Já faz tempo que perdi a paciência com o "caso Bruno". Repleto de idas e vindas, um de seus aspectos mais irritantes é que, volta e meia, as testemunhas modificam seus depoimentos e inventam desculpas para suas supostas mentiras. Casos assim trazem à tona uma antiga discussão sobre a necessidade de dotar a persecução criminal de mecanismos eficazes para a elucidação da verdade. Mas como fazer isso?
Toda ação criminal implica em um conjunto de medidas que buscam descrever os eventos do passado, o que é difícil por si só, tornando-se ainda mais devido aos movimentos do criminoso para assegurar sua impunidade. Somem-se a isso as intenções do Estado em obter provas contra certas pessoas, que muitas vezes são motivadas não por concepções idealizadas de justiça, mas como forma de perseguir opositores do regime. Diante disso, podemos reconhecer três grandes artifícios de fundo científico que já foram empregados como recursos para descobrir se uma pessoa fala ou não a verdade.
Soro pentotal
Não existe uma substância que, aplicada num indivíduo, leve-o a falar a verdade. Mas certas drogas baseadas no sódio (pentotal sódico, amital sódico, amobarbital sódico), além de outras, como o ácido lisérgico (LSD, usado pela CIA durante a Guerra Fria) e o
ecstasy (década de 1950, também nos Estados Unidos), já foram usados com a finalidade de desinibição: o sujeito, libertando-se de barreiras morais e éticas, ficaria fragilizado perante o interrogador. Ou pelo menos assim se espera. Com efeito, o método é cientificamente inconfiável. O interrogado pode não apenas mentir, como também externar desejos pessoais. Mesmo assim, remonta a 1936 a pesquisa para desenvolvimento dessas drogas.
Classificadas como barbitúricos (depressoras do sistema nervoso central), essas substâncias têm aplicação antiepilética, sedativa, hipnótica e anestésica, mas seu uso é controlado mesmo na Medicina, por conta de seus graves efeitos colaterais, inclusive morte, se aplicadas em excesso.
Para a Anistia Internacional, o uso de qualquer "droga da verdade" com fins de espionagem constitui tortura e violação de tratados internacionais.
Polígrafo
A detecção de mentiras através de polígrafo, conhecida como exame de detecção psicofisiológica de fraude (
psychophysiological detection of deception — PDD), baseia-se nas reações fisiológicas do indivíduo que mente. O equipamento mede e registra variáveis fisiológicas decorrentes do estresse provocado por um interrogatório, p. ex. pulsação, pressão arterial, ritmo respiratório, variações elétricas e contrações involuntárias de músculos.
Antes do exame, o perito conversa com o periciando, para explicar como funciona o procedimento e também para formular perguntas objetivas (Seu nome é Fulano? Hoje é dia 10? Você está sentado?), cujas respostas servem de controle para o perito, mediante a verificação das reações do interrogado a informações que, na verdade, são conhecidas de todos. Que me conste, as perguntas são formuladas para que o interrogado responda "sim" ou "não", eis que essa tecnologia não consegue interpretar enunciados longos. A cada resposta, os sensores ativam agulhas que desenham um gráfico das reações, que serão interpretadas pelo perito.
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Joe Larson, um dos criadores do
polígrafo, em demonstração na
década de 1930. |
Profissionais do ramo asseguram que o polígrafo é capaz de detectar sete em dez mentiras. Contudo, por medir reações de fundo emocional do indivíduo, é fácil constatar que se trata de um exame vulnerável. Para que falhe, basta que o interrogado seja uma pessoa fria o bastante para não esboçar emoções. Psicopatas passam fácil, mas não é preciso possuir perfil psicopático para tanto. Espiões infiltrados em agências governamentais podem ser treinados para enfrentar com galhardia qualquer interrogatório. Também pode ocorrer de a vítima acreditar na inverdade que afirma, hipótese que leva a uma situação interessante: imagine que a pessoa, por trauma, tenha criado uma versão falsa dos fatos, como mecanismo de defesa. Ela "mentirá", mas não por má fé, e sim porque seu psiquismo a força a crer naquela versão.
Por outro lado, as reações fisiológicas podem ser disparadas por outros fatores. Imagine-se uma testemunha que fale a verdade, mas tenha medo de ser morta por causa de seu depoimento. Razões como essa levam vários Estados americanos a rejeitar o teste do polígrafo como meio de prova.
Quando a leitura dos dados é de difícil interpretação, o teste é considerado inconclusivo.
Ressonância magnética
Os avanços tecnológicos levaram ao desenvolvimento da ressonância magnética, exame que permite a criação de imagens de alta definição de tecidos do corpo humano, por meio de um campo magnético, sem uso de radiação. É vasta a sua aplicação na Medicina, mas nos últimos anos também tem sido empregado para aferição da verdade.
No ano passado, o blog do Centro de Direito e Biociências da Universidade de Stanford (EUA) noticiou que os advogados de defesa de um réu acusado do estupro de uma criança no Estado americano da Carolina do Sul ofereceram, como prova de sua inocência, o
laudo de um exame de ressonância magnética funcional. Segundo a empresa emissora do laudo,
No Lie MRI, Inc., o teste é "a primeira e única medida direta de verificação da verdade e detecção de mentira em humanos da história", porque se baseia em medições do sistema nervoso central (cérebro e medula espinhal) e não do periférico, como faz o polígrafo. Há outras empresas explorando o ramo e
outras demandas judiciais chegam ao conhecimento público.
Vale lembrar que americanos inventam de tudo para ganhar dinheiro. Além disso, a comunidade científica se mostra muito reticente quanto à confiabilidade do exame.
Após o 11 de Setembro, o governo dos Estados Unidos passou a defender o uso da ressonância como forma de combater o terrorismo.
Em um dos episódios do seriado
Numb3rs,
o método é defendido como meio de descobrir até "meias verdades". Ao constatar que um criminoso condenado à morte mentia sobre o paradeiro de uma criança desaparecida, o FBI o submete a uma ressonância magnética e descobre que ele, por remorso, se forçara a acreditar numa versão suavizada do assassinato do menino.
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Quanto a nós, que não dispomos de tecnologias para enfrentar os mentirosos do dia a dia, podemos nos prevalecer de alguns conhecimentos que, embora não absolutamente seguros, ao menos nos ajudam a interpretar o comportamento alheio. Dentre outras, há
trinta reações que podem ser observadas. Boa sorte.
Mas é possível adquirir, pela Internet, um
super detector de mentiras portátil, por preços variando de 80 a 120 reais. Talvez sirva para quando o marido bêbado negar que estava com outra mulher. Se quiser comprar um polígrafo de verdade,
tente aqui.