Do Portal G1:
Das ações sobre aborto no Brasil, 31% julgam violência contra gestantesEstudo analisou quase 800 decisões de tribunais estaduais, STJ e STF.
67% dos casos ocorrem no Sudeste; 63% são de homicídio.
Pesquisa inédita constatou que 31% das ações judicias que tratam de aborto no Brasil referem-se a interrupções de gravidez causadas por violência contra gestantes. As autoras, a advogada Tamara Amoroso Gonçalves e a socióloga Thais de Souza Lapa, analisaram durante cerca de um ano em torno de 800 processos julgados pelos Tribunais de Justiça de todos os estados, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) entre 2001 e 2006.
Apoiadas pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), as pesquisadoras iniciaram a leitura dos acórdãos interessadas em avaliar a influência de conceitos religiosos nas decisões do Poder Judiciário. Em 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) entrou com ação no STF pedindo que a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos – ou portadores de qualquer outra malformação que torne inviável a vida extrauterina – fosse dispensada de autorização judicial. Desde então, a questão mobiliza grupos religiosos que pregam a sacralidade da vida desde a concepção e entidades que defendem o direito de escolha da mulher. (Cinco anos depois, o Supremo ainda não tomou uma decisão na Arguição de Preceito Constitucional nº 54.)
No entanto, além do debate jurídico e filosófico em torno do aborto de feto anencéfalo, as pesquisadores acabaram se deparando com muito mais. “Atiramos no que vimos e acertamos no que não vimos”, disse Tamara ao G1. “Ao iniciar-se este trabalho não se pensou que haveria correlação tão significativa entre os temas ‘aborto’ e ‘violência’”, escrevem. No processo de coleta dos dados, elas verificaram que, na maior parte dos casos, as agressões eram praticadas pelo próprio companheiro ou por ex-companheiro. As razões variavam: da indignação de um ex-namorado, por exemplo, por não conseguir reatar, até o cálculo de quem mata a ex-mulher grávida porque já está em outro relacionamento e “não quer haver-se com a ex-companheira gestante de um filho seu”.
Do total de processos vinculando aborto à violência, 67% eram da Região Sudeste, 20% da Sul, 7% da Centro-Oeste, 4% da Nordeste e 2% da Norte. Essa predominância reflete, é claro, o relativo maior acesso ao Judiciário nos estados mais desenvolvidos do país. Quanto à tipificação penal, 63% tratavam de “homicídio e aborto não consentido”. Em segundo lugar destacavam-se casos de “violência sexual de criança ou adolescente até 14 anos e aborto”, com 10%.
Tamara e Thais verificaram ainda que a interferência de argumentação de teor religioso em processos que tratavam de violência e aborto foi ínfima: só 1 acórdão (0,42% do total), do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, citava um versículo da Bíblia e reproduzia um provérbio sobre como “as tantas vezes em que Deus não quer dar aos juízes o esclarecimento de um crime é prova manifesta de que o reserva para o augusto tribunal de sua Divina Justiça”.
“Isso demonstra que talvez temas com maior destaque social, como a anencefalia, insuflem mais posicionamentos religiosos por parte dos magistrados”, escrevem as pesquisadoras.
Muito interessante a pesquisa, que nos fornece um diagnóstico útil para pensar em políticas públicas relacionadas ao abortamento. Pessoalmente, gosto muito de pesquisas do gênero. Só que exigem uma infraestrutura especial. Penso em fazer uma sobre fundamentação de decisões judiciais no que tange à fixação de penas — o que também tem um grande interesse prático. Mas isso ficará para quando Deus der bom tempo.
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