Quando escolhemos a escola de nossa filha, eu e Polyana tivemos os nossos critérios, bastante rigorosos (os leitores do blog à época devem lembrar), e concedemos um voto de confiança à instituição. Não nos deixamos seduzir por tradições, discursos e aparatos físicos. Antes, procuramos um corpo docente que nos transmitisse segurança. Como consequência natural, deixamos que a equipe da educação infantil trabalhasse como achava melhor.
Durante todo o primeiro ano escolar de Júlia, era mais do que evidente que ela estava muito à frente dos conteúdos desenvolvidos em sala de aula. Ela já conhecia todas as letras, números, cores e formas geométricas, p. ex. Mas nunca cobramos absolutamente nada, porque temos consciência de que a iniciação escolar tem uma função maior, ligada ao desenvolvimento socioemocional da criança e de certas habilidades, muitas das quais físicas. Enquanto os mal informados dizem pagar para que as crianças apenas brinquem (e não são poucos os que matriculam seus filhos em escolas para que eles brinquem, mas fora de casa), temos consciência de que uma atividade como colar um pedacinho de lã numa folha de papel cumpre uma função muito específica de estimulação da coordenação motora.
Observamos, assim, um imenso progresso em Júlia. No início do ano passado, ela mal conseguia empilhar três peças de um jogo de montar. No segundo semestre, já conseguia fazer uma pilha grande e passou a segurar muito melhor o lápis de cor. Nunca questionamos, portanto, conteúdos. Estávamos satisfeitos com as novas habilidades de nossa menina.
Veio o segundo ano e, da mesma forma, mantivemo-nos observadores atentos e respeitosos, sem jamais interferir nas deliberações da escola, porque nenhuma violava a nossa compreensão de trabalho bem realizado. Mas eis que as próprias coordenadoras nos chamaram para uma conversa, dizendo que Júlia estava acima das expectativas.
Ao contrário do que pode parecer — e ao contrário do que sentiriam outros pais, talvez a maioria —, nossa reação foi reticente. Eu mesmo fui um aluno adiantado e passei toda a vida escolar sendo o mais novo da classe, o que nem sempre foi bom para mim. Preocupávamos com eventuais custos emocionais da mudança, não apenas os imediatos.
Passadas algumas semanas, quando a conversa finalmente aconteceu, as professoras foram enfáticas: a permanência de Júlia na classe onde estava seria um "desperdício" (textuais). Polyana estava preocupada e eu até mais hesitante que ela. As professoras, contudo, já haviam fechado questão e convenceram a mãe. Como não pude comparecer ao encontro, convalidei minha confiança na escola e em minha esposa, claro. Assim, no segundo semestre, Júlia retornará à escola, mas um nível acima, junto à turma que já vinha visitando há algumas semanas, para se ambientar e para mudar a espécie de atividades (por sinal, bem executadas).
Estou na expectativa de como a nossa pequena se sentirá na nova classe, já que para ela os colegas eram as crianças da sala anterior. Ela já manifestou aceitação ao fato mais de uma vez, porém em uma pareceu em dúvida. O fato é que se a tentativa não der certo, ela poderá voltar. Trata-se de uma aposta que todos estamos fazendo.
O lado bom é que todos possuem um objetivo comum: alcançar o que seja melhor para Júlia.
2 comentários:
Como professora, mas principalmente como 'vítima' desse adiantamento que desrespeita o andamento natural do desenvolvimento intelectual do indivíduo é que estou aqui sugerindo que você seja cauteloso com a decisão que tomar em relação ao adiantamento de sua filha. Como pai, sei que deve ter o maior orgulho de sua filha, creio que era assim que meu pai se sentia, por isso permitiu com que me adiantassem na escola. Vou relatar minha história: Tenho 48 anos, aprendi a ler sozinha aos 3 anos, aos 4 já escrevia e lia tudo o que encontrava pela frente, minha família era pobre, aos 5 anos, minha mãe escondia os livros de mim porque diziam a ela q eu podia ficar 'maluca' por ser tão nova e preferir ler a brincar. Aos 6 anos eles me colocaram numa escolinha para ser alfabetizada, pois apesar de ler e escrever eu não havia desenvolvido bem a coordenação motora. No meu primeiro dia de aula a professora faltou e como não podiam me devolver para casa, colocaram-me numa turma de 2ª série para esperar o final da aula. Sentei lá e copiei e resolvi todo o exercício. As professoras enlouqueceram com o meu desempenho e eu acabei ficando por lá. No ano seguinte, aos 7, com idade legal de entrar na escola pública, fiz um teste e entrei direto na 3ª série, quando deveria estar cursando a 1ª. Nas aulas de História, a professora explicava a matéria e eu ficava na esperança de que um daqueles personagens fantásticos entrasse pela porta, quem sabe Pedro Álvares Cabral, com aqueles trajes belos em que aparecia no livro, apareceria ali na escola naquele dia. Enfim, minha coordenação motora não tinha sido bem trabalhada, o que resultou numa letra confusa, que só consegui mudar já adulta, quando comecei a dar aulas. Hoje escrevo uma letra perfeita de caderno de caligrafia, perfeita, cursiva, mas não original, não a minha letra, mas hoje todos a elogiam, diminuindo o trauma das notas baixas das belas redações escritas com letra feia. Hoje sei que sempre escrevi bem, mas naquela época nunca tive a minha como a melhor redação da turma. Fui em frente. Aos 12 anos fui para o Ensino médio, fui fazer Administração (naquela época era por curso) escolha imatura que fiz porque queria estudar no Souza Franco. Foi horrível, eu não tinha maturidade para aquilo, o Professor falando de Kant, Ford, e outras personagens da Administração e eu perdida naquele discurso adulto demais. Resultado, repeti dois anos, mesmo assim conclui aos 16 anos. Não consegui passar logo no vestibular. Comecei a dar aulas e resolvi refazer o Ensino Médio, dessa vez madura, sabendo o que queria, fiz Magistério, depois fiz Letras na UFPa. Hoje sou Professora, realizada com o que faço, inclusive admiro-o como professor dedicado que você é e identifico-me muito com sua prática. Voltando ao ponto inicial, sei que não estudei em escolas legais com pessoas preparadas para me orientar como penso que acontecerá com sua filha, mas o que resultou dessa história foi a frustração e a sensação de fracasso que carreguei por algum tempo por deixar de ser aquele gênio que era na série que deveria cursar e não passar de uma aluna mediana e imatura na série em que me colocaram. Nunca culpei meus pais por minha frustração, sei que eles não tiveram intenção de me prejudicar, mas sempre que posso, desaconselho esse tipo de atitude. Penso que depois é tarde para corrigir. Desculpe o desabafo, não pretendia ir tão longe em meu relato, pode até ser um monte de bobagem, afinal estou falando de décadas atrás, outras metodologias, educação mais rígida, menos conhecimentos didáticos-pedagógicos, enfim, mas bem que eu gostaria de que naquela época alguém tivesse conversado assim com meus pais.
Um beijo na Júlia.
Cara colega professora, realmente, dá para perceber que você vivenciou formas de interação com a criança bem próprias da "nossa época" (ainda detesto dizer isso), nas quais o sucesso escolar era exclusivamente conteudista e comportamental. Mas isso não prejudica suas conclusões e posso afirmar que minha esposa concorda totalmente com suas preocupações quanto à maturidade de Júlia nas turmas para onde for - não agora, nem no ano que vem, mas no futuro -, a ponto de usar argumentos semelhantes.
Além de também concordar com isso, identifiquei-me com as dificuldades de coordenação motora, um problema que me acompanhou a vida inteira e não foi superado. Minha caligrafia é totalmente legível, mas titubeante, e me atrapalha quando preciso escrever no quadro - veja só, algo que faço todo dia, por força da profissão!
Tive outros prejuízos provocados pela coordenação motora ruim, por isso reconheço a importância dessa etapa da vida escolar.
Em suma, Júlia vai para a série seguinte, mas estaremos atentos como nunca as suas respostas, a começar pelas emocionais.
Agradeço as suas palavras. Esteja certa que daremos atenção a elas.
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