A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, ontem, o projeto de emenda constitucional destinada a reduzir a maioridade penal para 16 anos. O relator da matéria, o
democrata Demóstenes Torres, emitiu parecer favorável, alinhando-se assim com a postura esperada de um membro de um partido de direita, mais preocupado com a proteção da propriedade privada do que com essa verborragia toda sobre justiça social.
Os debates foram acirrados, mas o nível não foi lá essas coisas, como era de se esperar. Nós, latinoamericanos, temos esse defeito terrível da passionalidade. Não conseguimos manter uma discussão em alto nível por muito tempo, pois logo entram em cena os argumentos dramáticos, chorosos, religiosos, ufanistas — e o cerne da discussão se desloca para bobagens subjetivistas. No final das contas, a medida foi aprovada por apenas dois votos de vantagem (12 contra 10), sendo que três votos favoráveis foram dados por parlamentares da bancada de sustentação do governo, que ignoraram a recomendação de rejeitar a proposta.
Mais uma vez, tive que aturar alegações estúpidas. O relator levou a taça com a seguinte pérola do retardamento: "Dizem que a cadeia não educa. E as ruas, educam?"
Sua Excelência, beociamente, demonstrou assim toda a sua familiaridade com os problemas socioeconômicos brasileiros, que o habilitam ao exercício da função. Afirmou que a cadeia educa melhor que as ruas e que os jovens vão para estas, provavelmente, porque querem, por simples safadeza.
Não faltou, também, o mais famoso e, até aqui, o mais idiota dos argumentos:
se o adolescente de 16 pode votar, então também pode ser responsabilizado criminalmente. Esta idiotice, agora superada pela inteligência
democrata, poderia ser comparada à situação de um pai que exigisse de um filho adolescente começar a trabalhar apenas porque ele passou do ensino fundamental para o médio. Seria o caso de perguntar: o que uma coisa tem a ver com a outra?
Mas agora a maioria da sociedade brasileira, os parlamentares preocupados com as futuras eleições e a imprensa respiram aliviados. Venceram o primeiro
round e agora veem o governo se desgastar, assumindo o compromisso de derrubar a PEC em plenário. Mais um prejuízo à imagem do governo Lula.
Na reportagem que vi esta manhã, no
Bom Dia Brasil, vi a jornalista Renata Vasconcellos frisar que há resistências para a redução da maioridade penal no Brasil,
embora outros países já tenham adotado tal medida. É o estilo Globo, insidioso, mostrando que seremos civilizados se copiarmos esses outros países — especificamente estes, no caso.
Levada a plenário, pelo menos veremos a discussão ganhar a sociedade civil. Só não espero que seja uma discussão de nível, porque nunca é. Muita água ainda vai rolar debaixo dessa ponte, já que para aprovar uma PEC são necessários dois turnos de votação nas duas Casas do Congresso. Nesse meio tempo, fico aqui levando pancada de todos os lados, já que não faltarão os moralistas de plantão para refutar os meus argumentos e tentar derubá-los com fatos e estatísticas sangrentas. Mal sabem que sou vacinado contra tudo isso.
À medida que me esculachem, vou oferecendo meus argumentos para ser contra essa nefasta redução da maioridade penal. Aqui no blog, o debate já começou. Pode vir quente, que eu estou fervendo.
Acréscimo em 16.9.2011
Ao afirmar que "outros países já adotaram a medida", a reportagem dá a entender que outros países
reduziram a maioridade penal, o que não é verdadeiro. De fato, na maior parte do mundo, a maioridade penal é alcançada mais cedo, havendo diferentes idades para isso. No entanto, elas foram definidas de acordo com as experiências de cada nação, não sendo caso de redução.
Além disso, mesmo que a maioridade penal aos 18 anos esteja acima da média, não podemos ignorar que o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (aprovado no Brasil através do Decreto n. 4.388, de 2002), ratificado por dezenas de países, reconhece a inimputabilidade do menor de 18 anos, "à data da alegada prática do crime" (artigo 26), o que denota uma tendência da ONU a reconhecer esse como um parâmetro adequado.