Direi sem meias palavras: a jurisprudência brasileira é covarde em matéria de indenizações. Covarde em qualquer acepção pejorativa que a palavra possa ter.
Tenho dito isso há algum tempo, por me deparar com casos nos quais a reparação judiciária do dano me pareceu ridícula. Casos, faço questão de destacar, que não diziam respeito a ninguém que eu conhecesse, muito menos a mim mesmo, que jamais fui autor ou réu de qualquer demanda.
Hoje me deparei com esta notícia acerca de um economista que se submeteu a uma cirurgia para correção de desvio de septo, portanto um procedimento considerado simples, e por imperícia do cirurgião acabou com o rosto deformado. Qual o montante da reparação? 20 mil reais, mais danos materiais e uma pensão mensal no valor de um salário mínimo (desconheço até que idade).
Abstraindo a pensão e a reparação por danos materiais (estes correspondem a algum prejuízo concreto suportado pela vítima), interessa-me o dano moral, que é onde a tal covardia se expressa inclemente. Os brasileiros, de um modo geral, são extremistas; é o velho problema dos 8 ou dos 80. Se não sabemos buscar o caminho do meio, nunca alcançaremos o equilíbrio.
Nos Estados Unidos, pleitear uma indenização em juízo pode ser bastante rentável (o vocábulo foi escolhido propositalmente). O judiciário concede indenizações fabulosas por motivos que, a nós, podem parecer banais, tais como o consumidor queimar a língua com um café muito quente, embora qualquer criança seja ensinada, desde muito cedo, a tomar cuidado com alimentos quentes. Mas se você for hoje a uma loja Spoleto, p. ex., e pedir um prato gratinado, ele virá com uma papeleta gritando na sua cara: "MUITO QUENTE". Uma cautela para, em caso de problemas, poder-se alegar que o consumidor foi alertado e, se se queimou, foi por culpa própria.
Também se conseguem belas indenizações em situações abusivas e absurdas, tais como o ladrão que, tendo ficado preso na casa em que pretendia furtar, exigiu reparação dos donos da casa, que por sinal estavam em viagem de férias. Aqui, o Brasil merece um elogio: no único caso semelhante de que tenho conhecimento, em nosso país, o assaltante pediu indenização, salvo engano, por ter sido agredido pelo dono do estabelecimento que pretendia assaltar, mas o juiz rejeitou a petição inicial e esbravejou que a admissão de tal demanda seria uma inversão ética intolerável.
Há também as situações que parecem piadinhas de Internet, mas que são verídicas, como o caso da mulher que pôs o gato para secar no micro-ondas e o bichano morreu! Daí ela processou o fabricante do aparelho e venceu, sob o argumento de que não havia, no manual, nenhuma advertência sobre a colocação de animais vivos no micro-ondas. Ridículo, não? Mas o dever de informar é uma das características mais importantes do direito do consumidor e geram responsabilidade. Não à toa, os manuais de equipamentos, hoje, são enormes e prestam informações que ultrapassam o ridículo, tais como não passe a ferro esta camisa quando a estiver vestindo!
Já se fala de pessoas que provocam incidentes e ingressam com diversas ações judiciais. O objetivo seria fazer das indenizações um meio de vida. O sujeito se tornaria um litigante profissional, literalmente.
As autoridades brasileiras fizeram uma opção por defender a ética, combatendo aguerridamente a indústria de indenizações. Mas como não acertam a mão, passaram ao outro extremo: percebem o dano, admitem o dever de repará-lo, mas consideram tudo como locupletamento. E para evitá-lo, como defensores intergaláticos da justiça, concedem migalhas, vergonhosas no contexto do mal sofrido pela vítima. Sendo contraproducente, agora, garimpar pelos tribunais decisões sobre o tema, cito apenas um precedente, que me pareceu didático: num caso de indenização por morte devido à demora no atendimento médico, o Superior Tribunal de Justiça aumentou a indenização para 150 mil reais. Mas numa rápida olhada encontrei casos de indenização por morte no valor de 20 mil reais, p. ex. em situações de acidente de trabalho.
Naturalmente, devemos coibir a má fé e evitar que facínoras usem seus dramas pessoais para se dar bem. Mas não pode ser desse jeito, jogando no lixo a dignidade e os sentimentos de seres humanos, principalmente quando no polo passivo da obrigação estejam pessoas físicas ou jurídicas de elevada capacidade econômica.
Ser brasileiro é muito difícil. Nós não valemos muita coisa e quem diz isso não são os argentinos: somos nós mesmos.
5 comentários:
Já quando a indenização é a favor de juízes, os valores sempre são bem "bonitinhos". Há tempos venho observando isso, e colaciono dois exemplos :
1)A jornalista Eliane Cantanhêde e a empresa Folha da Manhã S.A., que publica o jornal Folha de S.Paulo, não conseguiram reverter decisão que as condenou a pagar R$ 100 mil por ofensas ao juiz Luiz Roberto Ayoub, da 1ª Vara Empresarial do Rio, em artigo. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, negou provimento ao recurso das rés.
2) A Igreja Universal foi condenada pela 44ª Vara Cível do TJ do Rio a pagar R$ 100 mil ao juiz João Batista Damasceno.
Em 2006, ele foi agredido por seguranças da catedral de Del Castilho ao tentar soltar um sobrinho, mantido em cárcere privado.
Já quando é com o cidadão comum(já que os magistrados se consideram uma elite, intocáveis) as indenizações sempre são uma merreca. Sempre vêm com aquele papo de que não pode haver enriquecimento sem causa.
Condenem a TIM, a OI, a CLARO ou a VIVO, nesses casos diários que entopem o Judiciário, a indenizações de R$ 10 mil ou R$ 20 mil para cada defeito ou conexão que não funciona, e veremos o sistema funcionando maravilhosamente em poucos dias. Multá-las em R$ 500,00, como é o usual, não tem o condão de puní-las.
Nessa linha, outra balela nesse nosso Brasil, são as multas aplicadas. Alguém já avaliou quantas delas são pagas? Só ouvimos e lemos que o IBAMA ou a ANATEL, ou algum outro órgão multou a empresa "X" em R$ 3 milhões (esse valor é mágico, não sei por que. Todas as multas são até R$ 3 milhões).
Mas vejam quantas delas são pagas. Quase nenhuma. Todos recorrem, a multa é revista, etc, etc.
Das multas e penas aplicadas pelo TCU, vocês sabem quanto é efetivamente pago ou devolvido aos cofres públicos pelos safados? Apenas 1%. Isso mesmo. Só 1%.
Adianta multar? Adianta ter um TCU coalhado de ministros que foram ex-deputados e ex-senadores cheios de problemas éticos e morais?
Ufa. Bom final de semana
Kenneth Fleming
Em tempo : acho que não é a "jurisprudência brasileira" que é covarde em relação às indenizações. São os juízes. São eles que julgam e "criam" as jurisprudências.
Kenneth Fleming
Já vi um caso onde a juíza considerou que uma grande operadora de celular "violava reiteradamente a lei" (palavras da sentença), logo, a condenava a uma indenização de mil reais.
Claro que a empresa viola reiteradamente a lei, com esse tipo de indenização é mais barato pagar eventuais montantes nesse valor do que cumprir a lei!
Pimenta nos olhos dos outros é refresco, mas e o que falar do direito e processo penal então?
E deferir HC pra estuprador e homicida responder em liberdade, mesmo sem residência fixa, em menos de um mês? Alguns dizem que se trata de um avanço no direito penal em favor do difícil acesso à propriedade privada no Brasil.
Isso sim é jogar no lixo a dignidade e os sentimentos dos seres humanos que foram vítimas desses assassinos que dificilmente podemos considerar seres humanos.
Kenneth, realmente um grande problema neste país é esse punitivismo para inglês ver. A utilização do Direito Administrativo em vez do Penal pode ser muito benéfica para impedir condutas danosas, mas tanto um quanto outro caem em absoluta inidoneidade sem as decisões não se efetivam.
É uma lástima, mas as punições não se consumam. Inevitável lembrar a recente proibição a telefônicas de vender novas linhas, que durou dois dias e redundou mais em promessas do que em ações efetivas.
No mais, esclareço que redigi a frase destacada de forma impessoal - "a jurisprudência" - de caso pensado. Como psicológo, hás de entender.
Das 17h20: você entendeu a moral da história. Se há o dano e ele é reiterado (portanto, contra várias vítimas), deveria ser tomada uma medida efetiva e não um simulacro ridículo de punição.
Das 19h14: "Aham. Senta lá, Cláudia."
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