Passados 128 dias de iniciadas as nossas atividades, acontece hoje a última aula do primeiro semestre letivo do mestrado. Acabam as atividades de sala de aula, porém ainda existem trabalhos pendentes e, em especial, os trabalhos de conclusão de cada disciplina, que deverão ser entregues no prazo de um mês.
Passou rápido, como era de se esperar, o que nem de longe implica em dizer que foi suave. Muito pelo contrário. Mas apesar da delimitação do que estudamos, foi sem dúvida um período de grande aprendizado, até no que diz respeito a abrir os nossos olhos, prejudicados por uma formação acadêmica tradicional, fortemente calcada no positivismo kelseniano que, como muito enfaticamente nos foi alertado, é uma tradição que já morreu. Morreu, mas como disse um colega, o cadáver permanece insepulto e ainda por cima virou um zumbi que nos ataca cotidianamente.
Grande verdade. Já me doía e agora me consome ouvir estudantes e profissionais ainda repetindo as velhas cantilenas, citando Kelsen (que não foi, sequer, autor da melhor teoria positivista jurídica, porém de longe foi o mais conhecido) como se ele gozasse de uma autoridade inquestionável, como se sua teoria pura fosse um dogma religioso. Não à toa, "dogma" e "dogmática" são expressões consagradas no mundinho intelectualmente arrogante do direito.
Não tenho mais condições de ouvir ninguém falar de velharias tolas, tais como o aforismo antidemocrático travestido de "princípio" in dubio pro societate; a busca pela tal "verdade real" (que já desafia o bom senso por sugerir a existência de uma verdade falsa!); a crença inexplicável na existência substancial daquilo que é abstrato e impreciso em si mesmo, como o próprio conceito de direito e incontáveis categorias daí decorrentes; o patético mito da isenção, notadamente judicial; e no plano hermenêutico, tão grato a minha querida Ana Cláudia Pinho, à declaração mística do juiz, de que "julgou conforme a própria consciência", como se isso resolvesse tudo, quando na verdade eu não estou minimamente interessado na consciência de A ou B, e sim no cumprimento do direito vigente neste país, que pode e deve ser aprimorado.
Foram 128 dias dando forma e conteúdo às inquietações que já se agitavam na mente e que, dentro em breve, começarão a ser materializadas aqui no blog, até para atender ao pedido do também querido André Coelho. Uma delas, relacionada a ser acadêmico, a ser teórico.
Comprei a ideia de que cada um de nós deve se esforçar por melhorar um pouco, onde possa, a qualidade do direito. Temos como fazer. Temos como espanar o pó que se acumula desde a academia até a mais alta corte do país. Mas temos que começar. Meu sentimento é de não ter dado sequer o primeiro passo. Mas ao menos a porta já se abriu.
Um comentário:
É uma pena que nossa formação deficitária jogue sempre para a próxima etapa uma melhor compreensão, as leituras mais ampliadas, a análise crítica.
A pessoa entra na faculdade com prejuízos severos do Ensino Médio e o professor, às vezes, precisa ensinar a escrever. Aí então termina a faculdade, mas persistem lacunas imensas, que apenas começam a ser sanadas na pós, stricto ou lato senso.
Também para mim o Mestrado foi como um kit de óculos e espelho, que faz ver melhor e ver-se melhor. Aprender a estudar, relativizar verdades incorporadas como tais, sensibilizar os sentidos às diferentes visões e à falibilidade. No entanto há, também ali, algumas imagens distorcidas, como a procura do curso não para pensar cientificamente e sim pelo entendimento de que é mera continuação da graduação ou porque o título valeria pelo aumento salarial que eventualmente proporcionaria.
No Doutorado, novas distorções, e a sensação de que muita coisa - ou quase tudo - tem de ser repensado. E anos antes. Muitos. Desde a turminha da Júlia ou da minha filha.
Anna
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