Em 12.9.2007, publiquei uma postagem confessando a minha ignorância quanto aos reais objetivos da Academia Brasileira de Letras (leia aqui). Comentei sobre o risco de ela ser considerada como mero cenário de colunismo social, como uma casa de chá — algo particularmente péssimo para mim, que detesto chá.
Tal postagem estava no contexto de outros dois artigos, um deles apontando elitismo na composição da ABL e outra, apresentando os três imortais paraenses. Nesta última, vemos uma referência à decisão de José Veríssimo, que se afastou em contrariedade à eleição de um político, ou seja, alguém que não era um literato.
Se tivesse vivido mais algumas décadas, Veríssimo talvez levasse sua decepção às últimas consequências. A imprensa noticiou, recentemente, que o mais novo candidato à imortalidade é ninguém menos que Fernando Collor. Sim, elle mesmo. E para pleitear a vaga, apresentou como produção literária um conjunto de discursos e artigos. Neste ponto, já seria o caso de questionarmos se quem merece ser eleito é Collor ou algum dos seus assessores. Afinal, salvo honrosas exceções, quando o político se pronuncia com algum nível de qualidade foi porque alguém preparou o discurso para ele. Salvo aqueles tribunos notórios, que dignificam os parlamentos. Mas esses andam em falta no mercado faz tempo. Não me consta que o ex-playboy das Alagoas tenha algum talento literário.
Caso eleito, Collor se tornaria confrade de um de seus maiores amigos de última hora, que vem a ser o mesmo inimigo figadal do final da década de 1980, quando o povo brasileiro reconquistou o direito de votar: José Sarney. Aquele mesmo que desponta diariamente nos noticiários nacionais, como protagonista, pivô ou interessado direto em boa parte dos maiores escândalos da República. Sarney está lá, na cadeira de n. 38, desde 6.11.1980. Sua eleição não foi levada muito a sério. Sério, mesmo, só o fato de viver metendo marimbondos de fogo na nossa saraminda.
Queira Deus que os tantos homens e mulheres de bem que compõem a Academia não permitam essa tragédia! Antes, que tranquem as portas, as janelas e os balancins do Petit Trianon! Os dutos de ventilação, inclusive. Mas não deixem entrar Collor, sua biografia e sua virulência. Que não conspurquem os salões por onde passaram tantos luminares da cultura e da cidadania brasileira.
Tudo bem que "imortais" é apenas um título, um símbolo grandiloquente. Mas pensar em Sarney e Collor como imortais, sob qualquer acepção, é de causar desespero. Para eles, o termo somente se aplica se uma consoante for suprimida. E ainda assim é pouco.
PS — O título da postagem é um verso da canção "Vá morar com o Diabo", do compositor baiano Riachão, e sugere como seria, mais ou menos, a eleição de alguém para a ABL, considerando a presença, lá dentro, de tão lastimável personagem.
6 comentários:
Candidatar-se, caro Yúdice, qualquer um pode. Porém, não acredito que Nélida Piñon, João Ubaldo Ribeiro, Arnaldo Niskier e confrades aceitarão uma companhia deste que late. Com todo respeito aos cães, é claro.
Exato, Francisco, daí o meu apelo. Adorei o "que late", mas os cães merecem respeito, ao contrário dos animais a que me referi. Abraço.
Prezado Yúdice,
Fazia algum tempo que não lia algo tão assaz de sua parte.
Há algum átimo temporal que eu não vislumbrava "a pena queimar".
Colocações bastante interessantes, e que me fizeram pensar sobre o assunto.
O texto me agradou bastante!
Abraços.
Agora tu é que me puseste a pensar, Liandro. Realmente, faz tempo que ando num clima meio morno, mais lento e menos incisivo. Voltar à carga parece bom. Pelo menos os amigos gostam!
Burn, baby, burn!
Yúdice, não sei se eu estou enganado, mas quando li sobre isso em algum veículo de comunicação que não me lembro mais, tive a impressão de que ele iria se candidatar para a Academia Alagoana de Letras e não para a ABL.
Eu que entendi mal ou realmente ele quer ser colega de Machado de Assis? :^)
Abraços,
Vlad.
É a ABL, mesmo, Vlad. Não é terrível?
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