quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Parabéns, meritíssimo

Justiça libera pílula do dia seguinte
Agência Estado e redação de O Liberal

O juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública de Recife, Ulisses Viana Filho, pôs ontem um ponto final na polêmica criada em torno da oferta da chamada pílula do dia seguinte durante o Carnaval da capital pernambucana. Ele indeferiu liminar impetrada na terça-feira, 29, pela Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde (Aduseps), que pedia a suspensão da distribuição do contraceptivo emergencial - levonorgestrel 0,75 mg - entre os dias 2 e 5 de fevereiro sob o argumento de que o medicamento é abortivo.
A iniciativa da Aduseps foi apoiada pela Arquidiocese de Olinda e de Recife, que se posicionou contra a distribuição em qualquer época do ano por entender que provoca aborto. 'É verdade que em nosso País o aborto é considerado crime doloso contra a vida, mas em nenhum momento a Aduseps comprovou que o medicamento tenha natureza abortiva', afirmou o juiz. 'A documentação apresentada assevera que a droga a ser utilizada é cientificamente considerada contraceptiva e não abortiva.'
Ele considerou 'irrelevantes' as opiniões religiosas que condenam o uso de preservativos ou contraceptivos sem qualquer respaldo da comunidade científica. 'A República Federativa do Brasil é um estado laico e não uma teocracia', afirmou, ao destacar também que 'de acordo com opinião expressa nos órgãos de comunicação escrita, o medicamento não será distribuído aleatoriamente, mas tão-somente para mulheres vítimas de abusos sexuais ou de acidentes verificados no uso das ‘camisinhas’'.
A ação impetrada pela Aduseps tinha como réus as prefeituras de Recife, Olinda e Paulista. Como o juiz Viana Filho julgou apenas relativa à capital, a coordenadora da Aduseps, René Patriota, mostrou disposição de impetrar a mesma ação pública nos outros municípios. 'Temos até sexta-feira', disse.

Finalmente, um juiz se lembrou que o Estado brasileiro é laico, já que em geral eles insistem em ignorar esse fato, apesar de ser gritado na Constituição de 1988. Lembrou e declarou-o expressamente, ponderando que nenhum argumento religioso merece conhecimento em demandas judiciais. Ponto para ele.
Ressalto, porém, que o meu elogio se encerra aqui, por desconhecer maiores detalhes sobre o processo.
Quanto à iniciativa do poder público, sou francamente favorável à distribuição de preservativos e, sim, essa é única e exclusivamente uma questão de saúde pública. Quanto à distribuição da pílula no entanto, confesso minha reticência, baseada em um só argumento: quando as pessoas retiram da mente a preocupação com uma gravidez indesejada, tendem a negligenciar os riscos de contágio de doenças. Sentindo-se protegidos, a promiscuidade pode ser estimulada e o tiro sair pela culatra.
Afinal, no país do que-que-tem-?, o povo só quer um pé para perder o juízo. E ainda acha isso lindo.

Hein? Como é que é?

A coluna Repórter 70 de hoje ma saiu com esta:

Bar que tem mesa na calçada da Brás de Aguiar está impedindo o freguês de colocar mais de quatro cadeiras por mesa. Os garçons dizem que é imposição da prefeitura de Belém. Se uma família de cinco pessoas quiser tomar um lanche ou um café juntas, quatro delas têm que ficar numa mesa e uma sozinha em outra. É a divisão burra.

Se a divisão é burra, essa não é a questão essencial. O ponto central é: desde quando o Código de Posturas do Município permite mesas e cadeiras (sejam lá quantas forem) em plena calçada? Não pode quatro, nem três, nem coisa nenhuma. Isso é que deveria ter sido destacado pela nota, não esse sentimento de naturalidade quanto à obstrução do passeio, que deveria ser de todos, não espaço privatizado pelo dono do bar, para lucro próprio.
Em tempos de foco sobre os camelôs, seria importante que os olhos se voltassem também para os outros canalhas que retiram o nosso direito de ir e vir. Ou será que somente os camelôs estão errados? O pobre desdentado que arma sua barraca é escarnecido, mas o bonitão que chega de SUV na frente do seu estabelecimento pode fazer o que quiser?

PS — Não teço comentários sobre a prefeitura porque não sabemos se a tal imposição oficial realmente foi feita. É bem possível que seja apenas a desculpa dada aos clientes para explicar a divisão que, sim, é burra.

Doe de si

Você pode doar sangue a partir dos 18 anos, desde que tenha uma boa relação biométrica e goze de boa saúde.
Doar medula também é possível em vida e bastante fácil. No dia seguinte você pode estar em casa.
Em casos mais extremos, também se pode doar um rim em vida.
Entretanto, um dos maiores gestos de amor e humanidade que se pode demonstrar é, em vida, permitir a doação de seus órgãos para utilização após a sua morte. A vida continuará em outras pessoas, que têm também uma vida, suas emoções, família, amigos, projetos, etc. Tudo isso pode ser perdido porque nunca há orgãos suficientes disponíveis, apesar de que muitas pessoas morrem prematuramente — vale lembrar as estatísticas de guerra do trânsito brasileiro.
Hoje é o Dia da Solidariedade, destinado a conscientizar os brasileiros sobre a necessidade de doação de órgãos. Faça a sua parte. Porque é o certo. Não gosto do argumento de que poderia ser você a precisar. No entanto, é verdade.
E se fosse você ou alguém que você ama a precisar?

PS — 1. A Medicina avançou o bastante para garantir que ninguém será morto para a retirada de órgãos. Estes somente serão retirados se o paciente já estiver com diagnóstico de morte encefálica.
2. Existe tráfico de órgãos, sim. Mas é um acidente. O órgão doado dentro de um hospital, acionados os representantes do sistema nacional, chegará a uma pessoa que realmente precisa.
3. Uma religião que proíba a doação de órgãos não valoriza a vida. Repense o papel dessa religião no mundo atual.
4. Acima de tudo, o doador está morto e não precisará mais de seus órgãos. Se não doados, seu único destino será a decomposição junto com o corpo. E muita gente perderá a oportunidade de recomeçar.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Não seria abuso?

A quinta (!) recondução do vereador que aceita ser conhecido pela alcunha "Zeca Pirão" à presidência da Câmara Municipal de Belém foi saudada por populares, uma claque que compareceu espontaneamente ao parlamento, com faixas, absurdas fantasias de bichinhos e o mais importante de tudo: camisetas com a legenda "Zeca Pirão 2008". E ainda foram convidados a ingressar no plenário, espaço reservado aos edis, para fazer a sua festa.
Fico aqui matutando sobre a cena: aquele bando de pessoas, cachorros e pintinhos amarelinhos (gente, estou falando sério...) usando o espaço do Legislativo municipal para fazer festa declarada a uma pessoa especificamente, sabido candidato nas próximas eleições.
Aí vem a perguntinha tola: tal situação não configura abuso do poder político e, como tal, fato passível de punição pela Justiça Eleitoral? Além de ato de improbidade, claro?
Não sei por quê, estou com a impressão de que somente eu enxergarei o caso sob esse prisma.

"De forma provisória"

Enquanto não se chega a uma solução para o caso dos camelôs do centro comercial (como se ela existisse), a Secretaria Municipal de Economia já vinha e continua alocando uns tantos nas transversais da Av. Presidente Vargas, "de forma provisória".
Ora, foi de forma provisória que todos eles chegaram à Presidente Vargas e a todas as demais vias sitiadas da cidade — e foram ficando definitivamente.
De forma provisória, boa parte dessas transversais já estava ocupada por outros camelôs. Pelo visto, os espaços restantes agora serão preenchidos. Vale lembrar que aquele região é formada por ruas estreitas e de trânsito intenso. As conseqüências são óbvias.
Confesso que até me emocionei ontem à tarde, passando pela avenida de calçadas desimpedidas. Desculpem-me, porém, a desesperança. Ainda não acredito no sucesso dessa empreitada, embora o deseje. Mas essas medidas paliativas do governo não me sugerem as melhores expectativas.

Então tá

Prefeito da cidade com maior taxa de homicídios acha situação "normal"Brasília, Agência Brasil

Coronel Sapucaia (MS), na fronteira com o Paraguai, ficou em primeiro lugar no ranking das cidades com as maiores taxas de homicídio do Brasil, segundo o Mapa da Violência 2008, divulgado hoje (29). Com 13.828 habitantes, o município registrou 13 homicídios em 2006, cerca de um a cada mil moradores. O prefeito Ney Kuasne, no entanto, classificou a taxa como “normal”.
“É um número normal. Número grande é o do Rio de Janeiro”, disse o prefeito em entrevista à Agência Brasil. O Rio ficou fora do ranking, pois não está entre as 500 cidades com maiores taxas de homicídios, proporcionalmente à população.
No entanto, o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Dênis Mizne, acha que a estatística do município sul-mato-grossense não é nada normal. Citando critérios da Organização das Nações Unidas (ONU), ele afirma que, para que uma sociedade seja considerada “segura”, a taxa de homicídios não pode superar dez para cada 100 mil habitantes, ou seja, um para cada dez mil (dez vezes menos que Coronel Sapucaia).
“Treze mortes pode parecer pouco, mas, para o tamanho da cidade, causa preocupação. E a atitude do prefeito de aceitar como normal deveria ser substituída por uma tentativa de mudança no índice, e de melhorar as condições de vida na cidade”, disse Mizne.
O prefeito aponta a proximidade com o Paraguai como a principal causa das mortes. Ele acredita que alguns crimes foram na verdade praticados por paraguaios do outro lado da divisa. “Por exemplo, dois corpos foram encontrados na estrada que vai para a fronteira com o Paraguai, e não foram reconhecidos por ninguém no nosso município. Elas [as fronteiras] são muito vulneráveis para a geração de criminalidade, bandidagem e violência”.
Ney Kuasne também cobrou atenção do governo federal nas regiões fronteiriças. “Falta mais carinho por parte do governo para com as fronteiras, que são a porta de entrada do país. Coronel Sapucaia tem três policiais militares, um delegado da Polícia Civil, dois investigadores e um funcionário que faz identidades [emite documentos] na delegacia. São três policiais que fazem plantão um dia sim, outro não. Quem agüenta?”.
Neste ponto, o diretor do Instituto Sou da Paz concorda com a reclamação do prefeito. Ele acha um “absurdo” a forma como as regiões de fronteira são fiscalizadas no país. “A fiscalização é responsabilidade do governo federal. É uma situação que precisa do apoio dos governos estaduais, no sentido do policiamento, e precisa de um trabalho integrado com o governo local. O aumento da criminalidade permeia as fronteiras por causa do tráfego de drogas e de armas. Isso está repercutindo nesse município, mas é um problema do país inteiro”.
De acordo com o Mapa da Violência, o município registrou 13 homicídios em 2006, 17 em 2005, 17 em 2004, oito em 2003 e 21 em 2002. Em relação a 2006, o prefeito afirmou que houve na verdade uma morte a mais: “A Delegacia de Polícia Civil verificou 14 homicídios. Entre os crimes, estão acidentes de trânsito, mortes de indígenas, de foragidos e outros homicídios dolosos".

Fiquei feliz de não passar nem perto de Coronel Sapucaia. Só lamento pelo munícipes de lá. Pelo visto, Belém está longe de ser a única cidade com prefeito desastre.
Esse é o grande mérito de estudos como este, da RITLA: forçar discussões na sociedade e respostas do poder público. Mesmo que elas, em geral, constituam desculpas esfarrapadas. Mas não há meios de mudar as coisas sem que a realidade venha à tona.

Exame de Ordem

Divulgado o resultado da primeira fase do Exame de Ordem (terceiro e último de 2007), constato que a maioria dos candidatos passou arrastado, com notas pouco acima de 50, ou 50 mesmo, o mínimo admissível. Isso, claro, não necessariamente depõe contra o candidato, pois vi alguns nomes que tiveram históricos excelentes na faculdade. Entre avaliar um aluno por uma prova objetiva (com todos os vícios de uma prova objetiva, ainda mais as do CESPE/UnB...) e seu histórico, obviamente que o histórico é muito melhor.
Mais uma vez, tenho a satisfação de reconhecer na lista vários nomes queridos.
A nota mais alta nesta primeira fase foi 81, alcançada por três candidatos, dentre os quais Eduardo Neves Lima Filho, que não foi apenas meu aluno, como também meu monitor — um jovem muito cônscio de seus projetos profissionais e que será uma grande aquisição para os quadros da advocacia paraense. E mais tarde, se Deus quiser, um grande professor.
Sucesso aos que permanecem no páreo.

Acréscimo em 17.10.2011
Com efeito, Eduardo se tornou professor e está há dois anos fazendo um bom trabalho lá conosco, no CESUPA.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Concentração dos homicídios

Quase sempre que escrevo, aqui no blog, sobre política criminal, aparece alguém me criticando, e até me destratando, usando aqueles manjadíssimos argumentos da linha Datena e afins. Rejeitam a missão ressocializadora da pena, defendem medidas extremas contra os criminosos, tributam seus delitos somente à maldade individual e objurgam a ideia de direitos humanos. Sua argumentação sempre é passional, na base do e-se-fosse-com-você-?
Esta vai especialmente para esse público.
Um estudo divulgado hoje pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana — RITLA revela que a violência no país está concentrada em apenas 10% dos Municípios, os quais concentram nada menos do que 73,3% dos homicídios cometidos no país. Clique aqui para ler mais a respeito e saber quais são as cidades mais perigosas.
Tentemos construir um raciocínio sobre esses dados (que pena não ter o mesmo raciocínio lógico do filósofo e professor André Coelho!).

1. Se o indivíduo mata porque é mau, e tomando por premissa que a maldade humana deve estar distribuída de forma mais ou menos igualitária pelo mundo inteiro, então o número de homicídios deveria tender a uma certa homogeneidade dentro do país. Concluo: se a esmagadora maioria dos homicídios ocorre em apenas 556 dos 5.564 Municípios brasileiros, então existem fatores outros, variados, pressionando a escalada da violência.

2. Admitindo que os fatores da criminalidade sejam muitos, cumpre investigar as características peculiares dos locais mais violentos. Se identificarmos que esses locais se caracterizam pelas mazelas dos grandes centros urbanos (notadamente as capitais) ou por pistolagem, conflitos agrários ou ambientais, ausência do Estado e crime organizado, dentre outros fatores, chegaremos à conhecida conclusão que atribui a violência às injustiças sociais que campeiam no país — diagnóstico sempre rechaçado pelos moralistas de plantão, que o atribuem a logomaquias de ONG ou do pessoal dos direitos humanos.

3. A tese da preponderante maldade individual somente poderia sobreviver a estes argumentos se o sentimento em questão tivesse causas primordialmente endógenas, portanto livres das antes apontadas influências de fatores sociais. Nesse caso, contudo, não me parece crível que a genética favorecesse tantas pessoas ruins nascendo numa mesma cidade e ignorando o entorno. Veja-se o exemplo do Rio de Janeiro, segunda capital em números absolutos de homicídios: bem pertinho fica Petrópolis, uma cidade famosa, porém pacata, onde as pessoas caminham tranquilamente por estradas absolutamente escuras tarde da noite, sem sofrer violências, fato que presenciei pessoalmente.

Enfim há muito mais a ser dito. Todavia, é melhor que o seja à medida que novos argumentos cheguem para o debate. O essencial — e é isso que gostaria que as pessoas entendessem — é que se faz absolutamente imperioso analisar o tema em sua amplitude e complexidade, única forma de evitar os julgamentos de valor ridículos e inócuos, que têm sido a tônica no país, sobretudo na imprensa.

A praga dos partos cesarianos

O Brasil é um dos campeões em cesarianas desnecessárias, segundo a Organização Mundial da Saúde. Os bebês nascidos através de cesarianas precisam ser levados às unidades de terapia intensiva duas vezes mais freqüentemente do que os que nasceram de parto normal. Os bebês de cesarianas apresentam também duas vezes mais problemas respiratórios do que os de parto natural.

Assim começa a matéria sobre um estudo realizado na Noruega, com 18 mil recém-nascidos, que passa a constituir mais uma prova do que todos já sabemos ou deveríamos saber: o parto normal é muito melhor para a saúde do bebê e da própria mãe.
A despeito desse fato sabido e ressabido, existe uma nítida tendência entre os médicos de preferir as cirurgias. Os motivos são indecentes: a comodidade e a conveniência do profissional. No primeiro caso, a cesariana permite que o parto tenha data e hora certas, inclusive para acabar, se não ocorrer nenhuma anormalidade. Já o parto normal pode demorar horas — em casos excepcionais, dias. E os semideuses de branco não podem perder seu preciosíssimo tempo com questões menores do que a sua permanente e incontrolável pressa. No segundo caso, o médico recebe honorários mais altos pela cesariana.
Com ou sem influência médica, mas sem dúvida abusando do direito à desinformação, é cada vez maior o número de mulheres que efetivamente preferem o método antinatural. Não querem sentir dor, alegam. A explicação também revela ignorância, posto que os sofrimentos do parto normal podem ser mitigados pelo chamado de parto humanizado, acessível inclusive na rede pública, com destaque aos bons serviços prestados pela Santa Casa de Misericórdia.
Dentre as mulheres que conheço, mesmo as instruídas (por incrível que pareça), é cada vez menor o número das que preferem o parto normal. Fico arrasado quando uma delas, por problemas na gestação, acaba sendo forçada à cesariana, o que aconteceu há menos de duas semanas com minha concunhada.
Enfim, por safadeza, ignorância e inversão de valores, o Brasil é recordista mundial de cesarianas desnecessárias, conjuntura que precisa ser mudada — mudança essa que não ocorrerá enquanto os governos e planos de saúde não passarem a pagar honorários médicos mais altos por partos normais.
Como realmente sou franco opositor do parto cesariano, voltarei a esse assunto em outras ocasiões. E antes que a turminha que gosta de jogar pedras venha me esculachar, usando — dentre outros argumentos imbecis — o de que sou homem e para mim é fácil falar, saibam que minha esposa, grávida, é entusiasta do parto normal e reza todos os dias para que o nosso bebê venha ao mundo dessa forma.

Ervinha inocente

Maconha causa mais câncer que cigarro, diz estudo (Fonte: Reuters)
Fumar um cigarro de maconha equivale a um maço de cigarros de tabaco em termos de risco de câncer de pulmão, disseram cientistas da Nova Zelândia, alertando para uma "epidemia" de câncer de pulmão associada à maconha. Estudos já haviam demonstrado que a maconha causa câncer, mas poucos estabeleceram um vínculo forte entre o uso da droga e o real incidência do câncer de pulmão.

Em artigo publicado na revista European Respiratory Journal, os cientistas disseram que a maconha lesa mais as vias aéreas porque sua fumaça contém o dobro de substâncias cancerígenas, como os hidrocarbonetos poliaromáticos, em relação aos cigarros de tabaco.
Também a forma de consumo aumenta o risco, já que os "baseados" são normalmente fumados sem um filtro adequado e até a ponta, o que aumenta a quantidade de fumaça inalada. O fumante de maconha traga mais longa e profundamente, o que facilita o depósito das substâncias cancerígenas nas vias aéreas.
"Os fumantes de maconha terminam com cinco vezes mais monóxido de carbono na corrente sanguínea do que os tabagistas", disse por telefone o coordenador do estudo, Richard Beasley, do Instituto de Pesquisa Médica da Nova Zelândia.
"Há concentrações mais altas de substâncias cancerígenas na fumaça de maconha. O que nos intriga é que haja tão pouco trabalho feito a respeito da maconha e tanto trabalho sobre o tabaco."
Os pesquisadores entrevistaram 79 pacientes de câncer de pulmão, na tentativa de identificar os principais fatores contribuintes, como tabagismo, histórico familiar e ocupação. Os pacientes responderam sobre o consumo de álcool e maconha.
Neste grupo de alta exposição, o risco de câncer de pulmão cresceu 5,7 vezes para pacientes que fumaram mais de um "baseado" por dia durante dez anos, ou dois "baseados" por dia durante 5 anos - isso já levando em conta outras variáveis, como o tabagismo.
"Embora nosso estudo abranja um grupo relativamente pequeno, mostra claramente que o consumo de maconha por longo prazo aumenta o risco de câncer de pulmão", escreveu Beaseley. "O uso da maconha já pode ser responsável por um em cada 20 casos de câncer de pulmão diagnosticados na Nova Zelândia", acrescentou ele.
"No futuro próximo, podemos ver uma “epidemia” de câncer de pulmão ligado a esta nova substancia cancerígena. E o risco futuro provavelmente se aplica a muitos outros países, onde o crescente uso da maconha entre os jovens adultos e adolescentes está se tornando um grave problema de saúde pública."

Noticiazinha para aqueles caras do bem, modernos e independentes, que dizem que um matinho natural não pode fazer mal e que param quando quiserem.

CTBel em festa

Está previsto para depois de amanhã, quinta-feira, o anúncio pelo Ministro da Justiça, Tarso Genro, de um reajuste na tabela das multas de trânsito, que ficarão cerca de 60% mais caras. A medida foi decidida porque há oito anos não havia reajustes e, declaradamente, para coibir condutas que têm mantido elevados os índices de acidentes no país, especialmente os que acarretam lesões graves, incapacitações e mortes.
As infrações gravíssimas acarretarão multas superiores a novecentos reais.
Pessoalmente, considero a legislação de trânsito brasileira até branda. Há países em que um único avanço de sinal acarreta perda da habilitação, com direito a reavê-la após alguns meses, se o interessado fizer um curso de reciclagem (e sem cara feia). Aqui, o gosto pelo perigo, pela irresponsabilidade e pelo menosprezo ao semelhante, além da corrupção, precisam ser coibidos por instrumentos mais enérgicos e eficientes.
O problema é que, em vez disso, só se quer multar e, o mais das vezes, sem critério algum. Pelo menos, assim é em Belém do Pará. Resultado? O efeito supostamente educativo da multa desaparece e o infrator, sentindo-se prejudicado pelo poder público, não muda a sua conduta e ainda sente prazer em desafiar a autoridade.
Aí morre mais gente, num interminável círculo vicioso.

Couvade

"A aventura de criar os filhos em conjunto — que nós, como cultura, estamos tentando implementar — será um ideal inatingível enquanto não começarmos a encarar também a gravidez, e não apenas a criação dos filhos, como um encargo em comum. Um mundo que acolhe a futura mãe e despreza o não tão visível futuro pai, o expulsa sem perceber para fora do quadro desde o início. E muitas vezes ele permanece lá, como um estranho hesitante em suas tentativas de tomar parte da gravidez e, mais tarde, de cuidar do filho recém-nascido."

"Os garotos sem pai, demasiadamente dependentes das mães e ao mesmo tempo com uma necessidade desesperada de aceitação e aprovação masculinas, são levados a comportamentos masculinos compulsivos, exagerados e de compensação excessiva. Nos Estados Unidos, 60% dos estupradores, 72% dos assassinos adolescentes e 70% dos presidiários que cumprem sentenças de longa duração foram criados sem pai."

"Na era 'esclarecida' de hoje, nós criamos os meninos para aspirar à riqueza, ao sucesso e ao poder no mundo dos negócios ou a deixar sua marca na comunidade profissional, em vez de ser criativos e emocionalmente presentes como pais, amigos e amantes. Enquanto as meninas podem brincar de casinha, ninar bonecas e ensaiar ser mães, a maioria dos meninos continua representando papeis masculinos tradicionais com jogos eletrônicos de combate, competições, armas de todos os tamanhos e formatos e uma quantidade infindável de parafernália esportiva. (E quando o menino não se inclina a essas atividades, nós nos preocupamos com sua identidade sexual.)"

"Os pais exercem um efeito profundo e duradouro sobre o desenvolvimento dos bebês. A criança cujo pai se envolveu ativamente em sua criação tende a desenvolver melhor seus dons criativos, intelectuais e sociais, a ser menos vulnerável a problemas psicológicos e a firmar uma imagem positiva do corpo, segurança do próprio sexo, auto-estima e forma moral."
Dr. Jack Heinowitz
Pais grávidos: a experiência da gravidez do ponto de vista dos maridos.
São Paulo: Cultrix, 2005, pp. 23, 24, 25 e 27, 32

PS — "A palavra couvade deriva do francês couver — 'incubar', 'chocar' — e significa o envolvimento do homem com o filho que está para nascer." (p. 66)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Tô pagando pra ver

A Secretaria Municipal de Urbanismo (Seurb) prepara uma grande operação noturna que atingirá principalmente bares e restaurantes que não respeitam o Código Municipal de Posturas. Mesas e cadeiras que estiverem atrapalhando o passeio público serão confiscadas.
(Repórter Diário, hoje)

Nem vou comentar. Vou só esperar.

Eterno em mim

O título desta postagem corresponde a uma canção de Caetano Veloso, que conheço gravada por Maria Bethania, cujo mote é:

Não há nada no mundo que possa fazer
Eu deixar de cantar
ou deixar de gostar de você


Escutava esta canção na manhã deste domingo e me remeti diretamente às emoções vividas nos dias 18 e 25 deste mês, correspondentes à colação de grau de uma de minhas turmas mais queridas. Apesar da demora, obviamente eu não deixaria de registrar aqui a minha felicidade, o meu orgulho, o meu júbilo pela ocasião.
Impressionante reunião de pessoas encantadoras, valorizadoras da amizade e com singulares princípios, bem além do que habitualmente se vê entre os jovens, foi uma das convivências mais enriquecedoras de minha experiência docente — o que seguirá comigo eternamente, sem que nada no mundo possa apagar ou diluir.
Fica aqui, então, a lembrança do momento em que me convocaram a receber a homenagem, no dia do baile...




...das palavras que lhes dediquei na condição de paraninfo...



...e uma pose final, com parte da turma, no dia da solenidade, que marcou o fim deste ciclo.




Peço encarecidamente, meus queridos, que guardem as minhas palavras finais. Vocês podem estar em qualquer lugar, fazendo as coisas grandiosas e belas que certamente farão, mas, por favor, não nos deixem na saudade.
Deus os abençoe, sucesso sempre, felicidades plenas.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Trepidando

A gravidez de minha esposa me fez atentar mais nitidamente para algo que sempre soube, porque dirijo diariamente, mas que me passava batido. Belém não é apenas uma cidade de buracos — sejamos justos, nesse quesito já vivemos dias piores, não é, Hélio Gueiros? O asfalto de Belém é ruim por conta das deformações provocadas por instabilidades do solo e consertos mal executados. Resultado: uma insuportável trepidação, por toda parte, inclusive nas vias mais importantes da cidade.
Av. Magalhães Barata, especialmente entre 9 de Janeiro e Castelo, à direita; 14 de Março; quaisquer ruas do Reduto; Castelo, em praticamente toda a sua extensão. Perimetral e Caripunas, então, nem se fala.
A trepidação excessiva é ruim para nossos humildes carros de passeio. Maltrata a suspensão e, com o tempo, folgas nos encaixes podem provocar os chamados "grilos", aqueles barulhinhos estranhos que irritam qualquer um.
Mas ruim, mesmo, é para pessoas em condições especiais, como as grávidas. Ou pessoas que tenham feito cirurgias abdominais e sintam dores na região. O infeliz sai do hospital e entra num automóvel comum. Lá vai o coitado chacoalhando, entre dores!
Mas se não conseguimos resolver problemas ainda mais escandalosos, um asfalto lisinho já é muito abuso meu, não?

Assim como são os animais...

...também são as criaturas. Mais uma vez, constato que eu sou bastante antiquado, aliás graças a Deus.
Navegando pela internet, encontrei um blog cuja apresentação é a seguinte:

Caros amigos(as),
Esta mensagem explica claramente sobre o Blog.
Acima de tudo, somos amigos dos animais: Respeitamos todos e qualquer animal.
Sexo entre os animais e os seres humanos é muito bom para ambos, desde que o animal esteja CONSENTINDO!!!. Se o animal não está desfrutando do sexo, você está cometendo estupro. E isso somos totalmente contra.
A zoofilia não é antiético desde que não haja dano ou crueldade contra o animal.
Zoofilia não é crime.
A pratica de Zoofilia não é coisa de doentes, nem de pervertidos e sim de pessoas que amam seus animais.
Equipe Rede Zoo

Quero deixar bastante claro que eu amo os meus cães do modo mais tradicional e careta possível. Se me escutarem falando a respeito, já sabem.


Como sei que me perguntarão, chega-se ao bizarro blog clicando aqui. Mas vá por sua conta e risco, pois há imagens explícitas. E, por favor, nada de menores de 18 anos xeretando.

Deus do céu...

Chimpanzé não é gente

O Poder Judiciário da Áustria concluiu: um chimpanzé não pode ser considerado um ser humano.
Antes de ridicularizar a decisão, conheça os seus meandros clicando aqui. E saiba que, há anos, ativistas da causa dos animais vêm tentando estreitar os laços genéticos entre primatas e seres humanos, a fim de livrá-los da condição de cobaias em pesquisas científicas. Trata-se de criar um fato, para mudar algo no mundo.
É algo que pede, ao menos, alguma reflexão, depois que o Projeto Genoma provou que as diferenças entre humanos e chimpanzés ocorrem em apenas 2% dos genes.

Perguntas que não querem calar

Camelôs só aceitam ser remanejados para um local dotado de "infraestrutura", especialmente banheiros, e que disponham de "atrativos" para os consumidores, além de lhes garantir "conforto". Pergunto:
— Qual é a infraestrutura de vendas a céu aberto que existe na Presidente Vargas?
— Onde fica o banheiro da Presidente Vargas? (medo...)
— O que são "atrativos" para consumidores de bugigangas?
— Que conforto alguém, seja lá quem for, pode sentir passando pela Presidente Vargas, do jeito que ela é?
As respostas a estes questionamentos podem me ajudar a...
Pensando bem, não ajudam, não.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Menos de 6%

No último dia 3, publiquei a postagem Saída temporária natalina, versando sobre a expectativa da Superintendência do Sistema Penal, no Pará, quanto ao retorno às suas respectivas instituições dos condenados beneficiados pelo polêmico benefício. Polêmico porque a população em geral, propositalmente manipulada pela imprensa irresponsável, rejeita que um condenado possa voltar ao convívio social, por alguns dias, como instrumento de ressocialização. As pessoas querem mais é que continue no fundo de uma masmorra e quanto mais medieval melhor. Tanto que basta eu escrever sobre este tema, aparece algum anônimo me esculachando.
Como nossas autoridades são péssimas no dever de informar o cidadão, somente agora, com muito atraso, tomei conhecimento do resultado dos benefícios de 2007. E, o que é pior, pela imprensa comum. A nota do Repórter 70 de hoje informa:

Dezessete dos 294 presidiários do Pará que foram beneficiados com a licença para passar o Natal com a família não voltaram às cadeias. Treze eram da Colônia Heleno Fragoso, onde gozavam de regime semi-aberto de prisão e por isso já estão sendo procurados como foragidos. Há, entre os 294, uma mulher, do Centro de Recuperação Feminino. O número de fugitivos, porém, está abaixo da média nacional, que é de 8%.

Como se vê, dos 294 presos beneficiados, apenas 17 deixaram de retornar espontaneamente à penitenciária e agora são foragidos. O percentual é de 5,78% — o que, numa leitura desapaixonada, permite que se conclua pelo sucesso da iniciativa, que era justamente o que venho afirmando. O foco não pode ser nessa minoria, e sim nos 94,22% que, com os próprios pés, retornaram a suas celas e mostraram senso de responsabilidade, submissão à lei e um interesse, até prova em contrário sincero, de em futuro próximo retornar à sociedade sem mais dever. Foquemos nos 92% de êxito do benefício, em todo o país.
Certamente aparecerá gente com a velha conversa: os 17 que não retornaram estão nas ruas para roubar, matar, etc. Seria leviano de minha parte negar que a afirmação tem lógica. Mas a evasão deles demonstra que, para eles, a ressocialização não se operou — e nem se teria operado se cumprissem a pena até o final, sem qualquer benesse. Mas a exceção confirma a regra e, a meu ver, está bastante claro que o ano de 2007 deu nova prova de que os benefícios de execução penal continuam sendo um grande caminho para que esse malsinado sistema possa proporcionar um mínimo dos resultados que dele se espera.

Menos câncer

Graças à pílula, 100 mil mortes por câncer de ovário foram evitadasA pílula contraceptiva permitiu a prevenção de 100.000 mortes de câncer de ovário no mundo desde sua introdução, há quase meio século, afirmou um estudo a ser publicado na edição de sábado do semanário médico britânico The Lancet. Para chegar a esta estimativa, o professor Valerie Beral (Oxford, Reino Unido) e seus colegas de um grupo de colaboradores destinado a estudar este tipo de câncer analisaram, numa primeira etapa, 45 estudos epidemiológicos sobre o câncer ovariano oriundos de 21 países. Estas pesquisas prévias incluíam 23.257 mulheres atingidas pelo câncer ovariano e 87.303 sadias. "Durante as próximas décadas, pelo menos 30.000 casos suplementares de câncer ovariano provavelmente serão evitados por ano em razão da utilização da pílula em 2002, dos quais 80 milhões em países em desenvolvimento", acrescentam os autores. (AFP)

Enquanto isso, o Vaticano continua maldizendo o uso de quaisquer métodos contraceptivos — exceto a abstinência sexual —, que seriam contra a vontade de Deus. Ainda não me convenci de que Deus seja contra o planejamento familiar e a redução de doenças.
Mas quem sou eu, né?

Educa-te ou... Sibéria!

No Brasil, a Constituição de 1988 proibiu penas criminais que afetem a cidadania. Por isso, são terminantemente proibidos o banimento, o degredo e o desterro, práticas comuns no passado e que, em geral, tinham caráter definitivo.
Na Alemanha não é bem assim. Aquele país vem adotando uma bizarra forma de tratar os adolescentes que se mostrem avessos às medidas tradicionais de reeducação. Ou o sujeito se enquadra ou ganha uma temporada na Sibéria. Sim, aquele pedaço de mundo onde as temperaturas caem a 55 graus negativos. O indivíduo é mandado para um lugarzinho chamado Sedelnikovo, região pobre onde não se encontram bens de consumo. O camarada precisa usar as próprias forças para arrumar abrigo e alimentos. Enfim, para sobreviver. E isso não é encarado como punição, mas como uma "experiência educacional".
Os custos também são apontados como vantagem nesse método. Afinal, os nove meses no gelo, com supervisão das autoridades alemãs, custaram 150 euros (cerca de R$ 393) por dia, estimado como um terço do que custaria manter o rapaz em estabelecimento especializado na Alemanha.
Sei que muita gente lerá isto e adorará. Muitos pensarão em variantes nos lugares mais inóspitos neste país continental. Fiquem cientes, portanto, que lá no primeiro mundo a iniciativa está longe de ser uma unanimidade. A controvérsia está aberta.

Inveja larga e profunda

Há apenas doze dias publiquei a postagem Sua amiga, a cratera. Naquele momento, não tinha ideia de que o problema era ainda maior do que eu pensava. Afinal, a inveja é mesmo uma mercadoria frequente.
Acontece que a nossa amiga cratera da esquina do Yamada Plaza tem uma rival, logo ali, atravessando a 14 de Abril. Decerto incomodada com as atenções que a primeira recebeu há poucos dias, esta segunda deu o ar de sua graça. Ontem, passando pelo local, lá estava o buracão aberto, imenso, exigindo os esforços da mui diligente e capaz COSANPA.
Desta vez, minha esposa sugeriu que colocassem um zíper, para facilitar abertura e fechamento. De minha parte, continuo achando que deveríamos explorar o turismo nessas cavernas. Com duas, dá para montar uma expedição. Já pensou? Arqueólogos procurando, lá nas profundezas, algum vestígio de vergonha na cara de nossos governantes?
Será que encontrariam?

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Gente fina

Toda vez que o Sindicato dos Rodoviários faz uma eleição, a cidade inteira fica sabendo. Vias interditadas, engarrafamentos, pancadaria pública, ameaças, gritaria, palavrões. Um exemplo de questão interna que se torna um problema concreto para toda a cidade. Inclusive porque os ônibus, em vez de servirem aos usuários, são levados para montar as barricadas nas ruas. Os empresários, como sempre muito solícitos, não se importam em ter seu patrimônio depredado, em nome dos interesses da catiguria profissional.
E assim vivemos mais um dia típico de Belém do Pará. Nenhuma novidade. Nenhuma mesmo.

Estranha cultura

A cena se deu em um edifício residencial, faz tempo. Quatro pessoas, todas visitantes no local, aguardavam o elevador. Eram três jovens estudantes e um senhor, que conheciam da faculdade e que exercia um elevado cargo público. Quando o elevador chegou, um dos jovens segurou o braço de um dos amigos:
— Deixe o [disse o nome do cargo; tanto faz, podia ser qualquer um] entrar primeiro — disse, com reverência na voz.
A cena poderia repetir-se hoje em dia, sem alterações. Isto porque existe uma cultura de submissão à autoridade entranhada no imaginário popular que, segundo penso, é um dos motivos pelos quais este país permanece imerso nas sombras. Afinal, como pode um povo desenvolver-se se as pessoas, espontaneamente, não se veem como iguais?
A turma de cima faz questão de agir como se vivêssemos numa sociedade estamental, daí as famosas carteiradas e o sabe-com-quem-está-falando. O curioso é como as pessoas de fora do inner circle interiorizam os pseudovalores de alto e baixo e, por conta própria, agem como inferiores, comportam-se de modo submisso, nas mais variadas situações. Por que razão o fulano lá, tão visitante quanto os demais, teria preferência no elevador? Ou a ser atendido numa loja ou posto de gasolina? Ou a se sentar na melhor cadeira?
Galo é galo em qualquer lugar, mas fora do galinheiro não adianta cantar. Quem manda na cozinha é a cozinheira que, com uma faca na mão, pode mudar a história do penoso. Portanto, o melhor a fazer é reconhecer que cada pessoa tem o seu valor e as suas prerrogativas, oriundas primeiro da humanidade, depois da cidadania, da idade ou de quaisquer outros fatores. Inclusive o exercício de algum poder temporal. Mas ninguém precisa ser adorado por isso.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Agora dá!!

Eu ficava arrasado por não poder realizar o sonho da maioria das crianças do mundo. O motivo era degradante: não dispor de 20 milhões de dólares sobrando. Mas agora, finalmente, a coisa vai. Por um precinho desses...

Arque com a cirurgia

Há coisas que parecem óbvias mas, mesmo assim, muitos espertinhos tentam se fazer de desentendidos. A Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil — CASSI, p. ex., que acabou de ser condenada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, confirmando decisão de primeiro grau, a suportar os custos de uma cirurgia para redução de estômago, para um obeso mórbido.
Quaisquer que sejam as filigranas em que o plano de saúde deseje se agarrar, é preciso que se tenha em mente que a obesidade mórbida é sempre um fator de risco elevado, para a saúde e para a própria vida do indivíduo. Não é coisa que se pode esperar, tendo em vista que a qualquer momento o paciente pode sofrer algum mal súbito e, quiçá, irreparável.
Por isso, senhores planos, deixem de graça. Arquem com os ônus da atividade econômica escolhida.

Pensata

Enxugar gelo, dar banho em pato, negociar com camelô para que ele vá para lugar diverso do que ele mesmo escolheu... Como o ser humano gosta de perder tempo!

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Adolescente algemado há 48 dias

Mais uma para o panorama de abusos do Estado contra jovens acusados de crimes.
Um rapaz de 17 anos, acusado de porte ilegal de arma após um tiroteio no Recife, foi baleado e por isso levado a um hospital. Para evitar a fuga, foi algemado. As algemas não são retiradas em momento algum, criando um constrangimento físico e psíquico bem intenso. Não sei como eu suportaria.
Mas como o rapaz, que alega inocência, não foi abusado sexualmente e muito menos o caso se deu no Pará, não sei dizer se está sendo considerado violação aos direitos humanos. Saiba mais aqui.
Os gaúchos responderam em 24 horas. Vamos ver se os pernambucanos são tão rápidos quanto.

Cinema nacional no Oscar

Ontem: "Filme brasileiro chega forte à reta final do Oscar"
Hoje: "O filme brasileiro 'O ano em que meus pais saíram de férias' ficou fora da disputa de melhor filme em língua estrangeira."

A mídia global continua ufanista, mas na prática a teoria é diferente. Hoje, com o anúncio oficial dos candidatos ao Oscar 2008, sacramentou-se mais uma decepção para quem, como eu, se importa com o sucesso do cinema nacional. Nosso pré-candidato não conseguiu chegar à reta final. É o caso de nos perguntarmos por quê.
Não é por falta de talento que nossas obras cinematográficas ficam de fora da mais badalada premiação do gênero — badalada, porque importante e merecedora de credibilidade é o Festival de Cannes, como todos sabemos. Temos excelentes roteiristas, atores, diretores e pessoal técnico. Se não vamos além é porque falta dinheiro, mesmo, para investir em aspectos técnicos, que são caríssimos. Até hoje, há filmes que não consigo entender completamente, porque o som é sofrível. E não estamos falando de efeitos sonoros do arco da velha, mas sim do simples som da voz do ator.
A falta de recursos dificulta, sobretudo, a divulgação dos filmes. Enquanto os grandes estúdios gastam fábulas milionárias para promover seus títulos, mesmo os péssimos, os produtores brasileiros vivem de pires na mão para conseguir botar uma meia dúzia de cópias nas salas americanas e europeias. Elementar, meu caro: quanto menor e mais localizado o público, menores as chances de a obra acabar premiada. Isso não tem nada a ver com talento, e sim com o problema de sempre, o vil metal.
Cao Hamburger, diretor de O ano em que meus pais saíram de férias, disfarça mal o desapontamento. E promete continuar trabalhando. É o que ele e todos os da área devem continuar fazendo: trabalhando duro, para que o reconhecimento internacional venha, num futuro próximo. Há merecimento para isso.

Sem um voto sequer

No Brasil, há dois tipos de eleição: as majoritárias, para presidente da República, governadores de Estado, prefeitos e senadores, e as proporcionais, para deputados federais e estaduais, além dos vereadores. O cidadão comum pensa que os senadores sofrem eleição proporcional, por achar que as majoritárias se referem apenas aos mandatos do Poder Executivo.
Há diferenças de procedimentos. Os chefes dos Poderes Executivos são eleitos em sufrágio majoritário juntamente com um vice. Em suas ausências ou impedimentos, são substituídos por esse vice. Em caso de renúncia, cassação ou morte, o vice assume o mandato em definitivo, pelo tempo que restar. Não havendo um vice para assumir, o cargo é declarado vago, convocando-se os substitutos interinos previstos nas Constituições federal e estaduais e nas leis orgânicas municipais, os quais são obrigados a convocar novas eleições — o que comprova que os cargos estão, de fato e de direito, acéfalos, sem um titular com o respaldo do voto popular. Afinal, o presidente da Câmara dos Deputados (primeiro a ser chamado a exercer interinamente a presidência da República nesses casos) foi eleito para ser deputado e não para governar a Nação.
No caso das eleições proporcionais, os parlamentares são substituídos por seus suplentes. Não se justifica, assim, que um senador seja substituído por seu suplente, posto que sua eleição atendeu a critérios distintos. O correto seria convocar o segundo candidato mais votado ou, se temos dinheiro para gastar e tempo a perder, convocar-se novas eleições, o que não me parece sensato.
Esta é mais uma das imensas distorções do famigerado sistema político-eleitoral brasileiro. Ela explica o fato de o agora Ministro das Minas e Energia Edison Lobão ser substituído, no Senado, por seu filho, acusado de diversas malvadezas com a coisa pública. Como também explicou ACM ter sido igualmente substituído por um filho e Joaquim Roriz, por um comparsa.
Deixe chegar as próximas eleições federais e, mesmo no maior calor da campanha, pergunte a qualquer pessoa quem é o suplente de seu candidato a senador. Já lhe antecipo a resposta: ninguém saberá dizer. Mesmo que a Justiça Eleitoral obrigue a divulgação dessa informação, ninguém dá a mínima para ela. Consequência: o suplente de senador não recebe um voto sequer e, por conseguinte, não tem legitimidade para exercer um mandato político, ainda mais o principal mandato parlamentar do país.
Isso é coisa que somente se explica pela lógica de fazer da coisa pública uma ação entre amigos. Os Lobões da vida (nome apropriado...) agradecem.

Aplaudindo no lugar errado

O caso foi mais ou menos assim: o advogado de defesa não gostou da linha desenvolvida pelo promotor de justiça durante um julgamento perante o tribunal do júri e, para assinalar sua irresignação, começou a bater palmas. O promotor, então, bem ao gosto das otoridades, deu-lhe voz de prisão. Ato contínuo, o advogado deu voz de prisão ao promotor.
O tumultuado julgamento ocorreu em Guarulhos e provou, mais uma vez, que a isonomia entre as partes, no processo penal, continua sendo a falácia de sempre. O advogado fez uma ocorrência policial contra o promotor, mas quem acabou réu foi ele. Seu crime: desacato, claro.
Mesmo tendo impetrado habeas corpus, decisão do STF garante que o caro colega continuará réu em ação penal. Pessoalmente, entendo que assim como o promotor não deve ser processado por chamar o réu de "facínora", "monstro" e outros qualificativos, que às vezes estende ao defensor, também este deve ser poupado em função das estratégias que adote em plenário, mesmo quando um tanto quanto antipáticas.
A não ser assim, continuará o Ministério Público com todos os poderes e mantendo sua tradicional relação de chamego com o Judiciário, ao passo que o advogado acaba excluído do cenário, como se fosse um personagem secundário e não um elemento "essencial à administração da Justiça", como expressamente consignado no art. 133 da Constituição de 1988.
Alguém sabe dizer o que a OAB paulista achou desse caso?

Sistema penitenciário: fiscalização mensal obrigatória

Judiciário passa a fiscalizar mensalmente situação nas cadeias e penitenciárias de todo o País


Sexta, 11 de Janeiro de 2008
O Judiciário passa a fazer este ano inspeções mensais nos presídios, atendendo a resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no final de dezembro e que já está em vigor. Com a iniciativa, o CNJ pretende combater situações como a da menor que ficou presa com homens no interior do Pará no ano passado.
A resolução, de número 47, determina que os juízes de execução criminal devem realizar pessoalmente inspeção mensal nos estabelecimentos penais sob sua responsabilidade e "tomar providências para seu adequado funcionamento, promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade".
O documento estabelece também que o juiz deverá elaborar relatório mensal sobre as condições do estabelecimento, a ser enviado à corregedoria de justiça do respectivo tribunal. E ainda determina que os juízes devem compor e instalar, em suas respectivas comarcas, o Conselho da Comunidade, na forma da lei 7210/84.
A lei estabelece que o conselho deve ser formado por representantes da comunidade, como comerciantes, advogados e assistentes sociais e também tem o dever de visitar pelo menos mensalmente os estabelecimentos penais existentes na comarca, entrevistar presos e apresentar relatórios ao juiz da execução e ao Conselho Penitenciário, entre outras atividades.
De acordo com a presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, a Resolução 47 regulamenta e fiscaliza as vistorias previstas na Constituição, "que não estão sendo cumpridas", disse. A Resolução foi publicada no Diário da Justiça no dia 21 de dezembro de 2007.

Notícia oficial do Conselho Nacional de Justiça. Clicando aqui, você acessa o original, onde há um link para o texto da Resolução 47.

Tirando a casquinha

Vai ser de dar nojo a exploração política da desocupação da Avenida Presidente Vargas. O sedizente prefeito pretende se esconder atrás da Justiça Federal, para não sofrer o ônus da decisão de retirar os camelôs, mas chamará a si os louros se a via realmente ficar livre. Mas não é só ele. De olho nas eleições municipais, há vereadores, inclusive o já sabido candidato à prefeitura Zeca Pirão (não me conformo com essa alcunha...), aproveitando o evento.
Fica complicado saber o que está acontecendo de fato apenas pela imprensa, já que esta é um dos piores veículos de informação do cidadão. Mas se houver qualquer tipo de instigação aos camelôs, já será uma postura assaz irresponsável. Afinal, ao tomar posse, o vereador jura defender a Constituição e demais leis vigentes no país, donde decorre, obviamente, o dever de respeitar a legislação urbanística e, até mesmo, a competência do Poder Executivo para disciplinar o uso do espaço urbano.
Outrossim, os camelôs já deram mostras de disposição para violência, contra quem for. Portanto, o mínimo que se espera de uma autoridade responsável é que some seus esforços para garantir a tranquilidade pública. De se lembrar que, embora interessados diretos na questão, os lojistas da Presidente Vargas e entorno não têm nenhum envolvimento no caso e já vêm sendo penalizados desde que os tumultos começaram. Pondere-se que nem todos são ricos, eis que por ali existem muitas portinhas, pequenos comércios que no máximo garantem a subsistência de seus donos. E, por fim, há os funcionários, que dependem de seus salários e estes, das vendas que têm sido impedidas.
Por conseguinte, se for para usar o famoso discurso da necessidade, dos efeitos sociais, etc., recorde-se que não apenas os camelôs comem, mas também todo um universo de trabalhadores que, agora, vão para o trabalho todo dia sem saber, sequer, se correrão riscos pessoais.
Quanto vale isso na campanha iminente?

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Não falta dinheiro para pesquisa... na Suécia

Qual o impacto das flatulências das vacas sobre o aquecimento global? Acha irrelevante? Pois há o equivalente a um milhão de reais disponível para essa pesquisa. E é sério.

domingo, 20 de janeiro de 2008

"Talvez haja uma esperança"

"Se sou culpado, meu crime é ousar acreditar que a verdade vira à tona e que ninguém consegue mentir para sempre. Ainda acredito nisso. Por mais que tentem enterrá-la, a verdade está lá fora. Maior do que suas mentiras. A verdade quer ser conhecida."


Esta não é uma continuação da postagem anterior, apesar de uma certa semelhança de temas. As palavras acima não foram ditas por nenhum líder de qualquer um dos ativismos sociais já registrados pela História. Não é o desabafo de um mártir acerca das mentiras e crimes de pessoas extraordinariamente poderosas, crueis e invencíveis. Pelo menos, não da vida real. Mesmo assim, o discurso acima foi acompanhado por milhões de pessoas no dia 19 de maio de 2002, quando a emissora de TV americana Fox exibiu o último episódio do aclamado seriado Arquivo X. Obviamente, são palavras de Fox Mulder, ao perder sua última batalha para os conspiradores de seu próprio governo.
Arquivo X é uma das cabeças de lista dos seriados cult. Merecidamente. Projeto genial do dramaturgo Chris Carter, teve um começo meio morno em 1993, mas os temas sombrios — paranormalidade, mutações genéticas, experiências espirituais e, claro, os alienígenas —, além da premissa de que o governo americano era capaz de tudo para garantir a sobrevivência de um grupinho de poderosos, ainda que ao custo da vida de toda a humanidade, garantiram que se tornasse uma febre nos anos 1990, um sucesso absoluto de público e crítica. Como todo produto midiático, teve seus altos e baixos, evidentemente (considero a primeira temporada fraquinha), mas sem dúvida que é uma das maiores obras da TV, de todos os tempos. Rendeu nove temporadas e um longa metragem. Um segundo longametragem está sendo rodado no Canadá, a partir de um acordo feito pelo estúdio com os roteiristas em greve há meses, com previsão de lançamento para 2009 (foto ao lado). Os incontáveis fãs da série agradecem.
Até ontem, fui um fã anômalo. Isto porque assisti a bem poucos episódios, quando exibidos pela TV aberta, há anos. Adorava os temas e por isso me considerava um excer, mas sabia não ter autoridade para falar do assunto. Ontem, depois de mais ou menos três anos, assisti ao último episódio do seriado. Explico: como se espera de um fã, comprei as caixas de DVD, a coleção integral, naquela belíssima edição de colecionador. E ontem terminei a minha empreitada. Agora posso ser um fã de verdade, com conhecimento de causa.
Evidentemente, não falarei sobre "A verdade", nome do episódio final. Posso dizer, no máximo, que é muito coerente com o espírito lúgubre e desesperançado do seriado. Você fica meio deprimido quando termina. Mas, como diz Mulder, na última frase ouvida pelos excers, talvez haja uma esperança.
Não sei se há esperança para o mundo. Mas o dia 22 de dezembro de 2012 ainda está longe, por isso dá tempo de viver e ser feliz. Boa sorte.

A página infeliz não foi virada

TORTURA
Proposta tramita há 12 anos
Projeto permite punir militares

Por pressão das Forças Armadas, está parado há 12 anos no Congresso projeto que pode abrir brecha para punir os militares responsáveis por torturas e mortes durante a ditadura. O texto da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, da qual o Brasil é signatário, está pronto para ser votado no plenário da Câmara desde outubro de 1995, mas é sempre retirado da pauta. Se aprovado, o governo terá que se comprometer a não ser responsável pelo desaparecimento de pessoas, nem permitir ou tolerar que o fato ocorra, mesmo em estado de emergência, exceção ou suspensão de garantias individuais. Para militantes de direitos humanos, o texto pode significar uma “revogação” da Lei de Anistia, que impede julgamento de militares que atuaram naquele período. O projeto de decreto legislativo, enviado em 1994 pelo então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, no governo Itamar Franco, prevê “punir os autores, cúmplices e encobridores do delito do desaparecimento forçado de pessoas”. “A resistência em se aprovar o texto da Convenção é uma demonstração de receio dos militares. Se aprovada, vai abrir uma nova etapa no país, com a possibilidade de se julgar aqueles militares que cometeram atrocidades no passado”, disse o advogado Augustino Veit, ex-presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça. No Congresso, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), porta-voz dos militares na Câmara, está à frente da tentativa de impedir a aprovação da convenção. (BRASÍLIA-DF - AG)

Chico Buarque, em sua famosíssima Vai passar, cantava "num tempo / página infeliz da nossa história...", referindo-se à nefasta ditadura militar. Desgraçadamente, a tal página infeliz está longe de ser virada, como demonstra a notícia acima. Os assassinos covardes de um passado recente continuam tendo força suficiente para usar as instituições nacionais a seu favor, garantindo a impunidade de seus muitos, tétricos e imperdoáveis crimes. Uma vergonha que precisa ser denunciada, a fim de que se saiba, se não a verdade, ao menos o encobrimento dela.
Há poucos dias, o Judiciário determinou novamente ao governo federal que torne públicos os arquivos sobre esses crimes políticos. Já se sabe o que vai acontecer: por todo o país, mais e mais documentos serão destruídos, como ocorreu no primeiro mandato de Lula, assim que se cogitou a possibilidade dessa divulgação. E ninguém será punido.
Se assim for, a página infeliz de nossa história jamais será virada, porque o drama não terá um fechamento. E a ferida que não fecha dói para sempre.

Feira "livre"

Você pode não acreditar, mas as feiras livres de Belém são regulamentadas. Sim, há muitos anos existe um regulamento específico para essa atividade, bastante minudente por sinal. Nele estão definidos aspectos como:

1. o local e o horário de funcionamento da feira — o feirante que não abrir sua barraca nos horários de funcionamento, injustificadamente, pode perder o ponto;

2. o tipo de mercadoria que pode ser comercializada — por definição, uma feira livre é um espaço para comércio de víveres e hortifrutigranjeiros; não seria possível vender produtos como roupas, peças de máquinas ou manter oficinas, coisas que, com o tempo, as pressões sociais levaram o poder público a admitir;

3. regras para transmissão do ponto a herdeiros ou sucessores;

4. vestuário e acessórios dos feirantes — sim, eles deveriam usar jalecos e, em alguns casos, luvas;

5. procedimentos de higiene, acondicionamento e manipulação da mercadoria;

6. regras de conduta — p. ex., é expressa e absolutamente proibido vender bebida alcoólica nas feiras, mesmo para adultos, seja lá em que horário for. Acredita nisso?

Esta manhã, precisei passar por uma feira. Para variar, caos instalado. Fiquei pensando nesse regulamento que, há alguns anos, caiu nas mãos, na época em que eu era procurador do Município. Se a Secretaria de Economia cumprisse seu papel, sem dúvida esse caos seria menor. Não teríamos, p. ex., o que vi: horrendas pranchas de madeira apoiadas sobre cavaletes, em plena rua, roubando espaço de pedestres e de automóveis, para vender... CD e DVD pirata! O mais interessante é que, se houver algum policial militar às proximidades, ele simplesmente ignora o comércio ilegal.
E assim vamos vivendo, na eterna Casa de Noca. Tão Belém...

Saudade

Acabou de virar a meia noite. 20 de janeiro. Seu aniversário.

Era para tirarmos mais uma foto dessas. Fazer o quê? De onde estiver, continue cuidando de nós, tão bem como sempre. Beijo, com o nosso amor.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Divórcio das Arábias

Sabe por que o número de divórcios entre os árabes está aumentando a olhos vistos? Pode acreditar, a culpa é de duas cantoras pop e o motivo não podia ser mais infame. Saiba qual é clicando aqui.

Bebês em minha vida

Ontem, nasceu Davi, meu sobrinho, filho do meu cunhado. Veio antes do tempo, para variar. A previsão de nascimento era 3 de fevereiro, mas ele não quis esperar, como parece ser a regra dos bebês hoje em dia. Os pais, sensatos, queriam parto normal, mas infelizmente no meio do caminho havia uma placenta baixa e sangrando. A opção pela cesárea foi justificada para evitar o risco de uma hemorragia. Então tá. O importante é que o garoto veio ao mundo saudável. Ele e sua mãe passaram bem o primeiro dia.

Boa sorte neste mundo, Davi.

Enquanto o garoto nascia, em outro ponto da cidade eu acompanhava a segunda ultrassonografia de minha esposa, desta feita para medir o risco de síndromes cromossômicas. Felizmente, o exame apontou novamente uma gestação saudável. Os resultados definitivos só ficarão prontos daqui a uma semana, pois é preciso incluir nos cálculos o resultado da bioquímica, que demora um pouco mais. Todavia, o exame morfológico foi tranquilizador. A translucência nucal mediu 1,17 milímetro, quando o máximo é 2,5. O osso nasal também está lá, graças a Deus. Até aqui, o risco de trissomia 21 está calculado em 1:5710 e o de trissomia 13+18 em 1: 81907.

Os amigos apreciarão saber que o bebê apresentou frequência cardíaca de 161 batimentos por minuto e tem — tinha, ontem de manhã — 5,26 centímetros. Durante o exame, estava um azougue só! Mexia-se sem parar, virava de lado e, de repente, esticou as perninhas totalmente. Foi emocionante. Chega a ser inacreditável que algo tão pequeno e imaturo possa ser anatomicamente tão completo. Apesar de ser precipuamente cabeça, ele é inegavelmente humano. Você até compreende essas coisas, lê a respeito, informa-se. Mas ver em tempo real é sempre impressionante. Como pode alguém acabar com uma vida assim, já tão formada, a sangue frio, por simples rejeição à maternidade/paternidade?

Quando houver mais novidades, informarei, claro. Quanto ao sexo do bebê, esperem mais algumas semanas.

Curiosidades sobre a desocupação da Presidente Vargas

Há dois dias, principalmente, uma das principais avenidas do centro de Belém, a Presidente Vargas, virou cenário da bagunça que é a cidade. Tudo porque a Justiça Federal, acolhendo pedido originalmente formulado em 2001, determinou ao Executivo municipal a retirada da favela em que se transformaram as calçadas daquele logradouro. Alguns arbítrios:

1. Desde o primeiro momento, estranhei que uma ação proposta pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos pudesse atingir toda a via. O presidente do sindicato, associação ou sei lá o que dos ambulantes que não deambulam denuncia que o pedido da EBCT dizia respeito somente ao quarteirão em que fica a sede da empresa, mas a prefeitura se aproveitou para fazer uma limpeza geral. Tem lógica. Se for verdade, a prefeitura está unindo o útil ao agradável. Só que desta vez não farei nenhuma crítica. Pelo contrário, fica aqui registrado o meu apoio.

2. Para a prefeitura, a situação é sopa no mel. Retirando os camelôs por força de ordem judicial, lava as mãos quanto aos impactos da medida. Não é minha culpa; estou apenas cumprindo ordens. Porém, quando a via estiver desimpedida (se é que um dia estará), o sedizente prefeito com certeza vai botar a carranca na TV para tomar como sua, e exclusivamente sua, essa vitória. Aí estaremos diante de uma mentira eleitoreira que, sem dúvida alguma, será explorada. Aqui está a crítica, também registrada.

3. Obrigar as pessoas a fechar suas lojas ou a abandonar suas barracas é crime. Sem mais nem meio mais. O art. 197 do Código Penal assim dispõe:

Art. 197. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça:
I — a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias:
Pena — detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência;
II — a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou a participar de parede ou paralisação de atividade econômica:
Pena — detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

O art. 202 também prevê a invasão de estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, "com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho", cominando penas de 1 a 3 anos de reclusão e multa. Se não quiserem entender como crime contra a organização do trabalho, ainda resta o constrangimento ilegal, crime contra a liberdade pessoal, nesse caso com penas de 6 meses a 2 anos de detenção e multa, além da prevista para as violências perpetradas.
Some-se a isso a reunião de dezenas de pessoas com o mesmo desígnio criminoso, ainda por cima armada de paus e pedaços de ferro. Imagine o terror que isso provoca em quem assiste ao espetáculo.
Apesar do que acabei de expor, a polícia assiste inerte a toda a movimentação, inclusive a ROTAM, criada exatamente para operações especiais. Dois dias de obstrução de uma das vias mais importantes da cidade e nenhum manifestante foi incomodado, quando a polícia deveria ter realizado prisões em flagrante. Como se sente um cidadão sendo coagido, à mão armada, diante da polícia que nada faz? É de enlouquecer!
Chamo a isso de síndrome de Eldorado do Carajás. Pessoas mais simplórias chamariam de cagaço da polícia, pois se algum camelô sair ferido, a repercussão será triste. E com isso, ninguém cumpre o seu dever. Aguardemos a bela e poética explicação que a Secretaria de Segurança Pública prometeu dar sobre a postura de seus homens.
No final das contas, começou mesmo a limpeza de Belém? Para valer?

Serviço público municipal

Fui servidor público municipal durante seis anos, passando primeiro pelo Legislativo e depois pelo Executivo. Conheci uns tantos prédios onde funcionavam repartições municipais e sei que muitas funcionavam precariamente. Algumas eram pardieiros, em parte porque havia muitos prédios alugados e adaptados de qualquer jeito para a função desempenhada. A Câmara Municipal, onde trabalhei primeiro, era um pouco mais do que um galpão modificado nos tempos da Tv. São Pedro, recheada de divisórias meio carcomidas. Sede de um Poder Constituído, dava vergonha. Mais recentemente, estive no prédio atual, no Chaco, muito melhor, mas ainda assim bem ruim — pelo menos a julgar pelos setores por onde passei, os administrativos, onde tudo continua amontoado e na base do foi-o-que-deu-para-arranjar.
De todas as repartições municipais que conheci, porém, nenhuma é tão decrépita e desagradável quanto a CTBel, onde estive mais uma vez ontem. A área ampla, na beira do rio Guamá, poderia oferecer um visual e tanto. Em vez disso, o estacionamento é de terra batida e, neste tempo de chuvas, bastante enlameado. Não há uma delimitação precisa de onde podemos estacionar.
O prédio principal é de fato um galpão, cujas salas são definidas por divisórias velhas. O aspecto é bem deprimente. O Setor de Processamento de Multas é velho, sujo e contém os funcionários menos dispostos a sorrir que você já viu. Do ponto de vista humano, o atendimento é ruim. Tive a sorte, porém, de ser atendido pelo único servidor que parecia interessado em trabalhar. Ocupado com outra pessoa, tentava achar alguém que me atendesse. Pediu a um colega, mas esse disse que precisava tirar uma xerox e sumiu. Perguntou a outro se estava ocupado, o qual respondeu que sim, mas sua ocupação era o próprio celular, que estava recarregando. Dali a pouco, encostou-se em duas outras funcionárias e os três, de semblantes graves, ficaram conversando. O público, que espere.
A CTBel é uma síntese da caricatura de serviço público, aquela retratada no genial seriado Os Aspones, da Globo: um prédio caindo aos pedaços, um ambiente esculachado e um pessoal disposto a quaisquer chicanas para não trabalhar. Além de muita burocracia.
E o que fui fazer lá? Pedir uma cópia do auto de infração que aquele canalha lavrou contra mim, para recorrer. Lembre aqui o caso. Quando você é multado e pretende recorrer, o primeiro passo é justamente pedir uma cópia do auto de infração, pois se houver algum erro de preenchimento nele, o ato pode ser anulado por vício formal. Além do mais, você fica sabendo o nome do artista que o multou e pode, inclusive, saber se ele tem competência para realizar tal tarefa. Segundo informa Marilena Vasconcelos em blog recém criado, dos 160 agentes de trânsito de Belém, 105 são na verdade agentes da Guarda Municipal e, em princípio, não tem legitimidade para fiscalizar o trânsito. Com isso, o auto é nulo, por incompetência da autoridade.
Como disse antes, a calhordice do desgraçado que me multou foi tanta que decidi ter trabalho, me aborrecer e o que mais for preciso. Pode não dar em nada, como aliás acho que não dará. Mas está na hora de o cidadão reagir de verdade aos abusos da CTBel. Por isso comprei a briga.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Me tira o tubo!

O presidente da Câmara Federal, Arlindo Chinaglia (PT-SP), quer todos os parlamentares, assessores e funcionários da casa com os sapatos reluzentes. Abriu licitação para contratar serviços de engraxataria no prédio, num total de R$ 3.135 milhões por um ano, o que dá R$ 261 mil por mês, ou ainda, R$ 8.700 por dia. Este valor diário equivale à alimentação de 174 famílias em um mês.
(Repórter 70 de hoje)

Lembra aquele personagem do Jô Soares? Pois é. Neste país que vai pra frente, só tirando o tubo. Porque os homens do Planalto continuam nos tomando os tubos.

Explica melhor?

Manifesto a LulaOs candidatos do vestibular da FAP vão colaborar para a luta contra o desmatamento da floresta amazônica. No ato da inscrição ao processo seletivo, eles deverão assinar o manifesto “Amazônia para Sempre”, documento que, se reunir o número de assinaturas necessário, será encaminhado ao presidente da República pedindo ações mais duras no combate à devastação da floresta. Não é difícil prever que a estudantada vai querer apertar o cerco.
(Repórter Diário de hoje)

É impressão minha ou a nota acima é uma crítica aos estudantes (olha a expressão "estudantada", com cara de pejorativa)? Afinal, tradicionalmente os estudantes costumam gritar contra o governo, os americanos, os ricos, etc., tenham ou não razão. Ficou-me a impressão de que o jornal está criticando a previsível postura dos jovens, de ser contra mudanças na legislação ambiental, que facilitem a exploração florestal.
Estou errado ou o jornal está defendendo os interesses da tchurma da motosserra? Podem responder como se eu tivesse três anos.

Faculdades sob observação

Baixa produtividade ou pobreza de resultados. Este é o motivo pelo qual 29 faculdades que mantêm cursos de Direito foram gentilmente coagidas a assinar um termo de compromisso com o Ministério da Educação. Elas se comprometeram a melhorar a infraestrutura e o quadro de professores dentro de um ano e, de imediato, em reduzir a oferta de vagas.
Eis as instituições:

1. Centro de Ensino Superior de Vitória
2. Centro Universitário de Araras
3. Centro Universitário de Rio Preto
4. Centro Universitário Euro-Americano (Brasília)
5. Centro Universitário Moacir Sreder Bastos (Rio de Janeiro)
6. Faculdade de Apucarana
7. Faculdade de Aracruz
8. Faculdade de Ciências Jurídicas do Planalto Central (Brasília)
9. Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Diamantino
10. Faculdade dos Cerrados Piauienses (Corrente)
11. Faculdade Editora Nacional (São Caetano do Sul)
12. Faculdades Integradas Espírito Santenses (Vitória)
13. Universidade Castelo Branco (Rio de Janeiro)
14. Universidade de Franca
15. Universidade de Ribeirão Preto (Guarujá)
16. Universidade Metodista de Piracicaba (Santa Bárbara d'Oeste)
17 e 18. Universidade Paranaense (Toledo e Umuarama)
19 e 20. Universidade de Passo Fundo (Palmeira das Missões e Soledade)
21. Centro Universitário da Cidade (Rio de Janeiro)
22. Centro Universitário Nove de Julho (São Paulo)
23. Faculdade Aldete Maria Alves (Iturama)
24. Centro Universitário Nilton Lins (Manaus)
25. Centro Universitário Plínio Leite (Niterói)
26. Universidade Guarulhos
27. Centro Universitário Ibero-Americano (São Paulo)
28. Faculdades Integradas de Tangará da Serra
29. Faculdade Eduvale de Avaré

Como veem, nada no Pará. O critério usado pelo MEC para analisar o rendimentos dos cursos foi basicamente o desempenho dos alunos no ENADE. Sem dúvida, um critério mais quantitativo do que qualitativo, como tudo que o MEC faz em termos de avaliação. Todavia, mesmo sendo um procedimento insuficiente, devo reconhecer que ele é um parâmetro importante. Afinal, se um aluno mal consegue decorar conceitos e regras, provavelmente terá dificuldades para aplicá-los em situações concretas, que é o que reclama a atividade jurídica.
Da notícia sai pelo menos o conforto de saber que o MEC está vigilante e não permitirá que a educação superior brasileira permaneça em ritmo de oba-oba. Quem quiser prosseguir ou se lançar no mercado terá que estar mais apto e demonstrar isso. Tomara.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Colônia de férias — Resposta dada

Uma adolescente de 14 anos entrou na Colônia Penal de Charqueadas, a 55 quilômetros de Porto Alegre, sem a menor dificuldade, levando dinheiro, maconha, cocaína e crack, tudo a pedido de um cunhado preso, que lhe pediu o favor por um celular, que ele possui dentro da detenção. E ainda passou a noite se beijando com outro preso. Ela nega, mas pode ser que tenham mantido relações sexuais. Também saiu do local sem ser vista.
Pelo que se sabe até agora, ninguém ficou surpreso. Há precedentes. Só quero ver se o caso terá a mesma repercussão negativa que teve o episódio da nossa adolescente de Abaetetuba. Tudo bem, os casos são bem diferentes, mas revelam a mesma insanidade do sistema penal. Aliás, se é tão fácil entrar e sair, nem sei como ainda tem gente presa nesse local.
Se a repercussão for menor, vou achar que a imprensa nacional realmente trata o Pará com preconceito. É, vou achar, sim.

Atualizado em 17.1.2008, às 20h54:
Já foi noticiado oficialmente que o presídio onde os fatos acima se deram será fechado. A trasferência dos presos ocorrerá gradativamente e deve estar concluída até o segundo semestre deste ano.
Ou seja, a Superintendência de Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul foi fulminante na resposta que lhe foi exigida pela sociedade. Diante disso, só me resta ficar miudinho, esperando o que as autoridades paraenses farão no caso de Abaetetuba. Se a condução do governo não estiver à altura, lá vai o Brasil inteiro dizer que quando os desmazelos acontecem no Brasil, a solução é pronta e satisfatória, mas que no Pará é tudo esculhambação. E se disserem isso, pode ser verdade. Aí o jeito será aguentar calado.
Aliás, a demora em dar uma solução final para o acontecido já depõe contra nós. Que lástima.

Notícias que vão mudar o mundo — 17ª edição

"Vaticano alerta sobre influência de Harry Potter na sociedade"

Rapaz, está explicado a mó di que o governo Lula vive fazendo bobagem, a presença americana não pacificou o Iraque e mais um urso polar foi rejeitado pela mãe na Alemanha. Sacanagem do Harry!
A Joanna (K. Howling) nem vai dormir esta noite, se tiver acesso à matéria.
Realmente, tem gente muito ocupada no mundo. Harry Potter pode não ter a menor ideia de quem é Bento XVI, mas Bento está chateado com ele... Será que já leu os sete livros?

Questão de modelo

A reunião do Ministro Extraordinário de Assuntos Estratégicos (???), Roberto Mangabeira Unger com empresários paraenses, missão ainda não concluída, deixou clara uma verdade que precisa ser escancarada para todos: enquanto os setores econômicos persistem em sua verborragia inútil sobre desenvolvimento, que reclama como custo inevitável o avanço sobre o patrimônio ambiental, o ministro responde com categoria: os custos ambientais são tanto maiores quanto mais incorreto o modelo de exploração adotado. O projeto do governo é adotar um modelo que seja eficiente, eficaz e o menos agressivo possível.
O fato é que a turma da grana quer lucrar ao máximo, internalizar ao máximo os benefícios e externalizar ao máximo os ônus. É imediatista e absolutamente antissolidária. Sempre foi assim, desde que o mundo é mundo e a mentalidade jamais mudou. Como argumento cretino contra seus opositores, acusam todo e qualquer discurso pró-meio ambiente de ser edênico, o que não corresponde à realidade.
Somente uma parcela dos ambientalistas é edênica e corresponde, justamente, aos ecochatos. Os sensatos sabem que os recursos ambientais precisam ser explorados; sempre foram e jamais deixarão de sê-lo. Óbvio. Precisamos nos alimentar, consumir água e produzir energia, dentre outros fatores. Mas há meios e meios de fazê-lo.
Os países desenvolvidos têm em comum já terem dizimado os seus recursos ambientais ou quase isso. Quando veio a escassez, descobriram que precisavam fazer o caminho de volta. Foram tolos, claro, mas temos que lembrar que o discurso ambiental hoje em voga surgiu em 1972, com a Conferência de Estocolmo. Antes disso, o mundo inteiro estava em erro. Precisamos barrar a exploração dos países ricos, mas nem por isso podemos exigir a nossa própria quota de insanidade. Hoje, com o desenvolvimento da tecnologia, pode-se produzir com menos danos. Que o diga o Japão, um arquipelagozinho vulcânico, com quase nada de terras agricultáveis e sem uma gota de petróleo — mas podre de rico. Assim como os tigres asiáticos.
Haver gente em 2008 pedindo para derrubar florestas como condição sine qua non do desenvolvimento passou da besteira para a burrice; passou da esperteza para a suprema calhordice. Afinal, sabemos bem o que é esse desenvolvimento e quem se beneficia dele.
Boa, Mangabeira. Vamos desenvolver. Mas escolhendo o modelo certo. Não é uma decisão de governo. É uma exigência da humanidade.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Clima de montanha

Passei o dia inteiro cuidado de afazeres domésticos relevantes e urgentes, daqueles que mudam a vida de um ser humano. Dormi tarde e acordei cedo. Não parei o dia todo. Portanto, estou cansado e com os pensamentos lentos. Não dá para postar hoje.
Vim apenas dizer que estou adorando Belém do Pará assim, com esse maravilhoso clima de montanha! Se isso pudesse acontecer mais vezes!
Bom sono para todos, com esse tempinho gostoso.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Sua amiga, a cratera

Ela voltou. Está lá, imensa, na Governador José Malcher, esquina com a 14 de Abril, de frente para o Yamada Plaza. Em 2007, ela tanto abriu que a COSANPA decidiu fazer uma obra de maior vulto. Demorou meses, com infernais engarrafamentos. Demorou um tempo muito superior ao necessário para fazer a tal obra, num lugar sério. Aproveitaram para melhorar o sistema de escoamento de água naquele perímetro. Problema resolvido? Negativo. O buracão está lá, largo e profundo, segurando o tráfego.
Minha esposa sugeriu colocar uma tampa em cima. Assim, não precisariam fechar mais. Eu penso diferente: acho que deveriam transformar a cratera em atração turística. Colocar uma iluminação especial, umas placas turísticas, espalhar umas fotos pela internet, realizar uns eventos no local.
Qual a sua sugestão?

Depoimento sem dano já!

No dia 23 de março do ano passado, publiquei uma postagem que vale a pena reler para entender melhor o que se segue. Nela, expus uma situação aviltante, na qual uma criança de apenas três anos foi forçada por um juiz a descrever o abuso sexual sofrido, cujo autor era o próprio pai. Agora, lendo o número 503 da revista Época (7 de janeiro), cuja matéria de capa trata do ano de 1968, encontrei uma excelente reportagem entitulada "Em defesa das crianças", a qual explica acerca de novos procedimentos para tomar o depoimento de crianças vítimas de delitos sexuais.
Trata-se do Depoimento sem dano, metodologia instituída em caráter pioneiro na Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre e já copiada em outras quatro capitais. A lógica é proteger a criança de contatos com o seu ofensor, o que facilita a tomada do depoimento e a descoberta da verdade. O resultado é um aumento calculado em 59% no número de condenações — seis vezes mais do que a média nacional. Isso se explica pelo fato de que, normalmente, a vítima é coagida, ainda que implicitamente, pelo agressor e acaba negando o abuso, ou prestando um depoimento frágil, que acarreta a absolvição do réu, no mínimo por insuficiência de provas. Vale lembrar que 40% dos casos de abuso sexual são perpetrados pelos pais e outros 30% por padrastos, namorados da mãe ou, enfim, pessoas muito próximas, o que intimida a criança. Basta estar na mesma sala que uma pessoa dessas e a criança perde a coragem de contar a verdade. O crime, assim, fica impune.
O Depoimento sem dano foi criado a partir de um estudo da promotora de justiça gaúcha Veleda Dobke, reunindo Direito e Psicologia na análise de depoimentos de crianças sexualmente abusadas. Funciona na seguinte forma:
1) A criança chega mais cedo e fica numa sala protegida, cheia de brinquedos. Uma psicóloga ou assistente social especialmente treinada e gasta ao menos meia hora para ganhar a confiança do pequeno e, assim, obter declarações espontâneas e realistas.
2) Somente a profissional fala com a criança. Ela elabora as perguntas, tomando o cuidado de checar antes o vocabulário da criança, a fim de que as perguntas e as respostas sejam claras para todos. Tudo é acompanhado em tempo real pela turma da audiência formal: o juiz, o promotor de justiça, o réu e o defensor, que estão em outra sala e assistem pela TV. Toda a sessão fica gravada, à disposição da justiça.
3) A criança fala no seu próprio ritmo, sem pressa. A profissional ajuda, p. ex. usando marionetes para facilitar a compreensão de como se deu fisicamente o abuso.
Serei curto e grosso: essa é a única justiça que presta, a que respeita a vítima como vítima e, antes, como ser humano. Segundo a reportagem, a metodologia em questão pode se tornar obrigatória no Brasil. Existe um projeto de lei com essa finalidade no Congresso Nacional, o qual já foi aprovado à unanimidade na Câmara dos Deputados e ora tramita (espera-se) no Senado.
É torcer para que, o quanto antes, o Depoimento sem dano se torne uma realidade no Brasil. Minha atividade profissional no tribunal de justiça permite que eu assegure: um processo mal instruído impõe a absolvição do réu. Eu mesmo já concluí pela necessidade de absolver uns tantos, por absoluta falta de certeza quanto a sua real culpabilidade.
Agora só falta os calhordas se insurgirem contra a medida. Quem são os calhordas? Todos os que, invocando a Constituição Federal e os princípios do contraditório e da ampla defesa, disserem que a criança tem que ser inquirida somente pelo juiz, que a psicóloga ou assistente social está distorcendo o depoimento, que o fato de as pessoas estarem em salas separadas retira a legalidade do ato e outras asneiras, cuja única finalidade é, sob o manto de uma legalidade exacerbada e irracional, livrar da cadeia criminosos dessa laia.

Alguns trechos da matéria:
"O medo de falar da intimidade na frente de outras pessoas, sobretudo de homens, explica por que menos de 10% dos processos de abuso sexual de menores chegam à condenação no Brasil."
"Uma peculiaridade do abuso sexual é não deixar testemunha ou marca física. Em geral, a única evidência é o depoimento da vítima. Se for constrangida, ela se cala."
"Ouvir criança falar de sexo é difícil. A pessoa sem preparo não consegue nem elaborar as perguntas."
"Para a vítima, além da culpa, há o peso de conviver com o agressor depois da revelação. Em alguns casos, a pressão pode levar a tentativas de suicídio."
"A assistente explica diversas vezes que a criança não é culpada. Diz que não é o depoimento dela que vai fazer o adulto ser preso, mas sim o que ele fez."

Ano eleitoral: o bondinho

"Bondinho circulou no centro histórico da capital,
emocionando passageiros de todas as idades."
(Legenda da fotografia tirada por Mário Ferreira, publicada no Diário do Pará de hoje)

Ou seja, agora o bondinho emociona. Mas só agora.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Construir e desconstruir um criminoso


Confiando no cinema nacional, ontem fui ao cinema ver Meu nome não é Johnny, de Mauro Lima, até aqui mais conhecido como diretor de videoclipes. Deixarei a abordagem da obra cinematográfica em si aos chatos de plantão que gostam de fazer crítica, sem me furtar de dizer que Selton Mello é um ótimo ator mas que é aquilo mesmo. Já Cléo Pires é só aquilo mesmo. O filme não chega a ser antológico e, na minha opinião, cansa um pouco na reta final, mas tenho motivos para querer falar dele aqui.
Meu nome não é Johnny retrata a evolução de um jovem de classe média nos anos 1980. A família tinha boas condições financeiras e, enfim, João Guilherme Estrella tinha tudo para ser feliz. A família só não lhe deu limites, como aliás o próprio slogan do filme revela. Há uma passagem em que João estoura um morteiro na sala de casa. O pai pensa em repreendê-lo, mas ao descobrir que o motivo do gesto foi a comemoração de um gol de seu time, endossa a conduta do filho. A mãe, cumprindo seu papel de esposa padrão de antigamente, a tudo assiste calada. O pai se revela como o principal elemento deseducador, o que se confirmará mais tarde, quando o adolescente João viver dando festanças em casa, tendo o pai recluso no quarto, tentando resistir à doença que vai matá-lo (e que o mata porque ele prefere isso a deixar de fumar).
A carreira de João começa como tantas. Um amigo — sempre há um amigo desses — propõe que ele experimente maconha. Ele recusa, mas o amigo o critica por se guiar pela cabeça do pai. Para mostrar atitude, postura típica dos adolescentes, ele fuma. E se vicia. E evolui para a cocaína. Todos os seus amigos próximos fumam e cheiram — e confiam que deixarão quando quiserem. O pior é que deixam, mesmo, menos João, que vende a primeira vez meio que por acaso, mas acaba descobrindo seu talento. Encurtando a conversa, torna-se traficante internacional. Sua única meta: torrar todo o dinheiro que ganhar.
João não tem objetivos na vida; é um sujeito vazio. É uma expressão superlativa das consequências da falta de educação e exemplo na família, apesar de algumas tentativas dos pais. Mas sua trajetória, mesmo assim, é de redenção. Não pretendo contar o final do filme, mas como se trata de uma história real amplamente divulgada pela imprensa nos últimos dias, presumo que todos sabem que João quitou sua dívida com a sociedade. Hoje é um homem livre e produtivo. Sua história já pode ser contada para exemplo dos vivos.
Posso, assim, dizer da impressão que me ficou de que Marilena Lopes, juíza encarregada de seu processo, ao condená-lo livrando-o de uma pena longa em cadeia comum, apostou alto. Ela agiu mais como mãe do que como uma juíza rigorosa. Buscou uma brecha na lei para investir em João, por acreditar que podia recuperá-lo. E conseguiu. Declarou expressamente que João é a prova viva de que ressocializar um delinquente é possível.
Chegamos ao ponto. No mundinho atual, em que os ditos cidadãos de bem querem ver mortos ou absolutamente alijados da sociedade os transgressores, querem aumento de penas, regimes mais rigorosos, abominam os benefícios de execução penal, etc., Meu nome não é Johnny permite uma boa reflexão: vale a pena acreditar na recuperação de um criminoso contumaz e nitidamente amoral?
Para fazer esta reflexão, porém, é imperioso destacar um aspecto essencial: fica fácil acreditar na ressocialização de João Estrella, branco, bem articulado, bem falante, inteligente, engraçado, vivendo no meio dos endinheirados cariocas, e ainda por cima interpretado pelo carismático Selton Mello. Quero ver alguém responder a minha pergunta tomando por base os outros presos retratados no filme: negros, desdentados, pobres, sem instrução alguma e sem perspectivas além da violência. É esse estereótipo que a sociedade consegue ver. Somente esse. E para esse tipo de gente, vale a regra: trancar numa cela para sempre ou eliminar.
Então fica a minha pergunta: podemos ressocializar um criminoso? Seja ele um riquinho desorientado ou um ferrado na vida? O sistema permite isso? O sistema existe para isso?