Oferece razões justas e fundamentadas, que eu realmente compreendo, porque o autor da célebre tetralogia sobre a ditadura brasileira parece muito empenhado em valorizar o Poder Legislativo, em um país que tanto sofreu por causa de um regime de exceção. Mas acredito que Gaspari incorreu em um artifício falacioso para justificar seu ponto de vista. Ao fazer comparações com eventos históricos dramáticos, ele enfumaça o debate, desvia-o para um lado pelo qual não precisa seguir e substitui a força do argumento racional pelo engajamento da escolha emocional.
Beira o absurdo comparar a atitude do STF (que ainda não está certa e pode nem ocorrer) de cassar mandatos políticos a partir de uma condenação criminal transitada em julgado e o episódio de 1966, quando seis deputados foram cassados por decreto do Executivo. Lá, vivia-se um regime de exceção e o fundamento do decreto era um poder usurpado à democracia. Agora, temos um tribunal legítimo, no exercício regular de suas funções, interpretando a constituição. Mesmo que, em última análise, ad argumentandum, a corte chegue a uma decisão "errada", decerto não se poderá dizer que ela malferiu a democracia.
Em meio à profissão de fé, Gaspari finge ser objetivo:
(...) Se o Supremo decidir que os mensaleiros devem perder o mandato, cria-se um desequilíbrio entre os Poderes da República que só tem a ver com as delinquências dos mensaleiros num aspecto pontual.Estabelece-se uma norma: 11 magistrados escolhidos monocraticamente pelo presidente da República podem cassar mandatos de parlamentares eleitos pelo povo.
Para que a crítica fosse mais honesta, ele deveria dizer: 11 magistrados escolhidos monocraticamente pelo presidente da República, porque esta é a investidura determinada pela constituição, podem cassar mandatos de parlamentares ("eleitos pelo povo" é uma redundância ideológica, porque naturalmente foi o povo que elegeu os parlamentares, já que a mesma constituição baseia a democracia representativa no sufrágio universal), desde que — e somente nesta hipótese, se quisermos ser bastante enfáticos — como consequência de uma condenação criminal transitada em julgado (lembrando que as leis penais e processuais vigentes também resultaram de um processo legislativo disciplinado pela constituição).
A tudo isso deveríamos somar o fato de que as regras regimentais do STF, embora não sejam lei em sentido estrito, foram elaboradas também no exercício de competências legítimas, com assento constitucional.
No mais, considero que os argumentos de Gaspari não infirmam as ponderações que fiz na postagem anterior sobre o tema. Assim, espero que o Min. Celso de Mello retorne ao julgamento e profira o voto pela perda imediata desses mandatos, imerecidos no contexto do veredito proferido.
Por último, comparar a situação atual com a do deputado que foi preso por chamar um ditador de ditador é apelação.
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