Faz muitos anos que li O velho e o mar, um dos mais famosos romances do escritor estadunidense Ernest Hemingway. Publicado originalmente em 1952, conta a estória de Santiago, um idoso pescador que há três meses não consegue pescar nada. Ávido por recuperar a autoestima e a imagem perante os companheiros, ele se lança em uma perigosa empreitada solitária e acaba por realizar um grande feito: fisga um espadarte imenso, o maior peixe já pego por aquelas bandas. Grande o suficiente para resistir por dias, puxando Santiago cada vez mais para alto-mar. Ou seja, as coisas não saem exatamente como planejado.
O belo romance me fez um grande bem quando o li, em sua profunda simplicidade, no estilo e no tamanho, já que possui pouco menos de cem páginas. Mas como tantas coisas que acumulei ao longo dos anos, ele acabou em alguma estante pela casa de minha mãe. Agora, todavia, ele precisa ser reencontrado, porque está em seu destino uma tarefa grandiosa.
Semana passada, enquanto aguardávamos o jantar em meio às peregrinações natalinas, eu precisava distrair Júlia e ela, como de praxe, me pediu para contar uma estorinha. Pediu para que eu contasse de novo a estória da orca e do camarão, que eu inventara uns dias antes, para fazê-la adormecer. Em vez disso, contei-lhe a saga de Santiago, numa síntese bastante apertada, é claro. Ela ficou vivamente interessada e agora, de vez em quando, toca no assunto e já me pediu para contar de novo. Decidi fazer melhor: pedi que encontrassem o livro na casa de minha mãe e, na primeira oportunidade, vou ler para ela. A própria Júlia pediu que eu lesse para fazê-la dormir.
Agora imaginem vocês, este amante dos livros e das boas estórias diante da possibilidade de ler um clássico (e um clássico adulto!) para sua filha de 4 anos!
Embora não goste muito da obra, já tentei ler Alice no país das maravilhas. Foi este ano, mas Júlia não deu bola. Eu mesmo decidi não insistir. Mas O velho e o mar trata de fatos acessíveis à imaginação da criança, exceto pela complexidade psicológica, naturalmente. Decidi então me aproveitar disso e do fato de que o livro contém ilustrações para prender sua atenção. Além do mais, nunca tratamos Júlia como uma criança tola: sempre falamos com ela de modo objetivo e correto. Se ela me pergunta por que chove, não invento bobagens: respondo que o calor faz a água dos rios e mares evaporar, que essa água se concentra nas nuvens e, quando estas ficam muito cheias, chove. Simples assim.
Parto do pressuposto de que devemos oferecer muito às crianças. Se elas não alcançarem tudo, assimilarão uma parte e o restante ficará para o momento oportuno. Mas não sabemos o quanto elas são capazes de assimilar, então não nivelo por baixo. Tem dado muito certo.
Portanto, lerei O velho e o mar para minha pequena Júlia. Lerei exatamente como está publicado no livro, devagar, dando-me ao trabalho de explicar tudo o que ela possa não ter entendido, perguntando de vez em quando se ela está me acompanhando.
Há anos espero pelo momento em que ela, por fim, prestará atenção aos livros que quero ler em sua cabeceira. Talvez essa deliciosa fase se inicie hoje. E eu não vejo a hora!
Deve demorar um tempo. Mas quando terminar, conto para vocês o que Júlia achou do velho Santiago e do poderoso espadarte.
2 comentários:
Excelente! Li quando era garoto. Também foi minha iniciação no prazer da leitura. Vais bem com a Júlia.
Fred
Caro Professor Yudice,
Numa viagem de trem entre Munique e Bolona, compartilhei a cabine com um casal de alemaes, e seumfilhinho pequenino. De uns 4 ou 5 anos. Iniciada a viagem, o pai, pacientemente lia um livrome explicava ao pequenino as ilustraçoes.
Belissima cena.
Repita, a Julia agradecerah.
Vilson Schuber
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