domingo, 26 de novembro de 2006

Virei estatística

Foi bom enquanto durou, mas desde ontem, por volta de 22 horas, perdi a primariedade: debutei no mundo dos assaltos. Agora sou igual à maioria da população.

Estava com minha esposa, irmão e um amigo no Twist Burger quando seis ou sete homens chegaram ao local para cometer um assalto. Nem todos entraram: houve quem ficasse fora dando cobertura, inclusive um que me viu escondendo a chave do carro. O resto foi aquilo mesmo: sentados nas cadeiras ou no chão, olhando para baixo, entregando o dinheiro e objetos de valor que obtivemos através de trabalho honesto, em meio a ameaças de qualquer-coisa-eu-atiro. Vocês lerão no jornal amanhã. Saberão que houve troca de tiros, que um flanelinha deficiente foi baleado, que duas moças foram feitas reféns e uma foi levada pelos assaltantes. Dois deles foram presos, um deles baleado na perna.

(Atualização em 26.11.2006, às 12h52: Retiro o que disse. Os dois maiores jornais da cidade noticiaram o crime com erros crassos. Não adianta: através da imprensa, nunca sabemos o que de fato ocorreu. Os assaltantes não se passaram por clientes. É possível que um deles tenha feito isso, mas o grupo de homens que invadiu a lanchonete já entrou com um primeiro disparo.)

Quando a coisa "acabou" (na verdade, talvez nunca acabe), meu irmão — que é hipertenso — teve um pico de pressão, que foi a 16x12. Precisei levá-lo a um hospital. Somente depois começou a segunda via crucis.

Existe em direito penal, ou mais propriamente na criminologia, o conceito de vitimização secundária. Significa, em síntese, que uma pessoa vítima de crime ainda é obrigada a amargar outras consequências do delito que sofreu, tais como perícias vexatórias em si mesmas (ainda que realizadas com respeito), mau atendimento nos serviços públicos, traumas, etc. Agora eu conheço tal conceito na prática.

Como levei meu irmão ao hospital primeiro, chegamos à delegacia por volta de meia-noite, mas os procedimentos para lavratura do auto de apreensão e entrega dos bens roubados e auto de prisão em flagrante demoraram aproximadamente 10 horas. Agora imaginem: um monte de vítimas de um roubo, estressadas, são submetidas ao vexame, à indignidade e ao desprezo de passar uma madrugada inteira insones, numa delegacia suja, exposta aos criminosos algemados em qualquer canto e devorados por uma população de carapanãs de meter medo. Ao raiar do dia, extenuados, ainda sequer havíamos prestado depoimento.

O delegado até que foi atencioso, embora agisse quase como se fôssemos obrigados a permanecer ali, submetidos àquela crueldade, mas não há qualquer justificativa, não há qualquer justificativa para tratar um cidadão, pagador ou não de impostos, a uma humilhação dessas. Estou revoltado e gostaria que os amigos divulgassem o meu queixume o mais amplamente possível, na expectativa (que é só o que nos resta) de que a próxima política de segurança pública invista no que realmente interessa: investimento humano, novas tecnologias e respeito pelo cidadão.

Minha aliança de casamento não está mais no meu dedo. Isso me queima como se eu estivesse nu ou sem pele.

4 comentários:

Ivan Daniel disse...

Yúdice, estou solidário à causa e fico indignado também com tamanho descaso com o cidadão. São perdas muito mais que materiais, mas felizmente o bem maior foi preservado.

Anônimo disse...

Realmente a segurança pública não foi o forte desse governo. Muito pelo contrário, deixou muito a desejar.
Falo como cidadão, como jornalista e homem público.
O aparelhamento da segurança pública foi feito nesses 4 anos, mas o que faltou foi um comando mais forte. E comandar tropa e polícia exige autoridade.
Não só isso, é claro, mas também é urgente que se faça uma avaliação salarial da nossa tropa, o que já deveria ter sido feita há muito tempo.
O crime organizado, quanto mais é impedido de agir lá pra baixo onde as polícias estão mais preparadas, ele resolve buscar outras cidades aqui no norte. E é isso que me incomoda e me preocupa mais. No Ceará, onde nunca aconteceram sequestros, só nesse ano foram 17.
Nós poderemos passar por isso se não sairmos na frente do crime organizado.
E isso é informação, contra informação, aparelhamento e comando estratégico.
Acho que fiz a minha parte nesse orçamento de 2007, já no governo do PT. Apresentei emendas ao orçamento para a nossa Polícia Militar do Estado no valor de R$ 3.240.000,00. Tudo para o governo do estado investir onde achar melhor para o combate ao crime organizado. Inclusive na qualificação dos nossos soldados e oficiais, que merecem toda a nossa atenção.
Só quem pode impedir que este tipo de assalto aconteça é a nossa PM, com um trabalho repreensivo e duro. E na minha opinião, com tolerancia zero para a bandidagem.
Minha solidariedade,
Vic Pires Franco
Deputado Federal

Frederico Guerreiro disse...

Lamentável, Yúdice! Não sei o que dizer. A sensação de impotência numa hora dessas deixa marcas para a vida toda. Solidarizo-me à sua causa e deixo aqui meus votos de breve recuperação psicológica. Tente pensar que poderia ter sido pior e tudo vai parecer melhor.
Receba o meu apoio e abraço.

Yúdice Andrade disse...

Estendo mais um pouco meus agradecimentos pela solidariedade e, quanto ao Deputado Vic, também pelas informações numéricas que forneceu.
Ainda não lhe agradecio pelo material que me mandou. Não foi ingratidão, foi apenas a viagem, mas esteja certo de que recebi com grande alegria e que me será por demais útil.