segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Resultado previsível


Após computado o meu (previsível) voto, este é o resultado da enquete que o Diário do Pará promove em sua home page.
Some-se os resultados, temos uma aprovação de 65% quanto ao massacre de criminosos ou, como será mais certo dizer, de pessoas tidas por criminosas, já que nessas circunstâncias nenhuma explicação é possível.
Este resultado não deve surpreender ninguém. De certo modo, poderíamos esperar resultados ainda mais elevados pró-barbárie. Afinal, esse é um dos campos em que manda o utilitarismo irracional. Não se pensa para votar numa enquete dessas: é a emoção que dá a resposta.
Antes, eu criticava as pessoas, simplesmente, pela ausência de reflexão. Mas hoje sei que, para variar, é o poder público que deve ser imputado em boa parte da culpa por esse estado de coisas. Pois ao ser omisso, criminosamente omisso, conduz naturalmente o desprotegido cidadão comum a pensar dessa forma. Se nosso cotidiano vira uma luta pela sobrevivência, como se pode recriminar o sobrevivente?

3 comentários:

Anônimo disse...

Yúdice, esse argumento de compreensão da perspectiva pró-barbárie não levaria ao círculo vicioso de supor que só se poderia esperar das pessoas posições mais racionais quanto a questões penais se o sistema policial e penal já funcionasse muito bem? Mas, se for assim, como é que ele virá a funcionar bem, se, enquanto esse dia não chega, as posições são as mais irracionais?

Yúdice Andrade disse...

Como sempre, um lúcido questionamento, meu amigo André.
Minha posição pessoal não é de que só se pode esperar das pessoas racionalidade, serenidade e até mesmo altruísmo (inclusive no campo penal) apenas sob a premissa de que o sistema funcione bem. Penso que essas características deveriam ser inerentes à humanidade, mas eu enveredaria pelo idealismo se me aferrasse demais a isso.
Assim, manifestei apenas a minha compreensão de que uma coisa leva a outra: as omissões do poder público reforçam as teses pró-barbárie. Mas não as criam. Isso parte do indivíduo. Assim, meu esforço, em sala de aula sobretudo, é defender uma racionalidade humana que funcione mesmo diante da mais absurda e criminosa omissão estatal. Devo admitir, contudo, que esse esforço é uma natação contra a maré forte.
Um abraço.

Anônimo disse...

Pessoalmente o louvo por essa luta e o convido a continuá-la, meu amigo, apesar de toda força em contrário. Afinal, no mundo louco em que vivemos, quando sentimos que estamos a favor da correnteza, é sempre o caso de nos perguntarmos se estamos mesmo do lado certo da luta. As boas causas costumam ser causas contra o fluxo.

Agora, quanto a compreender que as posições pró-barbárie são alimentadas pela omissão das autoridades perante a violência, acho que duas coisas devem ser levadas em conta. A primeira é que o ser humano é um ser predominantemente cultural, por isso certos fatos só são capazes de estimular certas reações quando, em certo esquema cultural, esta implicação foi previamente construída e assimilada pelos indivíduos. Não é como se houvesse a relação "Quanto mais ocorre X, mas as pessoas sentem Y", mas sim uma relação mais complexa, em que há uma implicação culturalmente construída entre Y e X que motiva as pessoas a acreditarem que Y é a reação apropriada (ou talvez mesmo inevitável) diante de X. Isso acontece com medo, com desesperança, com alegria, com superstição, com ansiedade etc. Sendo assim, cabe dizer que temos um esquema cultural, prévia e longamente construído, que associa a escalada do crime com a brandura e ineficácia do sistema penal (no fundo, porque nas modernas sociedades liberais o sistema capitalista constrói o indivíduo predisposto a acreditar que o ser humano só se move pelo interesse e só é demovido pelo medo), de modo que, diante de cada nova manifestação da primeira (escalada do crime), sente-se uma crescente revolta contra a segunda(brandura e ineficácia do sistema penal), revolta que, de acordo com a explicação dada até aqui, é uma reação culturalmente condicionada, e não natural.

A segunda coisa é que, assim como foi historicamente construída, essa implicação pode ser desconstruída também. É uma questão simbólica, e não um codicionamento biológico, nem um atavismo psíquico. Assim, na medida em que se assimilasse a idéia de que existe algo como uma média normal estatística de criminalidade, que em grandes cidades se amplia em razão do número de sujeitos dotados de livre arbítrio, capazes de transgressão, tomando decisões, agindo e interagindo ao mesmo tempo, e na medida em que a escalada da criminalidade para além dessa normalidade estatística passasse a ser associada com déficits de educação, de oportunidades, de solidariedade, de internalização de valores morais e de orientação em direção a causas nobres, aquela escalada da criminalidade provocaria, em vez de revolta com o sistema penal, preocupação com nossas escolhas políticas irrefletidas e com nossos traços culturais decadentes.

Como acho que a maioria dos indivíduos com que lidamos em sala de aula teve algumas oportunidades ao longo da vida de ter contato com esse segundo esquema cultural e, no entanto, permaneceu, por inércia preguiçoa ou escolha canalha, no primeiro esquema, penso que no caso deles a ostentação de idéias pro-barbárie é menos desculpável. Mas entendo seu argumento no que se refere a pessoas que tiveram menos oportunidades culturais que eles. Quer dizer, entendo, desde que "compreender" por que eles pensam assim não implique aceitar passivamente que sigam pensando dessa maneira ou esperar que as coisas primeiro mudem no plano macro para que cada sujeito mude de opinião no plano micro. Compreender, nesse caso, terá que significar distribuir de modo mais equânime a culpa entre indivíduo e contexto, mas sem tirar dele nem a responsabilidade de pensar como pensa agora nem o dever de pensar melhor que isso no futuro.