A permissão para abortar em caso de estupro é uma norma bastante difundida no mundo. Difícil é crer que, em 2012, países em que normas nesse sentido já existiam criem obstáculos ao exercício do direito. Mas foi o que aconteceu na Argentina, que anda mesmo pelas tabelas sob uma forte crise econômica e uma presidência fora do prumo. E aconteceu num caso extremo, em que a mulher vítima de estupro fora refém de uma rede de tráfico humano!!!
O abortamento já estava marcado quando uma organização não-governamental ingressou em juízo e conseguiu uma ordem impeditiva, que só foi revertida agora, na Suprema Corte de Justiça, lá onde o mestre Eugenio Raúl Zaffaroni exerce as suas funções.
O caso me fez lembrar a situação que, em nosso país, gerou toda a batalha perante o Supremo Tribunal Federal, em torno do abortamento de fetos anencéfalos. O casal queria interromper a gestação e já possuía uma decisão judicial favorável. Foi aí que um padre que não tinha nada a ver com eles e morava em outro Estado se meteu na história, impetrou um habeas corpus e gerou um fuzuê dos diabos. Literalmente dos diabos. Foi aí que escrevi esta postagem aqui, de 2006 e portanto muito anterior ao julgamento da ADPF 54.
Fico absolutamente furioso de pensar que, numa demanda entre parte A e parte B (ou mesmo que não seja entre particulares, mas uma demanda pessoal deduzida frente ao Estado) possa vir um feladiputa sabe-se lá de onde, sem nenhuma relação direta com o caso, sem direitos ou poderes sobre a situação, e exista para ele um procedimento judicial que, ainda por cima, tem sucesso! Existe uma boa distorção na percepção de interesse público, ao que me parece.
Ao mesmo tempo em que devemos reforçar o acesso à justiça, devemos nos preocupar com a guarida que o Judiciário — em mais de um país, como se vê — tem dado a pretensões de estranhos à causa, com visível prejuízo à cidadania. Em suma, até onde deve ir o direito de ação?
PS — Aos corações sensíveis que possam ter-se incomodado com o tabuísmo escrito acima, devo dizer que este blog, batizado de Arbítrio, está hoje num de seus dias autênticos: valorativo, engajado e sem meias palavras. Então não reclame.
Um comentário:
Todos sabem que o aborto nunca foi legalizado no Brasil por pressão das diversas entidades religiosas, que se opõem inclusive a todas as iniciativas de difusão de métodos anticoncepcionais. Não sou daqueles que acham que a "religião é o ópio do povo", mas basta rever a história para perceber que as infindáveis religiões mais fizeram mal do que bem para a humanidade.
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