terça-feira, 25 de agosto de 2009

Ele, o médico

Como sou advogado e minha seara é a penal, não me darei ao desfrute das datenices. Trato os acusados de crimes como acusados e lhes dou o benefício da dúvida. Respeito o princípio do estado de inocência e não me refiro a eles em termos chulos. Por conseguinte, não esperem de mim nenhum libelo furioso contra Roger Abdelmassih. Na verdade, eu lamento profundamente que exista esta situação. Não por pena dele, não. Se for culpado, que pague por seus crimes. O que lamento é que a maior autoridade em reprodução assistida do Brasil não seja o modelo de conduta e honorabilidade que, natural e até ingenuamente, todos esperamos.
Lamento que os tantos casais que precisam desse serviço percam o referencial. Lamento que os trabalhadores da renomada clínica fiquem em situação profissional e financeira arriscada.
Prudências acusatórias à parte, uma coisa é uma acusação feita por uma ou duas mulheres. Outra, completamente distinta, é uma acusação formulada, a esta altura, por 60 mulheres, algumas das quais deram a cara a tapa, expondo a própria imagem para a imprensa, conscientes de que seriam vistas em cadeia nacional. Tratar de algo tão vexatório em público sugere que a mulher tem um objetivo muito claro. Difícil concluir que, um belo dia, pessoas sem vínculos entre si resolveram montar uma conspiração espontânea contra Abdelmassih, para arrancar dinheiro dele.
O que mais impressiona é que um homem desses simplesmente não precisa de nenhum tipo de fraude ou violência para conseguir mulher. Nos últimos dias, tenho escutado mulheres (assim mesmo, no plural) dizerem que a mulherada anda tão "fácil" que conseguir uma não exige talento nem tampouco experiência. Nem dinheiro. Mas quem tiver estes itens, sobretudo o último, faz a festa. Então qual o sentido de molestar inocentes, se seria tão fácil conseguir levas e levas de parceiras, espontânea e apaixonadamente?
Duvido que haja alguma explicação que não seja doença. Mas uma doença daquelas que não afetam a imputabilidade penal.
Resumo da ópera: o médico está preso há uma semana, o STJ não deu a mínima para ele e, ontem, a Ministra Ellen Gracie, do STF, deu mais uma canetada nele. Até a ONU está contra o cara.
A situação não está nada fácil para Abdelmassih. Pelo andar da carruagem, logo será preciso ficar doente, como de praxe, quando um sujeito abastado cai nas garras do sistema de justiça criminal.

Acréscimo em 27.2.2012: A coisa não aconteceu exatamente como sugerido acima, mas foi como costuma ser no Brasil, para gente endinheirada. Condenado por 56 crimes a um total de 278 anos de reclusão, Abdelmassih conseguiu uma liminar do Supremo Tribunal Federal, para aguardar o julgamento de seu recurso em liberdade, e fugiu. Acredita-se que usou passaporte falso para chegar ao Líbano, terra de seus pais, que não possui tratado de extradição com o Brasil. Some-se a isso o fato de que, caso goze de cidadania libanesa, uma extradição não seria obtida também com base na promessa de reciprocidade. Até hoje não se sabe ao certo por onde ele anda.

14 comentários:

Tiago Fernando Martins disse...

Datenices: Manifestação sensacionalista de grande amplitude, porém carente de argumentos e fundamentação. Causadora de repúdio e revolta naqueles que tem bom senso. Capaz de influenciar grande parte da sociedade com uma falsa idéia de justiça, ignorando qualquer conceito de proporcionalidade.
Exemplo: Chumbo neles,véio! Tem que ir pra Vala! Direito Humanos, que palhaçada !

Professor, desculpe a brincadeira, mas adorei o termo. Então, defini este tendo como paramentro o meu conceito sobre os sensacionalistas.

Yúdice Andrade disse...

Obrigado, Tiago. A mensagem foi plenamente absorvida.

Carlos Barretto  disse...

Pois é.
Este caso chocante, vem ao encontro daquilo que sempre pensei: currículo bom, carro do ano, caneta Mont Blanc enfiada no bolso, paletó e cabelos brancos, nada dizem sobre o caráter de ninguém.
Podem mesmo é servir de cortina de fumaça para algumas barbaridades praticadas na escuridão.
Que sirva para que ninguém se engane.

Abs

Anônimo disse...

Yúdice, será que você tem conhecimento do fundamento para a decretação da prisão? Ele estava ameaçando testemunhas ou foi somente pela suposta reiteração de condutas?

Anônimo disse...

O que me deixa com a pulga atrás da orelha e um pé atrás é que, de repente - não mais que de repente, como diria o poetinha -, apareçam tantas e tantas mulheres, talvez frustradas quanto ao sonho da maternidade, se dizendo vítimas de estupro da "maior autoridade brasileira" em reprodução assistida. O médico pode até ser de fato um monstro, não duvido nem desduvido. Mas é bom não descartar desde logo a ocorrência de fenômenos psicológicos que nem Freud explica. Melhor esperar pela instrução criminal, com o devido contraditório e a ampla defesa, sem a prévia e açodada condenação midiática tão em voga neste País.

Bia disse...

Bom dia, camarada:

pefeito o post não fosse a péssima idéia do "postador" de aderir ao comentário sobre o fato das mulheres estarem afirmando que mulheres hoje estão tão acessíveis que não precisava o bigodudo ter cometido crimes.

Ai,ai,ai!

Não por feminismo ou generismo, merecemos seu reparo. Merecemos porque você, pelo que escreve e faz, merece a oportunidade de rever seus comentários..rsrsrs...

Acho também, mesmo não sendo especialista em nada, que a patologia do médico Abdelmassih independe de quantidade ou de "oferta no mercado".

Vamos lá, pai da Júlia, vamos lá.

Se, lamentável mas compreensivelmente, algumas mulheres ainda têm a visão estreita de que serem livres para buscar, escolher, aceitar e rejeitar parceiros, entre outras conquistas, é "licenciosidade", isso não as qualifica a considerar o "conjunto da obra" como mercadoria disponível e você não pode assumir, nem que seja pelo fato de não contestar, essa tolice!

Abração.

Yúdice Andrade disse...

Barretto: gosto de estudar esse fenômeno da criminalidade da alta sociedade. Ela sempre existiu e sempre foi terrível. Em outras épocas, para encontrar as maiores torpezas, precisaríamos procurar, justamente, dentro dos palácios, junto à nobreza e ao clero. Depois a sociedade capitalista introduziu o mito da moralidade e da assepsia dos ricos, deslocando a criminalidade para os segmentos sociais mais pobres, ideia plenamente absorvida pela sociedade em geral.
Há estudos interessantes sobre isso. O pé rapado acusado de molestar uma criança acaba nos jornais como "monstro", é condenado por antecipação e execrado, apanha dos policiais e acaba currado na prisão. Já o abastado é, em princípio, tratado como inocente. Responde ao processo em liberdade, é chamado de "senhor" pelo juiz e sempre descola um atestado médico para sair da prisão.
Qualquer dia posto aqui no blog sobre os motivos que levam uma sociedade elitista a punir os seus membros proeminentes. Como disse, é muito interessante.

Das 16h41, segundo li rapidamente (sem aprofundamento), o motivo teria sido a quantidade de delitos e a sua gravidade genérica. Quanto a este último fator, a jurisprudência dos tribunais superiores é remansosa sobre não ser o suficiente para justificar uma prisão cautelar.
Não fiquei convencido do decreto e acho que pode ter sido a boa e velha medida de força, para dar as famosas "respostas à sociedade". Mas posso estar alheio a algum motivo específico.

Das 17h33, em casos assim, sempre há duas hipóteses que não podem ser ignoradas:
a) vítimas ocultas criam coragem de se apresentar, motivadas pelo sentimento de que terão credibilidade junto às autoridades, coisa em que não acreditavam antes, seja pela honorabilidade do acusado até então, seja pela própria natureza dos delitos;
b) pessoas inescrupulosas se aproveitam do calor do momento para tirar uma casquinha do acusado. No caso específico, não haverá condições de comprovar o delito por meio de perícias, então vamos à prova testemunhal. Se a pessoa entrar no roldão das demais, fabricará para si mesma a condição de vítima e pode convencer. O interesse? Indenização.
Não estou acusando ninguém disso, mas sabemos que esse tipo de coisa acontece. No mais, ratifico minha afirmação de que não se pode tributar a situação de Abdelmassih a uma inusitada conspiração.

Querida Bia, confesso que fiquei acanhado com sua crítica. Gostaria de ressaltar que a alusão à atual facilidade das mulheres não é uma opinião minha, mas que efetivamente tenho escutado, inclusive (ou principalmente) de mulheres, criticando as colegas, digamos assim, porque isso depõe contra a imagem de todas.
Lamento se dei a entender que endosso essa tese. Apenas penso que, se ela existe no imaginário popular, é tolice ignorar o fato, o que me permite produzir o texto como ele se encontra.
Se tenho algum a reparo a fazer em relação às mulheres, faço-o dizendo que já abandonei, há anos, a postura moralista que tinha antes, no campo da sexualidade. Não faço julgamentos sobre quem transa com quem, ou com quantos nem de que forma. Isso está na esfera de liberdade individual, não?
Chamar-me de "pai da Júlia", neste contexto, foi uma alfinetada maldosa. Espero educar a Júlia para que ela saiba se valorizar como ser humano, como mulher, como cidadã. Neste momento, não sei exatamente como fazê-lo, mas confio que vou aprender um pouco a cada dia.

Bia disse...

Querido Yúdice,

não quis ser maldosa. Mas quis sim alfinetá-lo, não há como negar.

Embora tenha entendido perfeitamente que a opinião não era sua, ao transcrevê-la sem reparos, reclamei de você, mesmo não intencionalmente, endossá-la.

Citar a Júlia foi uma diatribe que fiz mais por brincadeira que por maldade, mas desculpo-me, sinceramente.

Dsculpo-me com você e com ela, afirmando não tenho o menor receio de que você é e será sempre um bom e afetuoso pai.

Abração.

Yúdice Andrade disse...

Espero ter feito um reparo suficiente, Bia. E obrigado quanto a sua fé nos meus dotes paternos. Tomara que seja a voz da experiência!

Anônimo disse...

São os calos do ofício. O cara passa a vida toda contemplando, profissionalmente, digamos, peitos, b..., x... e pernas abertas, que só pode mesmo ficar maluco. É a mesma doidice das novelas da Globo, que só acabam depois que todo mundo come todo mundo. Didaticamente. Depois não querem que o pessoal suba pelas paredes.

Rita Helena Ferreira disse...

Dia desses, em uma conversa de bar, ouvi de dois servidores públicos (homens) os seguintes comentários:

1)"Vocês viram os detalhes do caso do médico? Égua, o cara era pegador, hahahaha"

2)"Ahhhh, fala sério... Essas mulheres só aparecem agora falando... Vai ver gostaram..."

Eu, absolutamente chocada, respondi:

Sabe o porquê de não procurarem as autoridades para "denunciar"? Pq sabem que terão grandes chances de encontrar servidores públicos como vocês!

Enfim, é isso. Os anos passam e alguns valores não mudam...

Anônimo disse...

Quem é o tarado das 1:07? quem sabe começando tratamento agora não acabe preso um dia destes?

Yúdice Andrade disse...

Das 13h07, pessoalmente, acredito que os médicos conseguem ver todas as partes de uma mulher de modo profissional e ético. Os que não conseguem são maus profissionais e precisam mudar.
No mais, não é de hoje que se critica a mídia por seu estímulo descarado e irresponsável à licenciosidade.

Rita, minha querida, como homem, considero repugnante esse tipo de atitude. O pior é que ela é absolutamente arraigada no imaginário popular - não só das homens; das mulheres também!
Podes ter certeza que, quando foste embora, esses caras ridicularizaram a tua bronca e, provavelmente, te classificaram como "mal amada", principal diagnóstico do preconceito contra a mulher, que teoricamente só pode ser feliz se tiver um homem por ela.

Não sei se é um tarado, das 11h15. Tomara que não. Com certeza, tratamento ajuda.

Rita Helena Ferreira disse...

Caro Yúdice,

Exatamente! A sorte é que meu bom humor - olha a modéstia - faz com que a conversa sempre avance por outros caminhos, para distrair!

A verdade é que tenho me sentido um ET diante de tantos comportamentos massificados.

E, sinceramente, estou preferindo abstrair muitas vezes a discutir.

Abraços para vc.

Sempre repetitiva: sua filha é linda!