percalços dolosamente impostos pelo governo genocida.

A notícia conta com a emoção particular de ser uma pesquisa parcialmente realizada no Brasil, por uma instituição de pesquisa séria, relembrando a todos a importância da ciência. E essa instituição atua com recursos do SUS, lembrando a todos a imprescindibilidade desse nosso sistema, reconhecido mundialmente.

Que notícias boas! Pena que eu, por não ter prioridades, demorarei para ser vacinado. Mas o importante é ver essa esperança se materializar em realidade.

Saúde, meu povo!

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Para Eduardo

Quando teus sintomas começaram, estavas certo de que não era covid-19, mas tiveste a prudência de te recolher em casa. Foi por isso que, no dia 18 de dezembro, quando fizemos nossa última reunião de trabalho do ano, e aproveitamos para fazer uma pequena confraternização interna, restrita por causa da necessidade de distanciamento social, tu compareceste de modo virtual. E todos percebemos o quanto isso te custou, pois na hora do encerramento estavas em lágrimas. E isso nos comoveu, também, claro. Não fui o único a querer te abraçar naquele momento.

Até então, tudo parecia apenas um contratempo. Não imaginávamos que, na terça-feira seguinte, estarias internado. Mas a máscara de oxigênio era mais uma cautela, porque estavas bem, no geral. Mandaste uma foto, de máscara, sorridente. Eu me sentia só um pouco chateado por estares no hospital em pleno natal. Realmente não me recordo em que hora o apartamento virou UTI. Talvez, àquela altura, tudo fosse uma necessidade contornável. Mas aí começaram a falar em possível intubação e minha inclinação pessimista acendeu todos os alertas.

Amigos queridos me lembraram da importância do pensamento positivo e eu me esforcei ― juro, meu amigo, eu me esforcei muito, porque para mim essas coisas exigem esforço ― para não pensar em nada sombrio. Eu me concentrava na tua saúde e em toda a bondade que espalhavas pelo mundo. E as notícias que chegavam eram de alguma melhora, principalmente de estabilidade. Aprendi contigo, em alguma de nossas inumeráveis conversas sobre questões médicas, que um paciente grave, porém estável, é melhor do que um não grave, porém instável.

Daí as notícias já não eram tão auspiciosas. Eu sabia que, ao teu redor, além de muitos médicos, e outros profissionais de saúde, fazendo todo o possível, havia também a rede de orações, impulsionada pelo bem que sempre fizeste a tantos, notadamente os mais necessitados, os mais pobres, os moradores de rua. Eu lutava contra um pensamento que insistia em retornar: aquela sensação angustiante que vivi em 2015, de tensão quando da atualização dos informes médicos e de eles serem sempre frustrantes. Como anos atrás, passei a ter receio de ligações telefônicas ou de mensagens de WhatsApp. E, como anos atrás, fui informado de que seria a qualquer momento.

Em 2015, o "a qualquer momento" durou uns quatro dias. Hoje, foi rápido. Sentado na beira da cama, repeti o meu velho lamento: "As coisas são como são". Era o meu exercício diário de resignação.


Essa doença atroz leva as pessoas que amamos e sequer permite que sejam cumpridos os ritos que nossa cultura desenvolveu para as despedidas. E fechamentos são indispensáveis! Felizmente, tivemos a oportunidade de fazer nosso cortejo. Fizemos a carreata do Eduardo! Um modo de obter o nosso fechamento, mostrando respeito ao teu corpo, cientes de que tua alma já está em paragens muito mais elevadas. Ninguém duvida de que ficarás muito bem. Não há outro destino para quem expressou tanto amor ao próximo e altruísmo como tu. Tomara que por aí haja umas manifestações, para poderes gritar palavras de ordem a plenos pulmões.

Vai com Deus, irmão. Se possível, não te esqueças do que te pedi na despedida. Os que vêm depois, como eu, sempre necessitam dos ensinamentos dos melhores, como tu.

E, claro, obrigado. Por absolutamente tudo.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

"Quem teme o tapa não põe a cara na tela"

Na postagem "Pato Donald", de 10 de dezembro último, manifestei meu desagrado em relação a titulares de mandatos executivos que não comparecem à posse de seus sucessores, e portanto se negam ao ato simbólico de passar a faixa, com o que demonstram falta de espírito público e mesquinhez de caráter. Zenaldo Coutinho não quis carregar essa pecha e teve a dignidade de comparecer à posse de Edmilson Rodrigues e de praticar todos os atos previstos no protocolo. Mas ele sabia que haveria um custo e a fatura foi cobrada.

Na primeira sessão, destinada à posse dos vereadores e à eleição da nova mesa diretora da Câmara Municipal, todos estavam amiguinhos, gentis e prestativos. Coube a Fernando Carneiro (PSOL) lembrar, da tribuna, que o prefeito precisa atender os vereadores e não apenas seus apoiadores. Ele classificou a CMB, nos últimos anos, como "subsecretaria do poder executivo" (pense naquele meme do cavalo dando um coice). Ninguém protestou ou respondeu. O mais importante é que a mensagem foi dada. Zenaldo ― ironizado pelo povo como "Zeraldo" ou "Zé Nada" por sua absoluta nulidade como gestor ― pode passar oito anos fazendo nada porque tinha uma bancada de sustentação com 30 vereadores, de um total de 35. Não precisa explicar. Até onde sei, foram as piores legislaturas que Belém já teve.

No momento em que Carneiro discursava, contudo, Zenaldo ainda não estava no plenário. Ele entrou depois, já para a segunda sessão, destinada a dar posse ao prefeito e seu vice. Quando o presidente da casa, Zeca Pirão, decidiu conceder a palavra aos vereadores que não puderam falar na anterior, o clima pesou. O primeiro que assomou à tribuna foi logo dizendo que a periferia de Belém está abandonada. Também manifestou sua "frustração" porque, durante todo o seu mandato, não conseguiu ser atendido pelo prefeito uma vez sequer.

Foi o que bastou para Zenaldo se lembrar de que tinha "uns afazeres" (palavras de Zeca Pirão) e pedir para sair. A transmissão da faixa foi antecipada e se acabou a era Zenaldo Coutinho, com um discurso no qual ele apelou para as muitas crises que o teriam atrapalhado e para as muitas obras que ele afirma ter feito. Reclamou que, no calor das disputas políticas, as pessoas falam palavras que ferem. E assim ele contará a sua versão dos fatos doravante. Esse é o seu legado. Não me parece algo para se orgulhar.

Ainda que Zenaldo tenha saído pela porta da frente, saiu correndo (falo no sentido figurado, mas ainda assim é deselegante e sintomático). Fugir foi bom para ele, pois o vereador seguinte veio com mais força. Chegou classificando o vazante como o pior prefeito da história de Belém, incompetente e habituado a perseguir seus opositores. 

Sob nova direção, o tom dos discursos deixou as amenidades e passou ao enfrentamento da realidade. Isso muito embora Edmilson tenha feito um discurso bastante conciliador e amistoso. Todavia, ele desmentiu Zenaldo em dois aspectos da maior gravidade. Zenaldo disse que realizou plenamente a transição dos governos, apresentando todas as informações e documentos necessários (que supostamente estariam no sítio eletrônico). Edmilson disse que as informações, p. ex. sobre a situação financeira do Município, não foram repassadas. Antes dele, Ivanise Gasparim, que será Secretária de Saneamento, também se queixou de omissão de informações em sua pasta.

O segundo ponto é que Zenaldo afirmou ter deixado 24 milhões de reais de superávit no caixa da Prefeitura, porém Edmilson falou sobre dívidas que somam 200 milhões de reais, para desembolso iminente. Alegou ter ficado "um pouco aliviado" com as informações do antecessor. Está um doce, o rapaz. Mas quem estará com a verdade, afinal?

Infelizmente, a transmissão da CMB (de péssima qualidade, por sinal) foi interrompida. Não pude ver o final do discurso e o que mais ocorreu. Mas tudo bem. Vamos à vida. Em uma coisa todos concordam: Edmilson está lascado, pois tem que reconstruir uma terra arrasada. Boa sorte para ele e, claro, para todos nós.

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Os versos "Quem teme o tapa/ não põe a cara na tela" integram a canção "O hacker", de Zeca Baleiro.

Depois de 16 anos, Belém tem prefeito novamente!

Edmilson Rodrigues e meu ex-professor, Edmilson Moura, tomaram posse na tarde de hoje, respectivamente como prefeito e vice-prefeito de Belém. Em sessão anterior, os vereadores eleitos no último mês de novembro também foram empossados, sendo 18 fora de situação de reeleição, o que implica grande renovação da Câmara Municipal de Belém, uma necessidade premente. Dentre os edis, Bia Caminha, em quem votei. Por conseguinte, estou satisfeito como há milênios não me sentia.

Crédito: reprodução do Facebook


As sessões de posse dos vereadores, primeiro, e da chapa do Executivo, depois, foram marcadas pela emoção de alguns que se manifestaram e pelo tom de cordialidade e até de brincadeira, com direito a vereador empossado sendo liberado para se concentrar com o time, pois é goleiro.

Eleita também a nova mesa diretora da Câmara, como esperado, Zeca Pirão, o mais bem votado de todos os eleitos e membro da maior bancada (do MDB, partido do governador Hélder Barbalho), é o novo presidente da Casa, o que é bom para o prefeito, já que o governador ofereceu parceria ao novo governo municipal. Vale lembrar que Hélder postou uma foto, em rede social, no dia do segundo turno da eleição, em que ele e a esposa apareciam trajando camisas de cor lilás, a cor de campanha da chapa PSOL-PT. Para bom entendedor...

O novo prefeito citou explicitamente a oferta de parceria, em seu discurso. Portanto, isso confirma que Edmilson chega a seu terceiro mandato em um cenário brutalmente diferente ao do período 1997-2004. Em 1996, ele foi eleito como azarão e teve contra si uma campanha implacável que reunia o governo do Estado (à época, na pessoa de Almir Gabriel, dono de uma fama de perseguir inimigos), a Assembleia Legislativa, a Câmara Municipal, outras instituições (que não deveriam funcionar como puxadinhos do governador), a mídia (à frente, as Organizações Rômulo Maiorana, que funcionavam como "diário oficial" do PSDB) e o empresariado. Agora, Edmilson retorna bem mais experiente, com avanços pessoais (a continuidade de sua formação acadêmica) e políticos (sua combativa atuação como deputado federal). Seu tom é mais conciliador e se abre para uma Câmara Municipal repleta de pessoas prometendo apoio ou, pelo menos, "oposição de qualidade", um governo do Estado amistoso e a simpatia, ao menos, do grupo de comunicação da família Barbalho. Se bem que o tom das ORM parece bem leve, também.

Outro mérito de Edmilson é ter como vice uma pessoa que nós sabemos quem é o que fez nos últimos anos. Edilson Moura tem uma atuação política respeitável e está à altura do cargo hoje assumido. O mesmo não se podia dizer da maioria dos vices anteriores (exceção, talvez, a Orlando Reis, por seus muitos anos como vereador, atuação que nos faz saber quem é, mas não angariar meus elogios). O nefasto Duciomar Costa teve como vice um político de carreira que mudou o domicílio eleitoral para concorrer ao cargo, pois sua base sempre fora o sudeste do Estado, ou seja, oportunismo. E o inoperante Zenaldo Coutinho teve uma vice que eu nunca soube de onde saiu. E caso o prefeito hoje fosse o delegado especial de classe especial, seu vice era um sujeito tão sem noção e desagradável quanto o titular.

Enfim, hoje temos algo a comemorar. Já era tempo!

Começando 2021

Antes de mais nada, meus sinceros votos de que o novo ano seja realmente feliz. Estamos todos sob a pressão da pandemia do novo coronavírus, o que coloca a saúde no topo das intenções que normalmente são feitas nesta época. Ratifico isso, pensando também em nossa necessidade de redescobrir a empatia, a bondade e a serenidade. Se assim o fizermos, o resto há de vir.

Neste dia dedicado à confraternização universal, feriado, os que podem aproveitam uma preguicinha boa, com esse clima ameno que está fazendo. Outros tantos não têm a mesma sorte e estão na batalha pela sobrevivência. Meu respeito a estes. Meu respeito, também, àqueles que não se aglomeraram nas festividades de fim de ano, tentando proteger a si mesmos e aos demais do risco de contágio. Meu bairro estava quieto e as imagens que vi no telejornal mostravam uma cidade vazia. Espero que não seja por motivo de aglomeração em outro lugar. Tomara que a retomada da consciência estavam, enfim, acontecendo.

Boa sorte para todos nós. Estamos precisando.