segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Última postagem de 2012

Meus queridos, passei o dia esperando que alguma coisa especial acontecesse, mas a maioria das notícias com que me deparei não apresentavam um clima compatível com a comemoração de hoje. Não que devamos retirar os olhos e os pés da realidade, mas todos precisamos, precisamos mesmo, de um tempo para relaxar, para esquecer um pouco as mazelas do mundo. É uma necessidade de sobrevivência. E convenhamos, todos merecemos.
2012 teve as suas novidades e as suas alegrias. Para mim, foi bem melhor do que o seu antecessor. Tenho bons prognósticos para 2013. Não que vá acontecer algo de especial, mas a conjuntura que se apresenta é favorável e promissora.
Desejo todo o bem do mundo para vocês. De coração. Espero que em 2013 continuemos por aqui, melhorando as ideias e os laços.
Deus abençoe vocês.

Despedidas de 2012

Começou o último dia do ano. Poderíamos pensar em um monte de coisas para dizer, mas acho que vou lhes desejar o mesmo que Cazuza:

todo amor que houver nessa vida
(e algum trocado para dar garantia)

domingo, 30 de dezembro de 2012

Sem limites

Que eu me lembre, nunca ouvira falar de um filme chamado Sem limites (Limitless, dir. Neil Burger, EUA, 2011), que apareceu gravado aqui por casa. Li a sinopse e, sem maiores expectativas, assisti.

Estrelado por Bradley Cooper, famoso por causa de Se beber não case, a trama conta a estória de Edward Morra, um aspirante a escritor que conseguiu um contrato para escrever um livro, mas está sem nenhuma perspectiva de vida: sem dinheiro, bebendo, endividado, com a autoestima no chão e sofrendo a derradeira rasteira ao perder a namorada, que compreensivelmente não suporta mais o contexto de autodestruição. Rumo ao fundo do poço, ele encontra casualmente o ex-cunhado, que lhe oferece um comprimidinho. Alegando tratar-se de uma droga legal, em fase de pré-lançamento no mercado, promete que com ela será possível utilizar 100% da capacidade do cérebro. O roteiro tem, portanto, pitadas de ficção científica.

O fato é que Morra experimenta a droga e fica absolutamente concentrado e focado. Tudo o que ele leu ou tomou conhecimento de qualquer modo durante toda a sua vida se tornou informação organizada, acessível e disponível. O sonho de um cara como eu. Mas é claro que existe um porém: o efeito químico dura apenas um dia. É necessário engolir outra pílula. E aí começam os problemas, que inserem na trama mistério, assassinatos, conspiração. À medida que Morra vai se tornando um homem de sucesso e ganhando dinheiro, os olhos se voltam para ele: da imprensa ao bandidinho de gueto que acaba enxergando na droga a chance de enriquecer.

O filme conta ainda com a participação de Robert De Niro, o que deveria ser, mas já não é garantia, porque o respeitável veterano não faz nada que preste há mais de uma década. Aqui, De Niro interpreta um investidor que acaba se revelando um perigoso conspirador.

Como eu não esperava nada, fiquei gratamente surpreso com um roteiro bem amarrado, que não tenta ser genial e vende seu peixe em apenas 1 hora e 45 minutos. No entanto, a grande surpresa para um roteiro do gênero é que o final não é previsível. Mesmo a sucessão de reviravoltas já integra a conhecida cartilha de Hollywood (e temos em A negociação, com Richard Gere, ora em cartaz nos cinemas da cidade, uma demonstração do que digo), mas em Sem limites, quando o vencedor aparentemente leva um golpe definitivo, acaba revelando uma carta na manga que não tinha sido considerada, absolutamente plausível no contexto do enredo, e que o confirma como o vencedor da batalha.

Gosto de ser surpreendido por uma boa estória. Por isso, recomendo o filme como uma ótima opção de entretenimento. Experimente. E sonhe com a possibilidade de, graças apenas ao seu cérebro, fazer tudo o que sempre quis.

Caindo aos pedaços

Nada mais sintomático do que foram os 8 anos da miserável era Duciomar Costa: a "inauguração" de um shopping popular, na Rua João Alfredo. Nada mais que um camelódromo, o que por si só não é algo mal. Muito pelo contrário. Conheci um no Município de São José, vizinho a Florianópolis, muito bom. Uma estrutura daquelas, aqui em Belém, seria algo ótimo, porque é fundamental disciplinar o comércio, tirando a balbúrdia das ruas e assegurando, minimamente, a procedência lícita das mercadorias.

Mas em vez disso, o que temos aqui é um prédio porcamente reformado, com gravíssimos problemas internos, e até mesmo de salubridade, muito embora dentro dele deva funcionar um restaurante popular. Tudo isso segundo a imprensa tem publicado. Claro que as desculpas já apareceram: o andar superior pertenceria a particulares e a prefeitura nada poderia fazer em relação a essas unidades.

Na página da prefeitura, apenas uma notícia, de evento futuro. Não houve atualização. No Portal ORM, contudo, leio que a "inauguração" realmente aconteceu. Na matéria, sem imagens, o presidente da associação de ambulantes afirma que "Após a entrega da obra, o primeiro passo é articular a vinda de lojas e serviços âncoras, o segundo passo é capacitar os trabalhadores e o terceiro é abrir linhas de crédito para que os trabalhadores possam investir no novo local de trabalho."

Entenderam? Só entregaram o prédio (sim, caindo aos pedaços). Falta fazer todo o resto. Os trabalhadores não chegarão a nenhum lugar simplesmente se instalando no local.

Enquanto isso, o Diário do Pará, em sua principal coluna, noticia hoje que, "No apagar das luzes, sem estudo técnico ou planejamento", o ainda prefeito-desastre assinou sete concessões de linhas de ônibus para Belém, para beneficiar dois apaniguados seus, um deles o líder de seu partido em Castanhal. Alegadamente, os outros empresários do setor pedirão ao novo prefeito que reveja a deliberação.

De minha parte, fico com a mesma pergunta de todo final de governo: por onde andarão os discos rígidos dos computadores da Administração Pública?

Tudo típico. Absolutamente típico.

sábado, 29 de dezembro de 2012

Mais cargos na Defensoria Pública da União

Prevista pela Constituição de 1988, a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios foi regulamentada pela Lei Complementar n. 80, de 12.1.1994 (bastante modificada pelas Leis Complementares n. 98, de 3.12.1999, e n. 132, de 7.10.2009). Sua missão institucional consiste na orientação jurídica, na promoção dos direitos humanos e na defesa, "em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados". O sistema como um todo abrange as defensorias públicas dos Estados e dotou a instituição de características e prerrogativas semelhantes às do Ministério Público.
A Lei n. 12.763, de 27.12.2012, publicada e vigente no dia seguinte, criou 732 cargos de defensor público federal de segunda categoria; 48 cargos de defensor público federal de primeira categoria e 9 cargos de defensor público federal de categoria especial. Essas nomenclaturas indicam não apenas a evolução na carreira, mas a medida de atribuições: os defensores públicos federais de segunda categoria atuam perante o primeiro grau de jurisdição, Tribunal Marítimo e instâncias administrativas; os de primeira categoria atuam perante tribunais, inclusive eleitorais, e turmas de juizados especiais federais; e os de categoria especial atuam perante os tribunais superiores e Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, salvo Supremo Tribunal Federal, onde atua o Defensor Público Geral.
Os concursos serão abertos, certamente, a partir do próximo ano. Os interessados podem começar a estudar. Mas lembrem-se: o regime de previdência complementar do serviço público federal já está valendo. Aquele papo de segurança financeira na velhice não existe mais.

Acidente não é culpa

A imprensa está repercutindo um lamentável episódio ocorrido hoje no Rio de Janeiro, em que uma criança de 1 ano e 4 meses caiu do quarto andar de um apart-hotel, vindo a morrer. Não há muitas informações até o momento, mas parece que, na mureta de proteção da sacada, predominantemente de vidro, havia um espaço largo o suficiente para que uma criança daquele tamanho passasse, sendo essa a causa imediata do infortúnio. Não está claro se faltava uma placa de vidro, se houve falha na construção, etc. Sabe-se apenas que a polícia instaurou inquérito para apurar o fato, tomando-o como homicídio culposo.

A reportagem também não esclareceu se já há e quem seria o possível autor no delito, no entendimento da polícia. Pelo que entendi, as atenções estão mais voltadas para os responsáveis pelo apart-hotel do que para os pais.

Queria me concentrar justamente nos pais.

A família havia acabado de chegar ao prédio e estava entrando no apartamento, tanto que o carregador das malas ainda estava presente. Segundo o pai, a queda aconteceu no momento em que a mãe, que acompanhava a criança na sacada, se virou para falar com o marido. Depreende-se daí que a situação da sacada era mesmo insegura, o que permitiu a queda tão rapidamente, e que ainda nem sequer houvera tempo para os adultos conhecerem o ambiente. Sem condições de conhecer o local, não perceberam o perigo. E quem desconhece o perigo dele não se protege, obviamente.

A imprensa costuma destacar o dolo e a culpa, reduzindo-os a uma questão de intenção. Não esclarece, todavia, intenção de quê, o que faz toda a diferença. Mesmo em sala de aula, os alunos neófitos dão mostras claras de não perceber a diferença, até serem alertados de que se trata de uma intenção quanto ao resultado de uma conduta que precisa ser voluntária. Assim, numa definição rasteira, age com dolo quem tem a intenção de, por meio da conduta A, produzir o resultado B; e age com culpa aquele que, por meio da conduta A, voltada ao resultado B (que o mais das vezes é lícito), acaba produzindo o resultado C, por um defeito na maneira de realização da conduta.

Nada disso, porém, elimina a possibilidade dos verdadeiros acidentes, fatos que, por definição, são imprevisíveis. Na culpa, pune-se o indivíduo por deixar de prever um perigo ou um resultado que lhe era previsível nas circunstâncias em que se encontrava. Naturalmente, se o fato é previsível, não se pode exigir que as pessoas se precavenham quanto a ele, o que implica em dizer que não agem culposamente.

Some-se a isso o princípio da confiança: todos nós partimos da pressuposição de que as outras pessoas agem de acordo com regras, não necessariamente leis, mas regras de cuidado, ditadas pela experiência e pelo conhecimento. Não é humanamente possível que um indivíduo esteja 24 horas por dia alerta a todas as possibilidades de perigo. Assim, quem entra num apartamento liberado, em funcionamento há tempos, parte do pressuposto de que as sacadas são seguras. É natural pensar assim, o que corresponde à boa fé. Duvidar da segurança seria exigível apenas se houvesse uma razão particular para isso, como avisos dados por terceiros.

Tudo isto é para dizer que não vejo como responsabilizar os pais do menino por essa tragédia, se é que alguém pensou nisso. A menos que tivessem reparado na sacada ou sido alertados a esse respeito, o que nã parece ser o caso.

É de congelar a alma, ainda mais num dia que já está triste por aqui, pensar que uma família viaja para comemorar o réveillon e tem que enfrentar um drama dessa magnitude. Por isso envio meus bons pensamentos a esses pais e demais familiares, esperando que as circunstâncias do sinistro sejam apuradas, para que algo assim nunca mais se repita.

Atualização em 2.1.2013:

Perícia realizada pelo CREA do Rio de Janeiro concluiu que as medidas da varanda estavam irregulares, havendo um vão grande o suficiente para causar um acidente até mesmo com um adulto. Creio que isto reforça as afirmações acima.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

"IPVA Cidadão"

Anunciado para 2013 o "IPVA Cidadão": desconto de 15% para os proprietários que não possuam multas nos dois últimos anos e de 10% para quem não tiver multas no ano anterior. Achou a esmola muita? E é. O desconto é tão "cidadão" que somente será concedido para quem optar pela antecipação tributária e pagar o tributo integralmente até a data estabelecida para a primeira parcela da antecipação, que ocorre dois meses antes do prazo normal.
Ou seja, a medida supostamente criada para estimular a boa conduta no trânsito revela a sua verdadeira face: é tão somente uma medida arrecadadora. É Pará isso. E ainda há quem beije a mão e outras partes do corpo dos tucanos.
A regulamentação da esmola (Decreto n. 640) foi publicada hoje no Diário Oficial do Estado.

Site da Secretaria da Fazenda.
Aqui, a notícia da Agência Pará, cinicamente induzindo a erro: "Governo concederá até 15% de desconto no IPVA 2013". Aí você lê a matéria e encontra as letras miúdas.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O velho e o mar

Faz muitos anos que li O velho e o mar, um dos mais famosos romances do escritor estadunidense Ernest Hemingway. Publicado originalmente em 1952, conta a estória de Santiago, um idoso pescador que há três meses não consegue pescar nada. Ávido por recuperar a autoestima e a imagem perante os companheiros, ele se lança em uma perigosa empreitada solitária e acaba por realizar um grande feito: fisga um espadarte imenso, o maior peixe já pego por aquelas bandas. Grande o suficiente para resistir por dias, puxando Santiago cada vez mais para alto-mar. Ou seja, as coisas não saem exatamente como planejado.

O belo romance me fez um grande bem quando o li, em sua profunda simplicidade, no estilo e no tamanho, já que possui pouco menos de cem páginas. Mas como tantas coisas que acumulei ao longo dos anos, ele acabou em alguma estante pela casa de minha mãe. Agora, todavia, ele precisa ser reencontrado, porque está em seu destino uma tarefa grandiosa.

Semana passada, enquanto aguardávamos o jantar em meio às peregrinações natalinas, eu precisava distrair Júlia e ela, como de praxe, me pediu para contar uma estorinha. Pediu para que eu contasse de novo a estória da orca e do camarão, que eu inventara uns dias antes, para fazê-la adormecer. Em vez disso, contei-lhe a saga de Santiago, numa síntese bastante apertada, é claro. Ela ficou vivamente interessada e agora, de vez em quando, toca no assunto e já me pediu para contar de novo. Decidi fazer melhor: pedi que encontrassem o livro na casa de minha mãe e, na primeira oportunidade, vou ler para ela. A própria Júlia pediu que eu lesse para fazê-la dormir.

Agora imaginem vocês, este amante dos livros e das boas estórias diante da possibilidade de ler um clássico (e um clássico adulto!) para sua filha de 4 anos!

Embora não goste muito da obra, já tentei ler Alice no país das maravilhas. Foi este ano, mas Júlia não deu bola. Eu mesmo decidi não insistir. Mas O velho e o mar trata de fatos acessíveis à imaginação da criança, exceto pela complexidade psicológica, naturalmente. Decidi então me aproveitar disso e do fato de que o livro contém ilustrações para prender sua atenção. Além do mais, nunca tratamos Júlia como uma criança tola: sempre falamos com ela de modo objetivo e correto. Se ela me pergunta por que chove, não invento bobagens: respondo que o calor faz a água dos rios e mares evaporar, que essa água se concentra nas nuvens e, quando estas ficam muito cheias, chove. Simples assim.

Parto do pressuposto de que devemos oferecer muito às crianças. Se elas não alcançarem tudo, assimilarão uma parte e o restante ficará para o momento oportuno. Mas não sabemos o quanto elas são capazes de assimilar, então não nivelo por baixo. Tem dado muito certo.

Portanto, lerei O velho e o mar para minha pequena Júlia. Lerei exatamente como está publicado no livro, devagar, dando-me ao trabalho de explicar tudo o que ela possa não ter entendido, perguntando de vez em quando se ela está me acompanhando.

Há anos espero pelo momento em que ela, por fim, prestará atenção aos livros que quero ler em sua cabeceira. Talvez essa deliciosa fase se inicie hoje. E eu não vejo a hora!

Deve demorar um tempo. Mas quando terminar, conto para vocês o que Júlia achou do velho Santiago e do poderoso espadarte.

O hobbit 2

Que o livro O hobbit daria um excelente filme, era uma obviedade. Ele funcionaria mesmo que não houvesse O senhor dos aneis, embora certamente não fosse galgar o mesmo prestígio que tem hoje. Com o estrondoso sucesso da trilogia, filmar a "prequela" se tornou algo óbvio. Nem bem O retorno do rei chegava às telas, em 2003, a produção de O hobbit já estava reunida. Mas nem o grande interesse em torno do projeto nem o capitalismo evitou o transtorno que se desenrolou nos anos subsequentes. Aconteceu de tudo na produção: brigas com os herdeiros de Tolkien, desentendimentos criativos, problemas de elenco, etc. O próprio Peter Jackson deixou a direção; outros cineastas foram convidados e, por alguma razão, não deu nada certo. Jackson reassumiu o comando do barco e, sete anos depois, os trabalhos finalmente ganharam ritmo.

A trama envolvendo um povo rico e orgulhoso (os anões), um povo pacífico (os hobbits), um dragão (Smaug), um mago de credibilidade questionável (Gandalf) e diversos seres curiosos acabou sendo inicialmente dividida em duas partes, para o cinema. Até aí tudo bem. Fiquei, contudo, severamente aborrecido ao saber que o projeto fora dividido em três capítulos. Primeiro porque essa modinha de trilogias já deu o que tinha que dar. Segundo, e mais importante, porque ninguém me tira da cabeça que essa decisão se motivou acima de tudo pelo objetivo de encher os bolsos dos capitalistas. Digam o que disserem, não vejo outra explicação. Dois filmes, vá lá; três, é oportunismo.

Para desenvolver um projeto triplo, repetindo a estratégia de filmar tudo de uma vez só, Jackson empregou basicamente três artifícios:

  • Inserir na trama elementos do universo tolkeniano que não aparecem no livro O hobbit e que foram encontrados em outras obras, o que por si só não é mal, pois amarra o curso da estória e a construção dos personagens, além de que provavelmente ninguém jamais filmará O Silmarillion. Mas houve outras inserções: os roteiristas chegaram ao ponto de criar um personagem jamais cogitado por Tolkien, um elfo que será interpretado pela bela Evangeline Lilly (a Kate, de Lost). Linguiça? Só o tempo dirá.
  • Rechear o filme de amenidades, como as cenas de canções, que realmente existem nos livros, mas costumam aborrecer até os fãs. Elas foram eliminadas em O senhor dos aneis, que por sinal dispensou até o personagem Tom Bombadil, de quem se suspeita ser ninguém menos que Ilúvatar (Deus, para simplificar), mas que aparece pulando, cantando e interagindo com a natureza. Todos odeiam Tom Bombadil e, convenhamos, a trilogia não sentiu a menor falta dele. Nela, há duas cenas de canto: o hobbit Pippin canta para Denethor, regente de Gondor, que lhe dá essa ordem para impedi-lo de argumentar sobre a importância de entrar na guerra contra Sauron; e Aragorn, já Rei Elessar, canta brevemente em sua coroação. Mas as duas cenas se justificavam em seus contextos.
  • Apelar para as cenas de ação. Afinal, é assim que o povo de hoje gosta de um filme; complexidade psicológica é um recurso para uma geração que vai ficando perigosamente para trás. O hobbit tem muitas cenas de ação, longas e elaboradas. E, desgraçadamente, vemos nelas resquícios daquele Peter Jackson que legou ao mundo uma versão patética de King Kong (um dos filmes mais idiotas que já vi), levemente comparáveis aos insuportáveis pastelões de Steven Spielberg, que eu considero um mala com aquelas ceninhas de pessoas tentando pegar um objeto que é chutado de um lado para o outro. Deixei de vir filmes do Spielberg por causa disso e tenho pavor do que Jackson pode fazer com uma trama que não merece isso.
Sim, eu gostei de O hobbit  Uma jornada inesperada. Mas ainda no meio da projeção eu já estava profundamente preocupado com os rumos que podem ser dados à estória pelo diretor, se ele se focar nos lucros e não no rico material de que dispõe. Ou se mergulhar em idiossincrasias pessoais. Explico-me: Jackson declarou, em uma entrevista, que filmou O senhor dos aneis para ganhar nome e recursos para um projeto que ele acalentava desde que se tornara cineasta: King Kong. Era uma espécie de sonho de infância. E aí ele fez o que fez. Transformou O senhor dos aneis em um meio para atingir um outro fim (uma ofensa, para um fã) e esse fim foi vergonhoso. Quem age assim pode estragar qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo.

Não há exatamente uma conclusão para esta postagem. O filme sob comento, seguindo com boa fidedignidade o original, mostra como Bilbo Bolseiro, um típico hobbit — pacato, avesso a emoções, simplório, basicamente um agricultor, glutão e apegado ao seu torrão natal  acaba entrando numa caravana formada pelo mago Gandalf e um grupo de treze anões (que não correspondem ao que conhecemos por anões) para resgatar a terra destes, dominada há muitos anos por Smaug, o mais terrível dos dragões. Eles só precisam matar Smaug e recuperar o reino. Só isso. E no meio do caminho há alguns percalços, trolls e orcs, p. ex. E há, também, Gollum.

Para grande alegria dos fãs, Jackson deixou claro que o filme atual pertence ao mesmo universo de O senhor dos aneis. Logo que a projeção começa, você escuta uma variação do tema musical dos hobbits e reconhece o cenário. As cenas mostram os momentos que antecedem a famosa festa de aniversário de Bilbo, apresentando situações que não foram vistas em A sociedade do anel. Com prazer, revemos rostos que se tornaram caros para nós, interpretados pelos mesmos atores, que um a um concordaram em retornar ao universo tolkeniano. Lá estão o Bilbo de Ian Holm, o Frodo de Elijah Wood, o Gandalf de Ian McKellen, o Elrond de Hugo Weaving, a Galadriel de Cate Blanchett. Mas ninguém provocou uma reação tão forte no público quanto o Gollum de Andy Serkis. À sua simples aparição, a plateia soltou exclamações vivas, mostrando quem é que manda no pedaço.

Em suma, O hobbit já pegou seu público pelo pé. E tem muito a oferecer. Só não pode perder o rumo.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O hobbit

Num mundo que consome blockbusters com voracidade e empresta valor demasiado a obras duvidosas, como Matrix e Harry Potter, além de lixos como qualquer filme feito por Arnold Schwarzenegger e franquias como Piratas do Caribe e a "saga" dos vampirinhos emo, causa-me profundo espanto a repulsa e o preconceito contra a trilogia O senhor dos aneis, que acaba, assim, tornando-se um nicho para fãs, a despeito de seus inegáveis méritos. Sou tentado a comparar com a repulsa igualmente vigorosa ao seriado Lost e isso me induz a uma especulação que deixarei de lado.

Com efeito, você pode até não gostar do tema, do conteúdo ou do estilo, mas se um dia parou para se inteirar do esforço descomunal que J. R. R. Tolkien empreendeu ao longo de décadas para compor uma mitologia própria, chegando a exageros como criar diversos idiomas (as línguas faladas na Terra Média, o que ele pode fazer por ser um linguista talentoso), desenhar mapas detalhados e medi-los com uma régua, a fim de calcular quanto um hobbit seria capaz de avançar em um dia de caminhada (considerando as pernas curtas, os pés grandes e o grande vigor), para escrever cenas condizentes com a marcha, terá que admitir que se trata de uma obra incomum e com méritos singulares, que dificilmente serão imitados, embora haja muitas tentativas. As tramas épicas, sequenciais e cheias de mapas viraram moda, sendo as Crônicas de gelo e fogo, base do célebre seriado Game of thrones, o melhor dos exemplos.

De modo semelhante, a trilogia cinematográfica também guardou seu lugar na história do cinema, pelo trabalho portentoso nunca antes visto (três enormes longametragens gravados ao mesmo tempo), com um apuro técnico inovador. Para dar um exemplo simples, foi desenvolvido um novo software, a fim de dar veracidade à diferença de tamanho dos hobbits para os demais personagens, em sequências como aquelas nas quais a Sociedade do Anel aparecia andando junta. Mas a tecnologia mais famosa foi mesmo a de captação de movimentos, que levou o ator Andy Serkis à fama com o personagem Gollum, a mais irretocável criatura inteiramente digital jamais vista até aquele momento.

O estranho preconceito contra a obra de Tolkien/Peter Jackson repercutiu em O hobbit, lançado há pouco, mas aguardado há anos e anos. Lançado originalmente em 1937, o livro começou a ser escrito quando Tolkien era um soldado nas trincheiras da I Guerra Mundial. Em meio ao horror que toda guerra representa, Tolkien escreveu uma estória de fantasia para seus filhos, que esperava rever em breve. Mas tomou gosto e continuou a desenvolvê-la, pelas décadas seguintes, em diversos livros, alguns das quais jamais chegaram a ser publicados. Já simpatizo com a trama só por conhecer esta sua origem.

No que tange ao cinema, O hobbit tem méritos à altura de The world, the flesh and the devil (1914), Don Juan (1926), Branca de Neve e os sete anões (1937), Bwana Devil (1952) e Toy Story (1995), que são, respectivamente, o primeiro filme em cores1, o primeiro sonoro, o primeiro longametragem de animação, o primeiro em três dimensões e o primeiro inteiramente em computação gráfica2. Quero com isso dizer que se trata de um filme pioneiro, o primeiro rodado em 48 quadros por segundo.

Numa rápida síntese, cinema é ilusão de movimento. Na verdade, são exibidas imagens estáticas e sequenciais que, sucedidas a certa velocidade, são percebidas pelo olho humano como se estivessem em movimento. Este efeito somente é alcançado a uma velocidade de 16 quadros por segundo. Mas a indústria do cinema se desenvolveu mesmo com a velocidade de 24 quadros por segundo. Salvo uma ou outra exceção, todos os filmes que você viu na vida foram produzidos dessa forma. Mas 48, o dobro do habitual, somente agora apareceu.

O hobbit combina a tecnologia de 48 quadros por segundo, a alta definição e o 3D. O resultado é uma experiência visual inédita e envolvente, uma imagem mais natural, que lembra a televisão em alguns momentos, mas que impressiona mesmo pela fidedignidade. Neste ponto, vale alertar que o filme está sendo exibido em salas inadequadas para a novidade, o que pode colocar tudo a perder. Em Belém, o Cinépolis possui uma sala no Boulevard e outra no Parque Shopping capazes de exibir o filme como se deve. Não me pergunte do Moviecom.

O somatório dessas tecnologias trouxe desafios à produção. Como as imagens são muito nítidas, foi preciso conceber novos procedimentos para maquiagem e figurino, p. ex. A maquiagem padrão Rede Globo (só na cara das atrizes, mas não no pescoço, produzindo um efeito horroroso) não pode mais ser empregada. E o figurino não podia ter qualquer tipo de costura, porque ela fatalmente apareceria. As roupas tiveram que ser feitas à mão pelos artesão da Nova Zelândia e, como determinado pela lei daquele país, passam a integrar o patrimônio cultural nacional, sendo peças que não podem deixar o território.

Nada que se compare, porém, à técnica para reduzir o tamanho dos atores que interpretam hobbits. Pense no software que mencionei na postagem anterior. Não funcionava mais. Foi necessário construir os cenários em duplicidade, para que os atores se posicionassem de acordo com o tamanho dos personagens e somente depois as tomadas fossem fundidas. Um trabalho enorme, uma verdadeira engenharia de cinema, que nunca antes precisou ser pensada simplesmente porque não havia necessidade.

Para quem desliga o cérebro para ir ao cinema (infelizmente, muita gente faz isso), é provável que não se note nada demais. Quem realmente aprecia o cinema, entretanto, há de ficar impressionado. Qualquer hora dessas, farei uma postagem sobre o que achei do filme em si.

1 Refiro-me a longametragens comerciais, sem considerar a tecnologia em si. O primeiro filme verdadeiramente em cores foi apenas um experimento: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2012/09/primeiro-filme-colorido-e-descoberto-110-anos-apos-sua-invencao.html

2 Com informações de http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Cronologia_do_cinema

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Liberados para o Natal


A presidenta Dilma Rousseff assinou nesta segunda-feira (24) decreto que concede indulto de Natal com benefício ampliado. O decreto traz mudanças em relação ao ano passado a fim de atender requerimento do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).

De acordo com a ministra-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Helena Chagas, além dos presos condenados e que tenham cumprido um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes, a presidenta Dilma concederá indulto a mulheres condenadas por crime não hediondo que se encaixem nos seguintes critérios, cumulativamente: tenham cumprido um quarto da pena, tenham bom comportamento e tenham filhos de até 18 anos ou com alguma deficiência (neste caso, em qualquer faixa etária).

Outra mudança é a concessão do indulto a condenados, homens e mulheres, a penas de até quatro anos, por crime contra o patrimônio, sem violência ou grave ameaça, e que tenham causado prejuízo no valor de até um salário mínimo. Esses condenados também deverão ter cumprido, no mínimo, três meses da pena.


Fonte: http://blog.planalto.gov.br/presidenta-dilma-concede-indulto-de-natal-com-beneficio-ampliado/trackback/

Um provérbio japonês

"Melhor que mil dias de estudo diligente é um dia com um grande professor."

domingo, 23 de dezembro de 2012

Quá quá quá quá (2)

Aquele colunista de negócios que adora falar bem do ainda alcaide noticiou, hoje também, que a partir de janeiro o indigitado iniciará um curso de Direito Administrativo. Em Brasília, claro, onde ele já passou 4/5 de seus dois mandatos. Ora pois, ele esperou deixar o cargo para tentar aprender alguma coisa? Um mínimo que seja, considerando que, segundo consta, submeteu-se uma vez ao Exame de Ordem e não passou.
Minha sugestão: aproveite e faça também uma especialização em processo penal.

Quá quá quá quá

Em publicidade (muito bem) paga, que ocupa duas páginas do jornal de hoje, a prefeitura de Belém "presta contas" da gestão que, com a glória suprema de Deus Pai Todo-Poderoso, está terminando daqui a pouco mais de uma semana.
A peça se ufana de garantir 621 milhões reais para obras de infraestrutura, muito embora haja uma outra versão dando conta de que o Ministério das Cidades não apenas sustou repasses para Belém quanto mandou tomar muito cuidado com quaisquer pedidos vindos destas bandas. Fala, também, que 8 anos atrás a cidade estava "no vermelho". Sério? Seguem-se supostos investimentos nas áreas de educação, saúde, infraestrutura e desenvolvimento. Destaque para "BRT e Novo Entroncamento com 3 viadutos em fase de conclusão".
Eu devo ser muito beócio em engenharia, mesmo, porque ainda ontem passei por lá e o que vi foram várias colunas, os pilares de sustentação dos futuros viadutos, mas a pista em si não foi construída e, exceto por um pequeno trecho, sequer as formas para depositar o concreto estão instaladas. Se isso é "fase de conclusão", eu realmente estou por fora.
O que podemos ver são as pistas da Almirante Barroso e da Augusto Montenegro severamente estreitadas, além de diversos acessos fechados, tornando a tarefa de ir do Entroncamento para o bairro da Marambaia, p. ex., uma questão de cuidadosa logística. Mas, enfim, as obras estão "em fase de conclusão" e "com recursos garantidos". Então tá.
Provavelmente, tais obras serão concluídas antes que o poder judiciário se digne a julgar as ações penais a que responde Duciomar Costa. Falando nisso, elas sairão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para a Justiça Federal aqui em Belém. Espero que isso adiante de alguma coisa. Mas espero pouco, porque chega uma hora em que nos cansamos de decepções.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Mais de 400 mil

Com o blog tendo o seu pior ano desde que foi criado, em 2006, sendo parcamente atualizado, claro que a frequência de público também despencou. Nada mais natural. Por isso mesmo, fiquei surpreso ontem, ao perceber que ultrapassei a marca de 400 mil acessos. Alvíssaras!
Infelizmente, boa parte dessas visitas se devem a pessoas que estão atrás de informações específicas ou imagens e caem aqui por causa dos serviços de busca. Eu também procuro assim e, às vezes, chego a sites e blogs que me agradam e por isso volto lá. A maioria, provavelmente, nunca mais aparece. Até porque um número expressivo desses acessos vêm do exterior e existe também a barreira do idioma.
O momento é de agradecer aos leitores de verdade, os que vêm aqui porque realmente desejaram visitar este blog, alguns dos quais deixam mensagens úteis e estimulantes. A todos vocês, o meu agradecimento sincero.

Dirigindo embriagado

O dia de ontem se dividiu entre o blá-blá-blá em torno do fim do mundo e a entrada em vigor (na data de sua publicação) da Lei n. 12.760, de 20 de dezembro de 2012, que promoveu mudanças no Código de Trânsito, endurecendo a legislação no que tange ao tratamento daqueles que dirigirem sob efeito de álcool ou substâncias de efeitos análogos. Reporto-me às principais modificações.

O Código de Trânsito trata da matéria sob dois enfoques: como infração administrativa e como ilícito penal. No primeiro caso, temos a infração prevista no art. 165, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.705, de 2008 (“Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”), que permanece sendo gravíssima, mas agora enseja uma multa mais elevada, mais que o dobro do anteriormente previsto (vai para mais de R$ 1.915,00, aplicável em dobro, se o infrator reincidir no prazo de 12 meses). Ainda como penalidades administrativas, temos a suspensão do direito de dirigir por 12 meses, o recolhimento do documento de habilitação e a retenção do veículo.

A segunda mudança importante afeta a regra da alcoolemia zero, que dá margem à nomenclatura oficial — burra, mas oficial — “lei seca”. Morro de dizer que não existe “lei seca” alguma, mas o próprio governo decidiu encampar essa idiotice. Essa nomenclatura faria sentido se as pessoas fossem proibidas de consumir ou de adquirir álcool. Existe lei seca no período pré-eleitoral, mas não em relação ao trânsito. Neste caso, a vedação é a dirigir sob o efeito do álcool, mas beber você pode o quanto quiser. É só não conduzir veículos depois. Repito isso todo dia, mas pouca coisa é tão obstinada quanto a preguiça mental.

Em sua redação original, o art. 276 do Código de Trânsito só considerava o condutor inapto se registrasse ao menos 6 decigramas de álcool por litro de sangue. Mas uma disposição desse tipo deixava todos os flancos abertos ao inimigo: passou-se a exigir comprovação exata do nível alcoólico para que as penalidades pudessem ser impostas. Afinal, o condutor poderia estar com 5,99 decigramas de álcool por litro de sangue e aí não haveria infração. Pode parecer patético, mas estaria correto.
Aí veio a Lei n. 11.705, a que entrou para a História como “seca”, determinando que qualquer concentração de álcool no sangue autorizaria as penalidades administrativas.
Pela redação em vigor a partir de hoje, “Qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165". Ou seja, o conceito não mudou, tendo havido apenas uma adequação técnica (a medição conforme o ar alveolar). O parágrafo único do mesmo artigo ainda prevê que o CONTRAN “disciplinará as margens de tolerância quando a infração for apurada por meio de aparelho de medição, observada a legislação metrológica.”

O art. 277 é um dos mais problemáticos, porque disciplina a questão dos meios de prova do estado de embriaguez. Nas duas redações anteriores, previa-se que o condutor suspeito de estar embriagado seria submetido (ou seja, a norma era cogente) a exames de verificação. Mas aí veio o princípio da não incriminação e pôs tudo a perder. Como reação, modificou-se o texto através da Lei n. 11.705, admitindo a possibilidade de meios probatórios alternativos, em caso de recusa do condutor. Até que o Superior Tribunal de Justiça decidiu que somente a dosagem alcoólica feita através de exame de sangue ou etilômetro seriam judicialmente válidas. Somando-se isso ao princípio que veda a autoincriminação, a impunidade está assegurada. Existem, inclusive, aqueles que dizem que forçar uma pessoa a fazer o exame de sangue viola a dignidade humana, por se tratar de um exame invasivo ao corpo. Sei. Nessas horas, até eu tenho raiva de advogados.

A lei atual é a resposta do legislativo ao judiciário, que troca a obrigatoriedade por uma faculdade, mas prevê expressamente meios probatórios alternativos:

“Art. 277.  O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.
(...) § 2º  A infração prevista no art. 165 também poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas em direito admitidas.” (NR)

Tenho observado algumas manifestações muito entusiasmadas e confiantes no sentido de que, agora, dispomos de um instrumento legal realmente eficiente para coibir a prática tão perniciosa de conduzir sob o efeito de substâncias estupefacientes. Com efeito, a lei atual — chamada pela apresentadora do Jornal Hoje desta tarde de “nova lei seca”: sem comentários — foi uma óbvia reação do Congresso Nacional à deliberação do STJ e também contou com ampla aceitação pela presidência da República. Mas eu pergunto: só porque agora existe uma lei dizendo que X pode, vocês realmente acham que não existe o risco de o Judiciário declarar que X não pode? Que essa lei não pode ter a sua inconstitucionalidade declarada? Vocês acham mesmo que os advogados dessa legião interminável de vagabundos bêbados não farão de tudo para esvaziar o conteúdo do novo diploma?
Pois eu estou convencido de que eles farão de tudo, sim, e honestamente acredito que o Judiciário vai lhes dar guarida, ao menos em parte.

Por fim, a parte mais grave, que é, claro, a criminal. O delito tipificado no art. 306 do Código de Trânsito passou a ter esta redação: “Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”. Também permaneceram as penas de 6 meses a 3 anos de detenção, multa e suspensão ou proibição de habilitação. Como regras novas, surgiram estas:

“§ 1º  As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.

§ 2º  A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.

§ 3º O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.” (NR)

Como se pode ver, subsiste a distinção de tratamento entre ilícito administrativo e penal, mas agora qualquer nível de álcool permite a penalidade administrativa e o índice de alcoolemia previsto no § 1º serve para a caracterização do crime, que é justamente onde ocorrem as maiores dificuldades probatórias, porque no processo penal vigoram as regras defensórias mais profundas.
Minha opinião? A coisa mudou menos do que parece. Mas estamos nos primeiros dias de lei nova e em pleno período de comemorações de final de ano. As autoridades estão fortalecidas e os futuros infratores ainda estão se adaptando. Como normalmente ocorre, uma lei mais rígida provocará uma retração imediata na prática que se quer coibir. Mas com o tempo os infratores vão relaxar e, à medida que pessoas sejam presas e as novas regras sejam efetivamente aplicadas, começará o trabalho dos juízes e dos tribunais.
Daqui a um ano, vamos ver se eu estava certo ou errado. Deus ajude que eu esteja errado.

Antecedentes:


  • Sobre o risco de nova declaração de inconstitucionalidade: http://www.yudicerandol.blogspot.com.br/2012/09/alcool-e-transito.html
  • Sobre interessante análise quanto à relativização do princípio de não incriminação:  http://www.yudicerandol.blogspot.com.br/2012/04/contra-os-motoristas-bebados.html
  • Um pouco de comparação: http://www.yudicerandol.blogspot.com.br/2010/09/homicidio-culposo-de-transito-la-e-ca.html
  • Um pouco de desatinos legislativos: http://www.yudicerandol.blogspot.com.br/2007/11/sentimentos-por-decreto.html

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O último dia!

Desde criança, sempre ouvi falar do fim do mundo. O ano 2000 era, então, o momento mais propício. Mas passou o ano 2000, revelou-se o terceiro segredo de Fátima (por sinal, uma bobagem) e o mundo foi ficando. E eis que eu vivi para ver, enfim, mais um "fim do mundo" anunciado, desta feita por conta de um calendário maia, que supostamente atinge a todo o planeta.
Então, já que estamos a menos de 24 horas do fim, já que este é o nosso último dia, vivamos! E em homenagem à data, deixo-lhes a maravilhosa canção de [Paulinho] Moska, "O último dia", cujo clipe oficial pode ser visto no YouTube clicando aqui.


Meu amor
O que você faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria

Ia manter sua agenda
De almoço, hora, apatia
Ou esperar os seus amigos
Na sua sala vazia?

Meu amor
O que você faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria

Corria prum shopping center
Ou para uma academia
Pra se esquecer que não dá tempo
Pro tempo que já se perdia

Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria

Andava pelado na chuva
Corria no meio da rua
Entrava de roupa no mar
Trepava sem camisinha

Meu amor
O que você faria?
O que você faria?

Abria a porta do hospício
Trancava a da delegacia
Dinamitava o meu carro
Parava o tráfego e ria

Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria

Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria
Me diz o que você faria
Me diz o que você faria...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Na reta

Dados sendo organizados, o Ministério da Educação divulga agora os cursos que foram mal avaliados nos anos de 2008 e 2011 e, em consequência, terão seus vestibulares suspensos. São duas listas, a primeira designada como "tendência negativa", abrangendo os cursos mal avaliados que, na verificação seguinte, decaíram ainda mais; e "tendência positiva", cobrindo os cursos que permanecem com índice insuficiente, mas já apresentaram melhoras.
Na primeira lista, não há nenhum curso do Pará. Na segunda, aparecem os cursos de Engenharia Mecânica, Licenciatura em Letras (dois cursos) e Licenciatura em Pedagogia, da Universidade Federal do Pará; além de Licenciatura em Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará.
Muita gente respira aliviada. Mas precisamos urgentemente reverter a rotina de cursos avaliados com nota 3 em nosso Estado. É para o alto que se deve ir.

Fonte: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/12/mec-divulga-lista-de-cursos-que-terao-os-vestibulares-suspensos.html

Pensata para as portas das férias

SPERNERE MVNDVM
SPERNERE NEMINEM
SPERNERE SE IPSVM
SPERNERE SE SPERNI

"Não leves a sério o mundo; não leves a sério ninguém; não te leves a sério; não leves a sério quem te leva a sério." Ou mais ou menos isso.
Se alguém puder me confirmar se a grafia correta é mesmo "se" em vez de "te", agradeço. Não encontrei uma resposta para isso, embora tenha procurado.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Perda do mandato (3)

Com a vasta cultura e conhecimento histórico que o notabilizam (não discuto suas ideologias), o jornalista Élio Gaspari escreveu um artigo (leia) defendendo que a cassação dos mandatos de políticos condenados no "caso mensalão" constitui e precisa constituir prerrogativa do parlamento.
Oferece razões justas e fundamentadas, que eu realmente compreendo, porque o autor da célebre tetralogia sobre a ditadura brasileira parece muito empenhado em valorizar o Poder Legislativo, em um país que tanto sofreu por causa de um regime de exceção. Mas acredito que Gaspari incorreu em um artifício falacioso para justificar seu ponto de vista. Ao fazer comparações com eventos históricos dramáticos, ele enfumaça o debate, desvia-o para um lado pelo qual não precisa seguir e substitui a força do argumento racional pelo engajamento da escolha emocional.
Beira o absurdo comparar a atitude do STF (que ainda não está certa e pode nem ocorrer) de cassar mandatos políticos a partir de uma condenação criminal transitada em julgado e o episódio de 1966, quando seis deputados foram cassados por decreto do Executivo. Lá, vivia-se um regime de exceção e o fundamento do decreto era um poder usurpado à democracia. Agora, temos um tribunal legítimo, no exercício regular de suas funções, interpretando a constituição. Mesmo que, em última análise, ad argumentandum, a corte chegue a uma decisão "errada", decerto não se poderá dizer que ela malferiu a democracia.
Em meio à profissão de fé, Gaspari finge ser objetivo:


(...) Se o Supremo decidir que os mensaleiros devem perder o mandato, cria-se um desequilíbrio entre os Poderes da República que só tem a ver com as delinquências dos mensaleiros num aspecto pontual.Estabelece-se uma norma: 11 magistrados escolhidos monocraticamente pelo presidente da República podem cassar mandatos de parlamentares eleitos pelo povo.

Para que a crítica fosse mais honesta, ele deveria dizer: 11 magistrados escolhidos monocraticamente pelo presidente da República, porque esta é a investidura determinada pela constituição, podem cassar mandatos de parlamentares ("eleitos pelo povo" é uma redundância ideológica, porque naturalmente foi o povo que elegeu os parlamentares, já que a mesma constituição baseia a democracia representativa no sufrágio universal), desde que  e somente nesta hipótese, se quisermos ser bastante enfáticos  como consequência de uma condenação criminal transitada em julgado (lembrando que as leis penais e processuais vigentes também resultaram de um processo legislativo disciplinado pela constituição).
A tudo isso deveríamos somar o fato de que as regras regimentais do STF, embora não sejam lei em sentido estrito, foram elaboradas também no exercício de competências legítimas, com assento constitucional.
No mais, considero que os argumentos de Gaspari não infirmam as ponderações que fiz na postagem anterior sobre o tema. Assim, espero que o Min. Celso de Mello retorne ao julgamento e profira o voto pela perda imediata desses mandatos, imerecidos no contexto do veredito proferido.
Por último, comparar a situação atual com a do deputado que foi preso por chamar um ditador de ditador é apelação.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Acabando o 1/4

Passados 128 dias de iniciadas as nossas atividades, acontece hoje a última aula do primeiro semestre letivo do mestrado. Acabam as atividades de sala de aula, porém ainda existem trabalhos pendentes e, em especial, os trabalhos de conclusão de cada disciplina, que deverão ser entregues no prazo de um mês.
Passou rápido, como era de se esperar, o que nem de longe implica em dizer que foi suave. Muito pelo contrário. Mas apesar da delimitação do que estudamos, foi sem dúvida um período de grande aprendizado, até no que diz respeito a abrir os nossos olhos, prejudicados por uma formação acadêmica tradicional, fortemente calcada no positivismo kelseniano que, como muito enfaticamente nos foi alertado, é uma tradição que já morreu. Morreu, mas como disse um colega, o cadáver permanece insepulto e ainda por cima virou um zumbi que nos ataca cotidianamente.
Grande verdade. Já me doía e agora me consome ouvir estudantes e profissionais ainda repetindo as velhas cantilenas, citando Kelsen (que não foi, sequer, autor da melhor teoria positivista jurídica, porém de longe foi o mais conhecido) como se ele gozasse de uma autoridade inquestionável, como se sua teoria pura fosse um dogma religioso. Não à toa, "dogma" e "dogmática" são expressões consagradas no mundinho intelectualmente arrogante do direito.
Não tenho mais condições de ouvir ninguém falar de velharias tolas, tais como o aforismo antidemocrático travestido de "princípio" in dubio pro societate; a busca pela tal "verdade real" (que já desafia o bom senso por sugerir a existência de uma verdade falsa!); a crença inexplicável na existência substancial daquilo que é abstrato e impreciso em si mesmo, como o próprio conceito de direito e incontáveis categorias daí decorrentes; o patético mito da isenção, notadamente judicial; e no plano hermenêutico, tão grato a minha querida Ana Cláudia Pinho, à declaração mística do juiz, de que "julgou conforme a própria consciência", como se isso resolvesse tudo, quando na verdade eu não estou minimamente interessado na consciência de A ou B, e sim no cumprimento do direito vigente neste país, que pode e deve ser aprimorado.
Foram 128 dias dando forma e conteúdo às inquietações que já se agitavam na mente e que, dentro em breve, começarão a ser materializadas aqui no blog, até para atender ao pedido do também querido André Coelho. Uma delas, relacionada a ser acadêmico, a ser teórico.
Comprei a ideia de que cada um de nós deve se esforçar por melhorar um pouco, onde possa, a qualidade do direito. Temos como fazer. Temos como espanar o pó que se acumula desde a academia até a mais alta corte do país. Mas temos que começar. Meu sentimento é de não ter dado sequer o primeiro passo. Mas ao menos a porta já se abriu.

Skywalking


É lindo mas, no que me diz respeito: não, obrigado.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Miopias nossas

Qualquer pessoa com sangue nas veias estremece ao ler uma notícia sobre um bebê de apenas duas semanas morto pelo próprio pai, porque chorou e com isso interrompeu a maratona de videogame do imbecil. Mas tragédias como esta acontecem a todo momento, a ponto de que relacioná-las seria um trabalho cansativo e sobretudo depressivo.
Esta postagem surgiu não da notícia acima, mas do fato de que li alguns dos comentários deixados pelos internautas e um me chamou imediatamente a atenção. Assinado por alguém que se assina "Angela Soraya" (não sabemos se é mesmo uma mulher, porque a Internet é espaço franqueado a falsidades em geral, além de que o sujeito escolheu um nome de travecão), tem o seguinte teor (em péssimo português, como sempre):

Eu não culpo ele nao e sim essa garota como tantas inbecis que se metem com caras retardados e insanos como esse. Essas garotas se metem com monstros e depois ficam lamentando uma barbaridade dessas é triste viu?

É impressionante como, neste nosso mundinho, o preconceito e até mesmo o ódio contra as mulheres nunca descansa. Esta é uma pauta para Lola Aronovich, autora do blog feminista Escreva Lola Escreva, e para a nossa querida leitora Luiza Montenegro Duarte.
O fato é que me impressionou alguém isentar de responsabilidade o homicida, o verdadeiro responsável pela brutal morte, e demonizar aquela que também é responsável, mas por omissão, e que se poderia ter socorrido a criança, talvez não pudesse evitar a agressão em si. E a demonização sempre decorre de escolhas emocionais ou sexuais que elas fazem.
Quando li a matéria, também reagi com preconceito, mas somente alguém muito próximo a mim saberia o motivo. É que eu odeeeeeeeeeeeeeeeeeio videogame! Meu primeiro impulso foi pensar que o sujeito merece uma condenação exemplar por ter agido de modo tão aberrante, cometendo uma violência inominável por um motivo ridículo desses. Naturalmente, incorri também em uma miopia, porque a violência deve ser repudiada por si mesma. Matar um bebê por espancamento não é coisa que se possa minimizar por conta do motivo A ou B. Então fiquei mal impressionado com a minha própria atitude.
E assim nasceu esta postagem, que não responde nada: apenas lembra que todos reagimos aos acontecimentos do mundo, em primeiro lugar, com emoções que se originam lá em nosso íntimo, às vezes sem que nós mesmos sejamos capazes de entendê-las. O mundo real vem depois. Se houver tempo para ele.

Transmissão intergeracional de marcadores epigenéticos sexualmente antagônicos

Esta pode ser a causa da homossexualidade. Como a expressão está longe de ser autoexplicativa, vale a pena ler a reportagem a que o link remete.

Agora é aguardar as reações, porque uma explicação biológica para a homossexualidade sempre foi hostilizada pelos grupos que defendem os interesses dessa população alvo de enormes preconceitos, ainda mais numa época em que existem testes capazes de aferir esses indicadores. Há um grande medo em torno de uma lógica admirável mundo novo. Por outro lado, uma explicação biológica, ao retirar a carga moral de uma suposta escolha do indivíduo, reforça poderosamente a carga moral do julgamento que os outros fazem.

A confusão continuará, certamente.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Perda do mandato (2)

Segundo a assessoria de comunicação do Supremo Tribunal Federal, na ação penal sobre o escândalo do "mensalão" há quatro réus titulares de mandatos políticos, sendo três deputados federais e, o último, atual prefeito de um Município do interior do Paraná. Em relação a este, especificamente, haveria um consenso em torno da perda imediata do mandato, independentemente de qualquer providência posterior.
A diferença dele para os outros três é óbvia: o que segura os deputados federais é o art. 55, § 3º, da Constituição de 1988. Como não existe norma correlata em relação a prefeitos, não há como espernear: o acórdão condenatória transita em julgado e o mandato vai para o espaço.
Argumentar em termos de legem habemus é tão fácil quanto medíocre. Afinal, exatamente do mesmo modo que deputados federais, os prefeitos também se encontram inseridos num contexto de democracia representativa; também são mandatários do povo para o exercício de uma função pública. Como qualquer chefe do Poder Executivo, têm mais poder do que um parlamentar. Até mesmo sob o aspecto simbólico, o eleitor médio pode subestimar a importância de eleger um parlamentar, mas não age do mesmo modo em relação ao administrador de sua cidade, Estado ou país. Por conseguinte, se a questão é assegurar a soberania popular, respeitar o poder do voto e, mesmo, homenagear o princípio da independência dos poderes, então o mesmo tratamento deveria ser dado a todos os réus: ou a decisão do STF não basta à perda de nenhum dos quatro mandatos ou basta para todos.
Entender diferentemente nos joga de volta à questão de que tudo se resume a uma questão de norma particular. E não se diga que se trata de uma norma constitucional e que, por isso, não poderia ser questionada. Afinal, a Constituição brasileira conseguiu a proeza de, no mesmíssimo dispositivo, consagrar o princípio da intranscendência da pena e, imediatamente a seguir, autorizar que a perda de bens, como sanção criminal, pode atingir os herdeiros e sucessores do criminoso. Uma insanidade, mas está lá. Salta aos olhos, portanto, que o constituinte da década de 1980 não foi coerente e lúcido em todos os momentos.
Mantenho minha posição. Vamos ver se a controvérsia será dirimida amanhã, como previsto. E se for, vamos ver se o presidente da Câmara dos Deputados terá o topete de negar cumprimento à ordem do STF. Se o fizer, por respeito à Constituição e ao Estado Democrático de Direito, vou esperar que seja responsabilizado inclusive criminalmente por tão tresloucado gesto.

Contagem regressiva

Faltam 10 dias para o fim do mundo.
Caso o mundo não acabe, faltam 20 dias para o fim do ano.
E se 2013 chegar, logo no primeiro dia, nós, belenenses, viraremos uma das páginas mais deploráveis de nossa história e nos livraremos de Duciomar Costa, o pior prefeito de todos os tempos.
Infelizmente, anos e anos ainda serão necessários para superar todo o prejuízo causado. Mas, pelo menos, já será possível fazer o descarrego do Palácio Antônio Lemos. Já é um começo.

Perda do mandato

Tenho mantido distância desses debates ridículos que glorificam aqueles que votam pela condenação e punições exemplares para os envolvidos no "caso mensalão" e demonizam os que votam pela absolvição. Repudio a classificação estúpida entre "patriotas" e "vendidos". Tento encarar a questão de modo mais objetivo. Contudo, um ponto sempre foi singular para mim: a controvérsia, que a meu ver não deveria existir, acerca da perda dos mandatos de parlamentares condenados.
Na semana passada, mais um dissenso entre relator e revisor da ação penal envolveu justamente esse tema. Ontem, foi o dia de os demais ministros debatê-lo.
O art. 92, I, do Código Penal  é expresso ao determinar que constitui efeito da condenação "a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos". Os réus do processo em apreço se enquadram nos dois casos.
A tese conveniente é de que o Poder Judiciário não pode determinar a perda dos mandatos porque isso violaria uma prerrogativa do Legislativo, entrando em cena o princípio da independência entre os poderes. Esquecem os defensores dela, entretanto, que ao agir dessa forma, os ministros não estariam fazendo outra coisa senão aplicar a lei e, por conseguinte, respeitar a vontade do legislador, que opera (ou deveria operar) de modo impessoal e atemporal.
Para mim, não há outra interpretação possível: uma vez transitada em julgado a decisão condenatória, a perda do mandato é uma simples consequência desse fato. Remetê-la à deliberação da Câmara dos Deputados é um absurdo por qualquer ângulo que se olhe. Conferir ao parlamento o poder de deliberar sobre o tema implica em facultar-lhes a manutenção dos mandatos. Afinal, porque se ele fosse obrigado a meramente convalidar a deliberação judicial, estaríamos diante de um processo inútil, porque já conhecido o seu resultado, havendo pura procrastinação. Nesse meio tempo, enquanto pende a decisão da Câmara, os condenados não apenas estariam recebendo seus generosos subsídios, pagos pelo contribuinte, quanto votariam nas matérias de maior interesse do país. E eu não quero um político corrupto e condenado em definitivo ajudando a decidir nada sobre a vida do país.
Por outro lado, se entendermos que o Legislativo pode rejeitar a decisão do STF e manter os mandatos, aí sim teríamos a violação ao princípio da independência dos poderes, porque se estaria negando validade a um veredito regularmente obtido.
O problema reside no fato de que o art. 55, § 3º, da Constituição determina que, nos casos de condenação criminal transitada em julgado, "a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa".
Ou seja, se fôssemos analisar a literalidade da lei, realmente a decisão seria do parlamento. Mas além de que precisamos analisar as normas de modo sistemático e não isolado, temos que ponderar as razões antes apresentadas e, particularmente, lembrar o corporativismo cínico que levou à elaboração de uma norma tão maliciosa. Devemos lembrar, inclusive, que deputados federais e senadores eleitos para o exercício de mandatos comuns foram alçados à condição de Assembleia Nacional Constituinte e trabalharam não como cidadãos organizando um país, mas como políticos de carreira de olho no próprio umbigo.
Acima de tudo, deve-se pensar que, se o mandato não for perdido imediatamente, indivíduos condenados por crimes contra a Administração Pública, dentre outros, continuarão em um dos mais altos postos da Administração Pública, mesmo na "iminência" de cumprir uma pena longa, em meio fechado. É absolutamente contraditório e uma violência contra todos os valores de uma ordem democrática.
É isso que dá mandar o cachorro tomar conta da linguiça.
Falta um voto para que a questão seja resolvida pelo STF. O voto será do decano da corte, Min. Celso de Mello, que segundo consta já teria sinalizado pela perda imediata dos mandatos. Espero que pelo menos desta vez eu esteja filiado à tese que prevaleça.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Um profeta?

Final da manhã de domingo, fui deixar meu irmão no aeroporto e, já na saída, quando me dirigia ao guichê para pagar o estacionamento, dei de cara com Inri Cristo, em pessoa e santidade. Estava cercado de suas discípulas, cuja aparência de timidez e até algum susto disfarça a desenvoltura e talento com que gravam seus divertidíssimos clipes de "versões místicas" de hits do momento.
Inri Cristo é um catarinense de Indaial e foi originalmente registrado como Álvaro Thais, filho adotivo de um casal de origem alemã. Tem 64 anos e nem sempre foi a autoproclamada reencarnação de Jesus Cristo: até 1979, era Iuri de Nostradamus. Naquele ano, contudo, jejuou em Santiago do Chile e "descobriu" a sua "verdadeira identidade". Tenho que me lembrar de nunca jejuar em Santiago. Vai ver que é a água de lá.
Inri Cristo mantém uma ordem religiosa chamada Suprema Ordem Universal da Santíssima Trindade, sediada em Brasília, numa espécie de chácara devidamente protegida. Um lugar aprazível repleto de moçoilas vestidas com túnicas azuis. Você pode saber mais a respeito no sítio oficial.
No altar da Catedral da Sé, antes
de ser preso pela Polícia Militar.
Por meio dele ficamos sabendo, p. ex., que Belém é uma cidade importante na trajetória do profeta. Foi aqui que, em 1982, ele realizou o seu "ato libertário", descrito na página da web nestes termos:

A SOUST nasceu no interior da catedral de Belém do Pará, no histórico 28/02/1982. Acompanhado por mais de 10 mil pessoas previamente convocadas através da TV Guajará (canal 4 de Belém), INRI CRISTO adentrou a catedral, interrompeu os rituais da missa, expulsou os sacerdotes, subiu no altar, arrancou a estátua da cruz e quebrou-a ante o testemunho do povo que o acompanhava e aclamava: "Cristo! Cristo! Cristo!". Mostrou através deste ato que não é um boneco eternamente pregado na cruz e sim o Cristo vivo, de carne e osso, que voltou no cumprimento das Escrituras; nessa ocasião, rompeu o vínculo com o que restara de sua antiga igreja, declarando-a proscrita igreja comercial romana (meretriz do Apocalipse c.17).


E esse é apenas o primeiro parágrafo da bem documentada com fotos matéria sobre o importante acontecimento. Mas eu realmente não consegui nenhuma informação acerca do que Inri Cristo veio fazer em Belém. Aliás, nem sei se ele veio realmente para cá ou esta é apenas uma escala para algum outro destino. Só sei que ele e seu séquito saíram do salão do aeroporto e sumiram tão rapidamente que até me perguntei se o Pai não teria mandado uma comitiva de anjos buscá-los. Seja como for, além de viver na mídia, inclusive pela internet, Inri também faz palestras em universidades. Vai ver que alguma o convidou.
Confesso, entretanto, que gostaria de ter tirado uma foto com as "inriquetes", que estavam vestidas exatamente como aparecem na imagem aí ao lado as três mais famosas, por causa dos vídeos que bombam na rede mundial. Queria pedir que elas cantassem alguma "versão mística", também, de preferência a de Rolling in the deep, da Adele ("Porque Ele voltoooooooooooooooooooou-ô-ô).
Mas a minha esposa estava presente e veio com um papo de que um homem que vive trancado num lugar cheio de mulheres tem uma energia muito ruim e coisa e tals. Estou certo de que os nobres cavalheiros que leem este blog devem ter uma opinião diferente mas, enfim, quando ela mencionou seu objetivo de poupar nossa filha dessa tal energia deletéria não foi mais possível argumentar.
Enfim, ficou apenas a curiosidade acerca do motivo da visita. E não, definitivamente eu não passei o domingo vendo os vídeos com as canções. Tinha mais o que fazer...

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Privilégio supostamente inconstitucional

Em uma sentença em ação penal por crime de tráfico de drogas, a juíza me surpreendeu com esta:

Consigno que a causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas é obviamente inconstitucional, pois previu um benefício indevido para o tráfico de entorpecentes e não o fez para outros delitos hediondos ou equiparados. Tal norma atentou contra mandado de criminalização prevista na nossa Constituição. Ainda que fosse constitucional, tal causa não seria de aplicação automática ou obrigatória. Seria facultativa e ao prudente critério do Juiz e entendo que o réu não faz jus a tal benesse, no presente caso.

Para prosseguirmos, necessário informar aos leigos que a norma atacada no excerto acima corresponde ao que se convencionou chamar de tráfico privilegiado, externado por uma norma deste teor:

Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integra organização criminosa.

Em direito penal, chamamos de privilégio a uma norma que tenha o poder de reduzir a gravidade de um delito. Mas essas previsões são aleatórias; podem existir ou não, a depender da discricionariedade do legislador. Elas existem, enfim, para alguns delitos tão somente, o tráfico de drogas incluso.
Que uma pessoa  pode ser um juiz  tenha raiva do privilégio do tráfico, porque é movida por intenso sentimento punitivista, eu entendo. Mas o problema é ela ter poder em mãos e utilizá-lo para dar vazão a suas miopias. Vejamos.
A magistrada assevera que a norma questionada é "obviamente inconstitucional". Devido a minhas duas atividades profissionais, estou acostumado a ver todo tipo de falácia e abuso argumentativo. Um deles consiste em inventar uma premissa de autoridade, que todos supostamente conheceriam. Eis um exemplo. Só tem um detalhe: os diversos autores que se dedicam a escrever sobre a Lei de Drogas não costumam apontar a tal inconstitucionalidade. Juízes e tribunais têm aplicado essa norma rotineiramente, de modo que a praxe forense e a jurisprudência também não parecem tão convencidas assim de que seja inconstitucional.
Arrisco-me a pensar que, se houvesse mesmo a tal inconstitucionalidade e ela fosse tão óbvia, alguém já teria proposto uma ação perante o Supremo Tribunal Federal para obter essa declaração. Que me conste, isso não ocorreu.
Falácia n. 1 derrubada.
O argumento invocado pela juíza para justificar a óbvia inconstitucionalidade é que não existe privilégio semelhante para outros delitos hediondos ou equiparados. Ela inventou uma espécie de controle de constitucionalidade por comparação! Se delitos semelhantes não podem ser minorados, então este também não pode. Criativo, não?
Se entendi direito o estranhíssimo raciocínio, o privilégio do tráfico só seria admissível se os demais tipos hediondos ou equiparados possuíssem benefício semelhante. Então pensemos: são crimes hediondos genocídio, o homicídio qualificado ou o praticado por grupos de extermínio, o latrocínio, a extorsão qualificada pela morte, a extorsão mediante sequestro simples ou qualificada, o estupro, o estupro de vulnerável, a epidemia com resultado morte e a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto terapêutico ou medicinal. São tipos equiparados, além do tráfico de drogas, a tortura e o terrorismo (este, ainda sem tipificação).
Seria sensato ou mesmo materialmente possível instituir privilégios para esses crimes? Como seria isso? O cara cometeu um homicídio qualificado, mas foi só um pouquinho qualificado, ou talvez a vítima tenha morrido só um pouquinho. Dá para ser? Nas hipóteses de extorsão e epidemia, em que a hediondez também deriva da morte, a situação seria análoga.
Numa tortura, talvez o privilégio fosse cabível se a cabeça da vítima fosse mergulhada apenas duas ou três vezes na privada. Se fossem mais vezes ou se a privada estivesse suja, o benefício seria afastado! E quantos choques elétricos poderiam ser aplicados e em que local do corpo? Perguntemos a opinião da presidente Dilma Rousseff.
Grotesco e grosseiro seria cogitar do privilégio em estupro. Teríamos que baixar o nível de verdade. Estupro privilegiado seria algo do tipo botar só a cabecinha?
Dá para perceber que a sugestão da magistrada está inviabilizada, não? Logo, a falácia n. 2 foi estuprada.
Mas a moça continua me assustando ao tirar da cartola um tal de "mandado de criminalização prevista na Constituição" (!!!), que estou me esforçando por entender. Com efeito, o art. 5º, XLIII, da Constituição de 1988, prevê que "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos".
Como a Constituição realmente mandou criar uma lei definindo crimes hediondos, posso ver aí o tal mandado de criminalização, mas ele se encerra nas vedações ali mencionadas, não havendo nada que impeça a instituição de um privilégio. Se a juíza entendeu que estão vedados privilégios para crimes hediondos pelo simples fato de serem hediondos, a conclusão é exclusivamente dela.
Por último, a juíza ainda repudia a aplicação automática do privilégio, mas ele não é automático, já que sujeito à apreciação de características com certa carga de subjetividade.
É interessante, contudo, ver a juíza reclamando que a aplicação da medida deveria ser subordinada ao seu "prudente critério" (medo!). Na verdade, eu concordo com isso. Trata-se de implementar o princípio da individualização da pena: as medidas legais, sejam benéficas ou gravosas, devem ser decididas em cada caso concreto, mediante deliberação fundamentada, e não resolvidas genericamente por uma norma abstrata. concordo mesmo. Só acho engraçado que o argumento seja defendido para prejudicar, pois quando se trata de beneficiar, aí está valendo. Basta lembrar a própria Lei de Crimes Hediondos, quando proibiu a progressão de regime e, sob a batuta do STF, foram necessários 17 anos para a coisa mudar.

Dedico esta postagem a minha querida Ana Cláudia Pinho, estudiosa da hermenêutica e que adora analisar os fundamentos de decisões judiciais. Com meus cumprimentos.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Legislando sobre o óbvio

Já está em vigor a Lei n. 12.736, de 30.11.2012, cujo conteúdo, na prática, se resume a determinar que o juiz, ao proferir sentença condenatória, deve considerar o tempo cumprido sob prisão cautelar para fins de determinação do regime penitenciário inicial. E só.
O mais interessante é que se trata de uma norma inócua, pois a prática já vinha sendo implementada há trocentos anos, sendo por sinal bastante intuitiva. E absolutamente necessária, do ponto de vista factual, já que uma pessoa condenada a 5 anos de prisão não pode cumprir 5 anos inteiros, se já esteve presa antes, pelos mesmos fatos. Simples assim.
Mas no Brasil as pessoas têm a firme convicção de que precisam de lei em sentido estrito para tudo. Constituição e princípios não fazem parte do Direito, só as regras. Nem Kelsen desceu tão baixo.

Mudanças na legislação penal: crimes informáticos

Algumas mudanças importantes acabaram de acontecer no Direito Penal brasileiro. Parte delas tem a ver com um tema objeto de debates há vários anos, sem que se chegasse a um consenso. Agora, temos leis, não  isentas de críticas, claro.
Os problemas surgem desde o momento que se vê que, p. ex., a Lei n. 12.735, de 30.11.2012, destina-se a alterar o Código Penal, o Código Penal Militar e a Lei n. 7.716, de 1989. No entanto, como os arts. 2º e 3º foram vetados, sobreviveu apenas a mudança no último diploma, uma questão meramente pontual, o que demonstra o descompasso entre a deliberação do Congresso Nacional e a opinião do Executivo.
A questão mais importante é a tipificação dos delitos informáticos próprios. Durante anos, só dispúnhamos da possibilidade de punir crimes comuns, eventualmente praticados por meios eletrônicos, tais como estelionato ou crimes contra a honra. Não existia lei, entretanto, para condutas que somente podem ser praticadas por meios tecnológicos e os debates em torno do tema nem sempre eram produtivos.
A Lei n. 12.737, de 30.11.2012, criou o tipo de invasão de dispositivo informático (a prática do hacking). Há duas outras previsões, incidentes sobre crimes já constantes da legislação anterior. Portanto, trata-se de uma regulamentação ainda bastante tímida. Publicada no dia 3, último, somente entrará em vigor após 120 dias da publicação, ou seja, em 2.4.2013.
Como o tempo não está dos mais livres, vou olhar com calma o texto, ver as primeiras impressões deixadas por especialistas e outra hora deixo uma opinião por aqui.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Fachada

É grande a quantidade de celebridades (odeio essa modinha) que já tiveram problemas legais por beber e dirigir. Nos Estados Unidos, onde a legislação é firme e as autoridades, no geral, sérias, a palhaçada rende suspensão da habilitação e cadeia. Que o digam atores como Nick Nolte, Mel Gibson, Kiefer Sutherland, Lindsay Lohan e umas patricinhas inúteis milionárias. E tem também Robert Downey Jr., preso mais de uma vez por posse de drogas.
Já aqui, na terra do oba-oba, onde se considera impossível diversão sem bebida e onde as pessoas são muito conscientes de seus direitos, o próprio Superior Tribunal de Justiça decidiu esvaziar o Código de Trânsito, exigindo para confirmação do crime do art. 306 daquele código provas difíceis de produzir. E se avoluma a lista dos famosos que se recusaram a fazer a dosagem de alcoolemia. Neste final de semana, o sorteado foi Luciano Huck.
Contudo, Huck vive de sua fama de bom moço, pacato cidadão, difusor dos melhores valores, etc. Uma nódoa dessas não poderia passar sem consequências, por isso o rapaz se apressou a fazer um mea culpa público, através de seu perfil no Facebook. Mas o pequeno provocador que habita em mim não gostou muito do discurso e resolveu descascá-lo um pouco.
Lendo-se o texto, percebe-se que o apresentador se empenha em minimizar o ocorrido: diz ter tomado apenas "um copo de vinho" (quase nada; você também faz isso). Para dissipar a imagem de festeiro, destaca que jantou "em casa" (sempre o bom marido e pai de família) e que "antes de dormir" (não sou de farra) decidiu "dar um abraço" (não ir a uma festa) em alguém, mas apenas por se tratar de um amigo celebrando uma idade especial e porque o clube ficava a meros 800 metros de sua casa (portanto eu não ia dirigir quase nada e não haveria problema algum).
A retórica prossegue. Ele não se recusou a fazer o teste do bafômetro; apenas achou melhor não fazer, sem esclarecer em que sentido isso seria melhor. E como grande brasileiro que é, proclamou: "Valeu a lição". Um "reconheço que errei" seria mais digno.
E antes de encerrar, saiu elogiando os agentes públicos e desejando que as operações de fiscalização de trânsito sejam levadas para outros campos, todos por sinal muito justos, mas que no contexto podem funcionar como uma cortina de fumaça: lembrar que outras pessoas cometem outros tipos de infração ajuda a disfarçar o meu erro (e crime) de agora. Mas a verdade é que se as pessoas param sobre a faixa de pedestre, e isso é péssimo, isso não muda o fato de que eu bebi e dirigi e de que isto é muito pior. Pode provocar um acidente grave.
O que me irrita é a falta de honestidade das pessoas, mesmo quando a situação é clara e devidamente comprovada. Eu, numa dessas (se bebesse, claro, mas sou totalmente abstêmio), diria isto: Fui parado numa blitz e me recusei a fazer o teste do bafômetro, porque havia tomado uma taça de vinho. Reconheço que cometi um erro e, por isso, peço desculpas ao meu público e, em especial, às pessoas que sofreram perdas devido ao consumo de álcool na direção. Comprometo-me a utilizar o meu programa para estimular a direção consciente. Se for beber, não faça como eu fiz: não dirija.
Resta saber se há fabricantes de bebida entre os patrocinadores do programa.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Atualizando o blog

Uma rápida olhada nos números do blog mostrará que o ano de 2012 foi, de longe, o de pior movimentação. Os números despencaram, tendência que já vinha do primeiro semestre e se intensificou no segundo, quando comecei o mestrado e a coisa ficou meio que fora de controle para mim. Não é só uma questão de tempo, mas de colocar a cabeça para se concentrar neste ou naquele objetivo. Claro que o blog, como simples deleite, acabaria prejudicado.
O maior problema de reduzir o ritmo de um blog é que os leitores, compreensivelmente, desaparecem. Reconquistá-los pode ser bem difícil ou simplesmente não dá certo. E todo blogueiro, por mais desconhecido e solitário que seja, aspira a ser lido por alguém. A falta de retorno provoca efeitos estranhos em nossos sentimentos.
O fato é que estou por aqui, tentando dar dignidade ao Arbítrio. Acabei, inclusive, de responder alguns comentários que me foram deixados, há tempos. Se tenho produzido pouco, imagine responder os comentários. Naturalmente, o comentarista espera alguma reação e é chato não fornecer nenhuma. Por isso quero deixar claro que tenho dado atenção a essas manifestações, mas nem sempre posso responder na hora. E essas coisas são muito espontâneas: passado um tempo, pode nem fazer mais sentido escrever.
Por tudo isso, agradeço muito aos visitantes que continuam aparecendo por aqui. Espero que, a partir deste mês, com a redução de algumas atividades, eu possa deixar o blog mais animado, como em outras épocas.
Grande abraço.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Etnocentrismo

Em resposta ao chamado que lhe fiz via Facebook, meu amigo e colega de docência Paulo Rabelo, que em seu mestrado pesquisou sobre a questão indígena, escreveu esta manifestação a minha postagem "As crianças Suruwahás mortas":


Yúdice, etnocentrismo é a tradução desse senhor. O grande problema é que ele representa uma parcela significativa de nossa sociedade, achar que é melhor do que outro por ser diferente. Na realidade ele revela um desconhecimento absurdo acerca do que venha ser a riqueza e diversidade cultural dos povos indígenas e acho que nunca entendeu o conceito de bem viver. Por que ele ou qualquer outra pessoa irá decidir o que é melhor para quem é protagonista de sua história e já demonstrou pelos usos e saberes estar muito longe do conceito equivocado de primitivo ou selvagem? Nós é que precisamos aprender com eles, por exemplo, que a sobrevivência das espécies depende muito mais de compreensão da linguagem da natureza do que de dominação. Fiquei intrigado com essa ideia de viver na idade da pedra, será que o genocídio dos aborígenes é sinônimo de civilização? A autodeterminação é muito mais do que uma norma ou preceito constitucional é a essência dessa organização social etnicamente diferenciada, Carlos Mares diz que queremos enquadrar as categorias indígenas em nossos olhares, tarefa impossível, seria como colocar um balão numa gaveta. Geertz, um antropólogo estaduniense, seria útil a esse senhor, para que despertasse nele uma sensibilidade jurídica diferenciada, entendendo que a cultura deve ser lida como um texto, dentro de um contexto. Fico a me perguntar porque iríamos intervir num grupo para retirá-los do seu modo tradicional de se organizar quando eles caçam, pescam, dançam, promovem seus saberes curativos e equilibrantes pelas energias da floresta, vivem a propriedade de forma coletiva, resolvem suas situações a luz da sabedoria dos mais velhos e são felizes sem colesterol elevado, fast food e outras neuroses advindas da dita civilização. Será isso viver na idade da pedra? Sem contar que as terras indígenas, dados estatísticos, são as mais preservadas da amazônia, isso é selvageria?
Você está coberto de razão, o tema das crianças é polêmico e demanda muita discussão, posso até oferecer o meu ponto de vista, que tenho certeza você conhece, mas tenho o direito de desconsiderar uma organização e violentar a cultura a partir do que eu entendo como correto? Não estou defendendo o infanticídio, até porque essa é uma categoria nossa, o tipo penal é descrito a partir da nossa carga valorativa, apenas engrosso o coro com você para que o debate seja amplo e não se tente, como quer esse senhor, retornar ao paradigma assimilacionista, que foi banido do nosso ordenamento com a CF/88. Os indígenas são senhores de seus destinos e não mais tutelados ou administrados pela FUNAI, quanto ao Magno Malta, faço minhas as suas palavras: "cala boca Magda".