segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Quantas vezes na vida você se deu conta do quanto não sabe?

No último momento antes de clicar no x que fecha o navegador da Internet, senti vontade de escrever alguma coisa no blog. Então vim aqui, rapidinho, com a mente dispersa, sem nenhum encaminhamento sobre o que falar. Apenas a necessidade de eliminar este terrível fator de distração enquanto me mantenho de cara para o computador, tentando parir um texto sobre dois autores que conheci muito recentemente, este ano mesmo. São os dois primeiros companheiros do mestrado, que me aterrorizaram durante o primeiro semestre e que agora retornam, como temas de uma das minhas disciplinas.
Minha graduação na UFPA foi deficitária. Quanto mais o tempo passa, mais me dou conta disso. Não era a universidade, que respeito e prezo profundamente. Era uma quantidade enorme de professores que não estavam a fim de nada, mas que uma infraestrutura tola, herdada dos nefastos militares, nos obrigava a suportar. E olha que dei sorte: tive vários professores maravilhosos, que me ajudaram não apenas a aprender conteúdos, mas a me tornar uma pessoa mais consciente. Serei forçado a omitir nomes, porque teria que declinar todos e, esquecendo algum, correria o risco de ser mal interpretado, como se o tivesse posto no outro grupo.
A esta altura, os meus grandes professores devem saber que foram respeitados e queridos por mim. Espero ter demonstrado isso a eles a tempo.
Mas mesmo assim, os tempos eram outros. Faculdades de Direito não ofereciam a seus alunos esses autores que estou estudando. Alguns deles continuam sendo matéria alheia à graduação, o que agora se torna uma vergonha, mas uma vergonha real e presente. O fato é que preciso correr atrás de prejuízos de variadas ordens e o tempo é curto.
O interessante, por outro lado, é que a despeito das muitas dificuldades, tenho encarado isso com serenidade. Não estou ofendido com tudo o que percebi não saber. Já superei boa parte da frustração de não ser tudo o que gostaria, no que tange à formação jurídica. Além disso, eu adoro a academia. Lá é o meu lugar e o meu destino. Uma vez lá, como professor ou aluno, estou em casa. Por isso, olho estes livros, cópias, resumos e a tela do computador e até me divirto. É como uma imensa balbúrdia entre amigos. Vamos nos massacrar tudo o que pudermos, mas no final acharemos maravilhoso participar da vida um do outro.
Então me permitam ir, porque preciso eliminar esta distração. Há uma importante tarefa no meu caminho. Boa noite.

domingo, 28 de outubro de 2012

Minhas vacas holandesas

Apesar de eu ter necessidade de contato com a natureza e de apreciar profundamente um ambiente campesino, com árvores, animais e rios, nunca fui particularmente ligado a animais de fazenda. Por isso, não sei explicar a simpatia que sempre tive por vacas de brinquedo. E há um interesse específico: só gosto das vacas holandesas, malhadas de preto (porque elas também podem ter a cor marrom).

O fato é que, ao longo dos anos, comprei algumas vacas de pelúcia, além de outros objetos enfeitados com o mesmo tema. Há quase oito anos, tenho uma pendurada no retrovisor interno do meu carro. É Maria da Penha, minha companheira de viagens. Não, o nome dela não tem nada a ver com a "Lei Maria da  Penha". Foi escolhido porque comprei no Beto Carrero World, que fica no Município catarinense de Penha.

Fui montando a minha "fazenda", na esperança de que um dia tivesse uma filha que pudesse usufruir delas. Os anos foram passando e, pouco mais de um mês antes de minha esposa dar à luz, mudamos para a nossa casa, o que resultou no empacotamento de um mundaréu de coisas. O que era necessário saiu das caixas; o que era supérfluo ficou. Veio a tão esperada filha, mas o assunto caiu no esquecimento.

Há poucos dias, Júlia, influenciada por um desenho que é sua atual paixão televisiva (por sinal, o episódio está passando no exato momento em que escrevo estas linhas), decidiu que queria um vaca de brinquedo. Comentou com a tia Jose que me pediria para comprar uma. Então foi surpreendida com a notícia de que não apenas uma, mas algumas vacas já estavam na casa, em algum lugar. Imagine o impacto da notícia!

Como chego em casa tarde, ela já está dormindo. Na manhã seguinte, a pressa em sair para a escola afastou o assunto. Mas quando cheguei para o almoço, a pequena estava tão agitada que queria descer sem roupa para falar comigo. Conseguiram que se vestisse, mas ela me parou no meio da escada, com a mão erguida de um jeito tão ansioso que até me assustou. Disse que tinha algo muito sério a falar comigo...

E como vontades de criança mobilizam forças, eis que a tia Jose se danou a revirar caixas e encontrou aquela onde repousavam quatro reses do meu rebanho. Dali foram direto para o banho, porque estavam quase fatais para uma criança alérgica. Júlia mal conseguia conter a expectativa e tentou nos convencer a deixá-la brincar antes que as pelúcias fossem lavadas, sem sucesso. A espera pelo dia seguinte foi grande, mas agora ela é a fazendeira do papai.

Tivemos uma negociação difícil sobre a propriedade do rebanho: ela queria ser a dona das vacas, mas expliquei que os bichos continuam sendo meus; ela apenas toma conta deles. Até hoje ela ainda tenta ponderar que, se a nomeei fazendeira, as vacas são dela.

No final das contas, o meu pequeno sonho se realizou: ganhei a minha fazendeira e ela é uma apaixonada cuidadora das minhas holandesas. Qualquer hora dessas, aumentaremos a manada.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Reforma do Código Penal XXXVII: emendas

Até o presente momento, o projeto de novo Código Penal já recebeu 109 emendas de senadores e o prazo para apresentar outras foi prorrogado até 5 de novembro. Depois disso, serão elaborados relatórios parciais que o relator do projeto, senador Pedro Taques (PDT-MT), utilizará para concluir sua tarefa. Estima-se que o relatório seja aprovado ainda no dia 28 de novembro, do que duvido muito.
Lembre-se já que paira a acusação de que os trabalhos, desde a origem, estão sendo muito rápidos e açodados que nesta fase se está tentando apenas montar um texto que possa ser apreciado pelo plenário do Senado, quando então as decisões de mérito seriam tomadas por aquela casa. Quero acreditar que, nesse meio tempo, serão realizadas audiências públicas para oportunizar à sociedade se manifestar sobre tão graves questões. E, como tenho reiterado, só adianta se essas audiências forem realmente acessíveis ao público, ao cidadão comum.
Do que posso perceber pela tramitação do projeto em sua casa de origem, os senadores têm se mostrado conservadores na apreciação das propostas. A seguir-se esse ritmo, é possível que o sistema de justiça criminal brasileiro acabe por não mudar muito. Além disso, o relator afirma que levará em consideração os resultados de consultas populares feitas sobre temas polêmicos, através do DataSenado.
Essas pesquisas são meras amostragens; até onde sei, não seguem nenhuma metodologia específica que lhes dê cientificidade. Mas o que me preocupa mesmo é que, em geral, quem se dá ao trabalho de se manifestar são os conservadores e reacionários. Quanto mais arcaica a mentalidade, mais o sujeito se preocupa em impor suas preferências sobre os outros. Os moderninhos e inovadores, por sua vez, gostam de passeatas e manifestações públicas barulhentas, como a "Marcha da Maconha". Mas estas não estão sob a consideração do Senado.
Políticos e cidadãos conservadores. Medo.

Fonte:

Serviços especializados de advogado

Já tive que lidar com processos nos quais prefeito municipal era acusado de crime de responsabilidade, além de fraude em licitação, por contratar advogados sem procedimento licitatório ou para prestar serviços continuados. Ao final se entendeu pela inexistência de crime, mas houve debates e bastante controvérsia. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pretende resolver essa polêmica, por meio de duas súmulas publicadas há dois dias no Diário Oficial da União.
São elas:

SÚMULA N. 04/2012/COP
O CONSELHO PLENO DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, no uso das atribuições que lhe são conferidas nos arts. 75, parágrafo único, e 86 do Regulamento Geral da Lei nº 8.906/94, considerando o julgamento da Proposição n. 49.0000.2012.003933-6/COP, decidiu, na Sessão Ordinária realizada no dia 17 de setembro de 2012, editar a Súmula n. 04/2012/COP, com o seguinte enunciado: “ADVOGADO. CONTRATAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. Atendidos os requisitos do inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, é inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública, dada a singularidade da atividade, a notória especialização e a inviabilização objetiva de competição, sendo inaplicável à espécie o disposto no art. 89 (in totum) do referido diploma legal.”

SÚMULA N. 05/2012/COP
O CONSELHO PLENO DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, no uso das atribuições que lhe são conferidas nos arts. 75, parágrafo único, e 86 do Regulamento Geral da Lei nº 8.906/94, considerando o julgamento da Proposição n. 49.0000.2012.003933-6/COP, decidiu, na Sessão Ordinária realizada no dia 17 de setembro de 2012, editar a Súmula n. 05/2012/COP, com o seguinte enunciado: “ADVOGADO. DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. CONTRATAÇÃO. PODER PÚBLICO. Não poderá ser responsabilizado, civil ou criminalmente, o advogado que, no regular exercício do seu mister, emite parecer técnico opinando sobre dispensa ou inexigibilidade de licitação para contratação pelo Poder Público, porquanto inviolável nos seus atos e manifestações no exercício profissional, nos termos do art. 2º, § 3º, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB).”

Naturalmente, deliberações da OAB não são vinculantes, mas fornecem um critério interpretativo razoável, ainda mais porque é realmente difícil demonstrar a especialização individual de cada advogado. Acima de tudo, a advocacia é uma atividade que reclama confiança da parte em seu mandatário. A criminalização, no contexto, realmente não parece a melhor opção.

Fonte: http://www.oab.org.br/noticia/24692/oab-publica-sumulas-e-inexigivel-licitacao-para-servico-advocaticio

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Virgens wanted

Num mundo em que não têm faltado exemplos, o pseudodocumentário Virgens wanted, dirigido (ou "cafetinado") por um australiano chamado Justin Sisely, nos conduz ao que me parece, até segunda ordem, o rés-do-chão da degradação humana voluntária. De acordo com o que tem sido amplamente divulgado pela imprensa, montou-se uma espécie de reality show acompanhando algumas semanas da vida da brasileira Catarina Migliorini e do russo Alexander Stepanov, correspondentes aos seus últimos dias de virgindade. Os dois foram leiloados e arrematados pela Internet e deverão manter relações sexuais cuidadosamente regulamentadas com seus compradores.
A desproporção entre as mercadorias é um show de horrores à parte. Em ambos os casos, houve poucos lances (provavelmente, por razões econômicas e logísticas), mas Migliorini recebeu 15 contra apenas 8 do russo. Ao final, ela foi arrematada por 780 mil dólares, o que equivale a mais de 1,5 milhão de reais. Já Stepanov não valeu mais do que 3 mil dólares ou algo em torno de 6 mil reais.
Disseram-me que o desvalor masculino se explica por dois motivos: a impossibilidade de comprovar a virgindade e o fato de que os homens, arrematantes da moça, são mais "tarados". Pode ser. Mas que a diferença gritante induz a um desconforto sobre o valor do homem no delicado mercado da intimidade, lá isso induz.
Um detalhe: 7 dos 8 concorrentes por Stepanov, inclusive o arrematante, são brasileiros. Por que será? Aliás, o moçoilo andava receoso de ser adquirido por um homem e, devido ao uso de pseudônimo, não se sabe o sexo do vencedor. Mas não adianta reclamar: contrato é contrato.
Eu não sei o que pensar disso tudo. Só me incomoda profundamente que as pessoas estejam aceitando tão tranquilamente valer cada vez menos como pessoas e membros de uma sociedade, qualquer que seja. E fazendo tudo sempre às claras. Os dois serão sempre lembrados como pessoas que se prostituíram perante a rede mundial. Triste.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Quem absolveu pode influir sobre a pena?

Concluída a análise da pretensão punitiva em relação a todos os crimes e todos os réus do caso do "mensalão", a partir de hoje, o Supremo Tribunal Federal deve iniciar a fase de solução de pendências para, por fim, fixar a pena de cada réu condenação. Há grande expectativa em torno disso, já que o brasileiro médio não se contenta com a condenação: precisa também da pena lascada, imensa, centenária. Quanto mais desarrazoada, melhor. Por outro lado, forçoso lembrar que condenações módicas podem levar à prescrição, o que é sempre um constrangimento judiciário e, neste caso, de proporções colossais.
Há alguns dias se começou a aventar a tese de que os ministros que votaram pela absolvição não poderiam deliberar sobre a pena a ser imposta. Li, por sinal, um argumento absurdo: "se o magistrado que votou por absolver agora puder dizer a quanto ele deve ser condenado, as condenações, obviamente, tenderão ao mínimo (baixas o suficientes para os condenados não irem parar na prisão)" (texto aqui).
Considero absurdo porque parte do pressuposto de que o julgador vencido é um moleque que, por birra, prejudicará o resultado de um julgamento, no particular em que ele não concorda. Imagino que isso aconteça, aqui e ali, mas quero crer que não seja a tônica, muito menos na mais alta corte do país.

O fato é que o julgamento pode ser fracionado. Por exemplo: um tribunal delibera sobre uma ação penal, cujo réu suscitou uma preliminar de nulidade. O relator rejeita a tese e é acompanhado pela maioria dos membros do órgão julgador. Proclama-se um primeiro resultado: "rejeitada a preliminar de nulidade, por maioria, vencidos os desembargadores (ou ministros) X e Y". Em consequência, passa-se ao exame do mérito, que constituirá uma nova deliberação. O magistrado vencido quanto à preliminar pode analisar o mérito da pretensão punitiva porque, embora considerasse incorreto chegar ao mérito, uma vez superada esta questão, ele pode e deve enfrentar as que se seguirem.
Do mesmo modo, resolver se o réu é culpado ou inocente é uma fase que já acabou. Agora, todos os ministros devem apreciar a dosimetria, com a hombridade de analisá-la sem raivinha por ter sido vencido antes. Isto me parece lógico, já que o órgão julgador não é o ministro tal ou qual, e sim o Pleno do STF, composto por todos os ministros. Afastar algum da deliberação é usurpar-lhe uma competência inerente ao cargo.
Além de lógico, também me parece necessário. Veja-se que vários réus (inclusive alguns dos figurões) foram condenados por 6 votos contra 4. Se apenas os 6 primeiros puderem votar, duas consequências inconvenientes apareceriam: a pena seria imposta por um número baixo de julgadores, comprometendo a legitimidade da decisão; e surgiria o risco de novos empates. Isto poderia acontecer mesmo no caso de o STF estar com sua composição total e a condenação ter ocorrido por 6x5.
Aguardo, com especial interesse, a solução que será dada a essas questões, palpitantes para quem é do mundo do Direito e, de resto, para quem se interessa pela política do país.

Acréscimo:
No final, ninguém me deu bola: os ministros decidiram, justamente, que quem absolveu não pode fixar a pena. Mas são tantas as decisões estranhas; logo, não me surpreende.

Capa de hoje

Por onde anda aquela decisão judicial que proibia a veiculação de imagens de cadáveres nos jornais?
Sr. Ministério Público, por favor?

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Minha cor favorita sempre foi amarelo, mas meu coração sempre foi


vermelho.

Lançamento em família

Na terça-feira da próxima semana, 30 de outubro, meu irmão, Hudson Andrade, lançará o seu primeiro livro: Quadra de encantarias. Dramaturgo, o livro reúne quatro peças teatrais escritas por ele, algumas das quais já encenadas em nossa cidade pela Cia. Teatral Nós Outros.


Há alguns dias, o autor teve uma de suas peças selecionadas, em concurso internacional, para publicação na revista Núa, da Espanha. A edição será dedicada ao teatro em Língua Portuguesa.
Já quanto ao livro, editado pela Giostri, o lançamento ocorrerá às 19h00 no Centro Cultural SESC Boulevard. Para quem gosta de teatro ou simplesmente de ler boas estórias.

A dor que quebra

Em Colatina, Município do Espírito Santo, a notícia da morte de sua filha, de apenas 3 meses, fez um homem invadir o hospital onde a criança teria sido mal atendida e, descontrolado, quebrar o que pode antes de ser contido por policiais militares.
Tenho observado como, há tempos, as pessoas desenvolveram uma relação conflituosa com os profissionais de saúde, médicos sobretudo. Há muita desconfiança, beligerância e espírito de vindita. O resultado são acusações infundadas, persecuções criminais às vezes implacáveis e margem a uma indústria de indenizações, fomentada por advogados inescrupulosos. Mas os médicos dão motivo para isso. Tratando-nos como gado com uma frequência constrangedora, colocando todo e qualquer interesse ou conveniência pessoal acima das nossas necessidades, fica fácil criar esse sentimento de guerra declarada. Não surpreende, portanto, que pessoas reajam como o cidadão deste lamentável drama.
Provavelmente, eu não faria o que ele fez, mas por uma questão de temperamento próprio. É apenas uma especulação, porque a verdade é que ninguém sabe como reagiria numa situação real. Mas não recrimino esse pai. E provavelmente ninguém recriminaria. Já vi situações em que policiais militares, chamados a atender ocorrências, agem com inesperada condescendência, decerto por considerar os motivos da ação ou até mesmo por causa de empatia. Quem é pai, inevitavelmente, se perguntaria numa situação dessas: e se fosse minha filha?
E assim temos um exemplo da razão pela qual foi concebido o tribunal do júri (é apenas uma comparação: este não é um caso relacionado a júri). Um juiz de carreira provavelmente condenaria o homem, pelo crime de dano ao patrimônio público, a partir de uma decisão dogmaticamente correta. Mas um jurado provavelmente não.
Você condenaria?

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Agressividade global

Não disponho de nenhuma informação, por isso todo o texto que se segue constitui mera especulação minha.

Cansada de ouvir que perdeu espaço frente à concorrência, sofrendo reveses inclusive em relação ao produto que, sabidamente, é o seu carro-chefe, as telenovelas, a Rede Globo decidiu recuperar o seu status. Neste ano de 2012, a controversa emissora brasileira adotou estratégias que têm sido muito comentadas por quem se interessa pelo tema.

O ator Gabriel Braga Nunes interpreta o protagonista
com poderes especiais, vivendo no Marajó nos primeiros
capítulos de
Amor Eterno Amor.
A primeira dessas estratégias atingiu diretamente a nós, paraenses. Depois que a Record gritou aos quatro ventos que sua melhor audiência era aqui em Belém e passou a mimar os paraenses, a Globo contra-atacou, criando as vinhetas nas quais os atores dos programas em exibição falam diretamente aos paraenses e ao público da TV Liberal; deu amplas oportunidades a Gaby Amarantos; exibiu diversas reportagens sobre o nosso Estado, desta vez em tom mais elogioso; e chegou ao ápice com a novela Amor Eterno Amor, na qual divulgou uma controversa visão muito peculiar dos nossos costumes, além de exibir as belezas da Ilha do Marajó e de Alter-do-Chão.

Amor Eterno Amor também investiu em um sub-tema que sempre rendeu bons dividendos para a emissora: a espiritualidade. Na maioria dos casos, a exploração dessa temática atrai o brasileiro médio, que sempre está ávido por acreditar. O resultado foi uma mistura inconsequente de temáticas metafísicas.

Cheias de charme explorou a onda brega, versão forró,
melody e sertanejo. Novela boa em meio a música ruim.
A segunda estratégia tem a ver com a ascensão das classes sociais mais baixas. Com maior poder aquisitivo, o lado brega do povo brasileiro agora quer ver e ser visto. Para manter a audiência, foi preciso trocar o estilo Manoel Carlos de fazer teledramaturgia, centrado no mundo dos ricos e afrescalhados e dos muito ricos e afrescalhados além da conta, para dar destaque a essa gente bronzeada que está louca para mostrar o seu valor. No horário destinado às novelas cômicas, foi Cheias de charme que brilhou. Tendo como protagonistas três (improváveis) empregadas domésticas e uma patroa rica, porém breguíssima, as classes C, D e E tiveram a sua vez. O resultado foi um estrondoso sucesso.

Chegamos, por fim, à faixa das 21 horas, o horário nobre. Avenida Brasil ganhou uma legião de fãs e incontáveis inimigos, mas todos pareciam estar sentados em frente à TV. Ouvi tantos desaforos contra a trama, mas nem por isso ela perdeu audiência. Carminha, a memorável vilã de Adriana Esteves, era tão má que conquistou a simpatia do público, até porque o apelo popularesco aqui também foi usado. O núcleo central do enredo era rico, mas não como antigamente. Eram ricos sem classe, esbanjando breguice e brasilidade. Temperou-se com um garanhão idoso, um playboy trígamo e uma deliciosa periguete (personagem que agora parece ser obrigatória em toda novela) e a receita deu certo.

Avenida Brasil: o mérito de não ter uma mocinha
tradicional, mas muita violência na tela do horário nobre.
O que observei, nestes últimos dias, foi uma propaganda pesada para chamar a atenção de todos para a semana final de Avenida Brasil. A Globo jogou para valer e se deu bem. Mencionou que Dilma Rousseff mandou mudar o horário de um comício para poder ver o último capítulo. Promoveu chamadas e enquetes no Portal G1. Usou até uma estratégia curiosa, hoje: exibir uma grande lista de suspeitos do assassinato de Max e, ao longo do dia, ir eliminando alguns. Com isso, mantém uma parcela do público fixado no assunto durante o dia inteiro.

O público correspondeu. Hoje, a emissora instituiu uma espécie de plantão do último capítulo. Vários programas trataram de algum modo dele, até mesmo o Globo Repórter, cujo tema em princípio era sobre justiça. Foi um dia em que as pessoas não queria trabalhar nem assistir aula por causa da novela. Até a concorrência aderiu: no Portal Uol, foi posto um acompanhe minuto a minuto a novela, com direito a fotos. Tudo pela audiência, de um jeito que não vira antes neste país. A técnica de colocar conteúdos exclusivos na Internet também está sendo empregada, salvo engano com a novela Lado a lado.

Pouco importa de qual novela estamos falando. Pelo visto, a forma de agir mudou e está mais profissional. Nada será como antes.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Vida inteligente e lançamento

Eu ainda era um jovem aluno de graduação em Direito (ok, já faz algum tempo, sim) quando estive no CENTUR para participar de um evento acadêmico. O palestrante do dia era José Eduardo Faria, que numa conversa informal posterior (informal do jeito dele, porque pareceu uma segunda preleção) fez um comentário um tanto condizente com um uspiano exclusivo (até o doutorado, pelo menos): disse que, às vezes, ele se perguntava se havia vida inteligente na academia.
Admito que, com certeza, não entendi os motivos e a extensão da crítica, mas me incomodei, porque não me pareceu construtiva. O visitante não estava fazendo um mea culpa, mas tão somente falando dos outros. Aquele questionamento cruel me perseguiu por anos e, em meu primeiro mestrado, por razões bastante pessoais.
Ignoro se, passados esses anos, o Prof. Dr. Faria mudou de opinião, mas hoje sei que existe muita vida inteligente na academia. E ela pulsa também aqui, em nosso Estado. Esta realidade vem se delineando através de uma produção científica cada vez maior e melhor. Um exemplo disto é o lançamento que teremos daqui a uma semana:


Trata-se da tese de doutorado da Profa. Ana Cláudia Bastos de Pinho, hoje ligada ao respeitado Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (nota 5 pela CAPES). A tese, transformada em livro, chega para todos os que se interessam pelas ciências criminais, com apetite não apenas para conhecê-las, mas para transformá-las.
Ontem mesmo, ao final de minha aula do mestrado, o Prof. Jean Carlos Dias comentava sobre a necessidade de superarmos os parcos limites do positivismo jurídico, que serve para muita coisa, porém para muito pouco em relação ao que necessitamos de fato. E mencionou que os dois últimos bastiões do positivismo são o Direito Penal e o Direito Processual. Verdade. No meu mundinho, estamos ainda mais atrasados no projeto de ressignificação dos nossos fundamentos e finalidades.
Para esta missão, Ana Cláudia está capacitada e motivada. Por isso recomendo a obra.

Sequestro nos tempos da ditadura

Não é a primeira vez que escrevo sobre Carlos Alberto Brilhante Ustra. O antigo comandante do DOI-CODI entre os anos de 1970-1974 já fora declarado torturador pelo Judiciário paulista, mas ali se tratava de una ação cível, de cunho declaratório. Por si só, não tinha o condão de promover qualquer reparação. Era apenas uma forma de fazer prevalecer o hoje em voga direito à verdade. Uma verdade que interessa aos familiares da vítima de tortura e a todos os brasileiros, por causa da História.
Desta feita, o militar reformado foi denunciado pelo Ministério Público Federal de São Paulo. A acusação é de sequestro, tendo como vítima Edgar de Aquino Duarte, preso ilegalmente em junho de 1971 e que, como tantos outros, nunca mais foi visto.
Embora tecnicamente esse ato seja capaz de instaurar de uma ação penal, que por sua vez pode implicar numa pena criminal, a bem da verdade o efeito da denúncia, a meu ver, é mais pedagógico, simbólico. E os procuradores da República denunciantes provavelmente estão conscientes disso. Afirmo-o porque o procedimento padrão nos tempos da ditadura era sequestro como meio executivo de homicídio, por meio de execução sumária. Edgar Duarte não há de estar perdido por aí, muito menos ainda sequestrado. Mas como já se passaram 41 anos, a única forma de sustentar uma denúncia, driblando a prescrição da pretensão punitiva, é recorrer ao tipo de sequestro, que sendo um crime permanente e ainda estando em execução, permitiria a persecução criminal mesmo em nossos dias.
Ainda que fosse assim, como reunir provas seguras do crime, a esta altura? Quais as chances reais de sucesso de uma demanda como essa? Volto a dizer: o MPF está tentando resgatar uma verdade, mas não obter uma sentença condenatória. Podem até dizer o contrário, mas realmente não acredito. E por muito que eu repudie a ditadura militar, não tenho como endossar um procedimento tão complexo se ele me parece inútil.
Pedindo desculpas pelo pessimismo, não vislumbro nenhum resultado relevante para esta novidade.

Esperando por mim

Tudo bem que me basear em Legião Urbana e Renato Russo já virou lugar-comum, mas o que tem me emocionado nos últimos dias é isto:

Esperando por mim

Acho que você não percebeu
Que o meu sorriso era sincero
Sou tão cínico às vezes
O tempo todo
Estou tentando me defender
Digam o que disserem
O mal do século é a solidão
Cada um de nós imerso em sua própria arrogância
Esperando por um pouco de afeição
Hoje não estava nada bem
Mas a tempestade me distrai
Gosto dos pingos de chuva
Dos relâmpagos e dos trovões
Hoje à tarde foi um dia bom
Saí prá caminhar com meu pai
Conversamos sobre coisas da vida
E tivemos um momento de paz
É de noite que tudo faz sentido
No silêncio eu não ouço meus gritos
E o que disserem
Meu pai sempre esteve esperando por mim
E o que disserem
Minha mãe sempre esteve esperando por mim
E o que disserem
Meus verdadeiros amigos sempre esperaram por mim
E o que disserem
Agora meu filho espera por mim
Estamos vivendo
E o que disserem os nossos dias serão para sempre.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Medidas para reduzir as prisões

Em artigo no qual destaca a sua experiência pessoal, o promotor de justiça em Minas Gerais André Luís Melo confirma, na realidade brasileira, fenômenos descritos por Eugenio Raúl Zaffaroni, grande expoente do Direito Penal da atualidade:
  • A maioria das prisões se dá devido ao que o mestre argentino chama de criminalidade tosca: crimes praticados por pessoas cujos recursos intelectuais e materiais são tão limitados que só lhes resta cometer ações grosseiras. Estes crimes chamam mais a atenção e despertam maior repulsa social, embora em geral não se considere a sua real gravidade. Ao mesmo tempo, são mais fáceis de demonstrar, ensejando a eficácia da persecução criminal sobre os desfavorecidos de todo gênero.
  • A falta de investimentos inviabiliza a investigação criminal, provocando elevados índices de crimes não apurados. A percepção quanto à incapacidade do sistema em garantir proteção e em solucionar os ilícitos desestimula os cidadãos em procurar as autoridades. Tudo isso provoca a cifra oculta da criminalidade e a consequência são índices assustadores de impunidade, que por sua vez é outro fator criminógeno.
  • Como consequência do fator acima, a Polícia Militar  que realiza policiamento ostensivo e portanto está na linha de frente da repressão ao crime  se converte na verdadeira autoridade criminalizadora, pois é quem na prática decide o que vai ou não ser apurado como crime. A Polícia Civil, o Ministério Público e o Poder Judiciário apenas dão seguimento aos casos que foram selecionados pela força ostensiva. Ou seja, vão na onda, mas não têm condições de criar as suas próprias demandas. A consequência é que, neste país, crime é aquilo que a Polícia Militar quer que seja. Assim, a criminalização por estereótipo, por estigmatização e até mesmo como consequência de corrupção policial são constantes.
Fácil perceber como um sistema assim constituído está fadado ao malogro  a menos que, seguindo o pensamento de Michel Foucault, o objetivo seja justamente provocar essas consequências, caso em que o sistema seria altamente bem sucedido.
No artigo, o promotor de justiça faz algumas propostas que, em seu entendimento, reduziriam o número de prisões pela metade. Mas são propostas de mudança legislativa, atingindo os crimes de furto, roubo e tráfico de drogas, basicamente para reduzir a responsabilidade nos casos de menor gravidade. Não me parece que tais medidas teriam o efeito desejado, não apenas por uma questão estatística, mas sobretudo pelos riscos de devaneios interpretativos.
Já está bastante claro que é o real motivo pelo qual há superpopulação carcerária no Brasil (e de resto na América Latina, como destaca Zaffaroni) é o uso abusivo da prisão cautelar, infeliz coalizão entre todas as instituições persecutórias e que hoje conta com grande respaldo da mídia e da opinião pública por esta influenciada. A mudança dessa cultura é o grande desafio e, sozinha, já faria uma mudança extraordinária. Contudo, ela não pode ser implementada com base apenas no gosto dos magistrados, o que poderia gerar grave instabilidade social. São necessárias novas estratégias, tais como o uso de monitoramento eletrônico, a ampliação das penas restritivas de direitos e uma investigação criminal em bases científicas.
Some-se a isso, claro, a mudança na legislação, hoje essencialmente punitivista. Fico, então, com uma sugestão feita pelo articulista: criar condições para que o acusado possa manifestar-se antes do interrogatório, criando a possibilidade de confissão voluntária ou mesmo barganha, reduzindo o número de processos em andamento.
À consideração dos interessados.

Pensando a sociedade

"Pode-se imaginar uma situação na qual a distância entre a classe média baixa e a classe alta continue aumentando  e na qual, num dos polos da distribuição de renda, um punhado de homens e mulheres extremamente inteligentes (saudáveis e de boa aparência graças às academias, aos cirurgiões plásticos, à engenharia genética e aos cuidados preventivos com a saúde) ganha altos salários que lhe permitem viver luxuosamente em comunidades isoladas. Essas pessoas transmitiriam seus benefícios aos descendentes por legado direto, por legado genético através do acasalamento seletivo, bem como pela concessão, aos filhos, da oportunidade de estudar em escolas caras. Ao mesmo tempo, um pouco acima da linha da pobreza, podemos imaginar milhões de indivíduos pouco capacitados trabalhando duro por salários modestos em empregos que não conferem prestígio nem segurança e que trazem muito pouca satisfação intrínseca. Essas pessoas viveriam, em seu meio, uma vida cheia de limitações e relativamente pouco saudável. Os habitantes desses dois mundos podem tornar-se tão diferentes em termos de valores, perspectivas, inteligência, interesses, aspirações, instrução, estilo de vida e até mesmo aparência física (altura, postura, idade aparente), e tão segregados (encontrando-se uns com os outros apenas rapidamente e no ambiente de trabalho), a ponto de se tornarem incapazes de compreensão e empatia mútuas, bem como de unirem-se em torno de projetos nacionais."
Richard Posner
Fronteiras da teoria do direito, São Paulo: Martins Fontes, 2011, pp. 119-120

E o resultado é votar na direita...

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Quase em branco

Uma vergonha. Em seus 6 anos de existência, esta foi a primeira vez que não publiquei uma postagem sobre o dia do professor. Mas não foi esquecimento ou falta de vontade: a culpa foi do Facebook. Migrei minha manifestação para lá.
Aliás, foi um dia de trabalho docente. E pelo Facebook pude ler muitas postagens adoráveis, de alunos de ontem e de hoje, que foram extremamente reconfortantes e estimulantes. Agrada-me de modo muito específico ver que muitos jovens continuam empenhados em abraçar essa carreira, no futuro, com todos os seus percalços. Isso é maravilhoso, porque não podemos prescindir dos bons.
Deixo mais um abraço para os colegas de docência.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Super 8

Escrito e dirigido por J. J. Abrams, o mais famoso dos criadores de Lost, Super 8 é um filme que reúne as idiossincrasias de seu diretor e de seu principal produtor, Steven Sipelberg. Do primeiro, temos a temática, envolvendo alienígenas e conspirações; do segundo, a narrativa centrada em adolescentes de bom caráter, que rendem cenas ora engraçadas, ora comoventes, e cenas de ação com direito a muitas explosões.
Os personagens, redondos, envolvem um garoto que acabou de perder a mãe num acidente trágico e seu pai, policial dedicado mas que não sabe se relacionar com o filho, além de um tipo marginal que é apenas um homem muito infeliz e que precisa lidar com sua filha.
A trama: No ano de 1979, na fictícia cidade de Lillian, um grupo de garotos roda um filme caseiro sobre zumbis, para participar de um festival de jovens cineastas da região. Mas acabam por presenciar um desastre envolvendo um trem da Força Aérea. Rapidamente, a cidade fica cheia de militares, sendo óbvio que estão escondendo algum segredo muito perigoso. O segredo em questão começa a sequestrar pessoas e destruir a cidade. Guiados pelo que sabem através do filme que rodaram, das pesquisas de seu professor de Ciências e das ações do pai de Joe, o protagonista, que fica no lugar do xerife, os adolescentes acabam tendo um papel de destaque no conflito.
Felizmente — e o mérito é de Abrams, não do chatíssimo Spielberg , o desfecho da estória não importa em nenhum ato grandioso dos adolescentes, incompatível com eles na vida real. As coisas apenas acontecem ao redor deles, de modo que os feitos mais heroicos que praticam são mesmo a construção e a reconstrução de vínculos pessoais. Como convém a filmes do gênero, os valores da família, amizade e mesmo da paixão inocente são destacados. Como bem definiu minha esposa, os adolescentes de Super 8 são o que nos gostaríamos que nossos filhos fossem, em matéria de educação e respeito.
Como os fatos se desenrolam no espaço de dois dias, o roteiro flui num ritmo ágil, prendendo a atenção. Trata-se de um filme despretensioso e prazeroso, que funciona como uma homenagem de Abrams aos filmes que fizeram sua alegria na infância, como ET, o extraterrestre e Os Goonies, tão bom (para mim, melhor) quanto o primeiro e infinitamente superior ao segundo. Se você é da mesma geração que eu, entenderá isso melhor. Assista.
E não deixe de ver, durante os créditos finais, as cenas do filmezinho caseiro feito pelos garotos. Muito bacana.

Sobre o filme: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-181541/

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Legitimação processual calhorda

A permissão para abortar em caso de estupro é uma norma bastante difundida no mundo. Difícil é crer que, em 2012, países em que normas nesse sentido já existiam criem obstáculos ao exercício do direito. Mas foi o que aconteceu na Argentina, que anda mesmo pelas tabelas sob uma forte crise econômica e uma presidência fora do prumo. E aconteceu num caso extremo, em que a mulher vítima de estupro fora refém de uma rede de tráfico humano!!!
O abortamento já estava marcado quando uma organização não-governamental ingressou em juízo e conseguiu uma ordem impeditiva, que só foi revertida agora, na Suprema Corte de Justiça, lá onde o mestre Eugenio Raúl Zaffaroni exerce as suas funções.
O caso me fez lembrar a situação que, em nosso país, gerou toda a batalha perante o Supremo Tribunal Federal, em torno do abortamento de fetos anencéfalos. O casal queria interromper a gestação e já possuía uma decisão judicial favorável. Foi aí que um padre que não tinha nada a ver com eles e morava em outro Estado se meteu na história, impetrou um habeas corpus e gerou um fuzuê dos diabos. Literalmente dos diabos. Foi aí que escrevi esta postagem aqui, de 2006 e portanto muito anterior ao julgamento da ADPF 54.
Fico absolutamente furioso de pensar que, numa demanda entre parte A e parte B (ou mesmo que não seja entre particulares, mas uma demanda pessoal deduzida frente ao Estado) possa vir um feladiputa sabe-se lá de onde, sem nenhuma relação direta com o caso, sem direitos ou poderes sobre a situação, e exista para ele um procedimento judicial que, ainda por cima, tem sucesso! Existe uma boa distorção na percepção de interesse público, ao que me parece.
Ao mesmo tempo em que devemos reforçar o acesso à justiça, devemos nos preocupar com a guarida que o Judiciário — em mais de um país, como se vê — tem dado a pretensões de estranhos à causa, com visível prejuízo à cidadania. Em suma, até onde deve ir o direito de ação?

PS — Aos corações sensíveis que possam ter-se incomodado com o tabuísmo escrito acima, devo dizer que este blog, batizado de Arbítrio, está hoje num de seus dias autênticos: valorativo, engajado e sem meias palavras. Então não reclame.

À margem do Círio

Todos os anos, minha mãe nos levava para o Círio. Nós sempre ficávamos na Praça do Pescador, onde as horas se sucediam e eu ali, sofrendo, sem compreender o motivo daquela agonia. No ponto em que ficávamos, confluência da Boulevard Castilhos França com a Presidente Vargas, duas coisas me afligiam: a curva fechada que a procissão precisava fazer e que sempre acarretava em empurra-empurra, quedas e algum tumulto; e a tradicional queima de fogos dos estivadores, cujo barulho me incomodava muitíssimo. Eu era criança, não entendia e minha mãe nunca foi muito democrática, então não havia esse papo de negociar com os filhos. Sequer de esclarecê-los.
Os anos se passaram e, aos 13, tornei-me espírita. Foi aí que comecei a gostar mais do Círio porque, ao contrário do que pensam os desinformados, que não são poucos, os espíritas têm um carinho extremo por Maria, por reconhecerem o papel extraordinário que desempenhou na vinda de Jesus. A missão não podia ser conferida a uma mulher qualquer: tinha que ser Maria.
A União Espírita Paraense, que eu frequentava, fica ali na Rua Osvaldo Cruz, de cara a Praça da República,  portanto na área de influência das atividades do Círio. No sábado, estávamos sob os efeitos da Trasladação, por isso o trânsito era interrompido e desviado. O resultado era que as reuniões normais, de grupos, eram substituídas por uma reunião só, invariavelmente falando sobre Maria. Eram noites bonitas, emocionantes, que me fizeram amar essa figura histórica incomparável. Somando-se isso ao fato de que minha mãe parou de nos obrigar a acompanhá-la, a liberdade recém adquirida me permitiu conhecer os meus próprios sentimentos.
Desde então, adoro o Círio e considero um privilégio viver na cidade em que ele é realizado. Naturalmente, isso não tem a ver com fé, já que se trata de um evento católico. Para mim, é um evento social, cultural e acima de tudo humano, que nos permite dias de congraçamento, de fraternidade, uma pausa na habitual indiferença ou hostilidade com que as pessoas passam o restante do ano.
O primeiro ano em que não acompanhei a procissão foi estranhíssimo. Parecia que não havia Círio ocorrendo. Mas preferi assim, porque aglomerações sempre me provocaram mal estar. Passados alguns anos, decidi acompanhar de novo. Como na infância, fomos eu, minha mãe e meu irmão. Fomos à Catedral, para acompanhar a procissão desde o começo, até onde aguentássemos. Mas os tempos eram outros. Em meio aos devotos, havia um certo número de bêbados, vândalos, mulheres seminuas se oferecendo e dizendo obscenidades. Havia gente acompanhando o cortejo, mas com a cabeça em outro lugar. Havia gente brigando e tentando ir ao desforço físico. Na calçada do que hoje é a Estação das Docas, fomos empurrados e quase caímos sobre um imenso tacho de azeite fervente, onde um sem noção fritava batatas para ganhar dinheiro. Recordo-me do desespero de meu irmão, na época obeso mas pelo menos forte, usando os braços para fazer uma espécie de isolamento em redor de mim e de nossa mãe. Recordo-me de seu olhar decepcionado quando, mais adiante, assistiu dois homens se ameaçando e trocando palavras de baixíssimo calão. E no meio do cortejo, muitos e muitos atos de incivilidade e menosprezo pelo semelhante. Foi quando ele decidiu não mais acompanhar o Círio.
Meu irmão retornou alguns anos depois, mas sempre para acompanhar nossa mãe. Eu nunca mais fui. Hoje, ela mesma não vai mais, por causa de sua idade e problemas de saúde. Hoje ela segue uma parte da Trasladação, sempre acompanhada por alguém da família. Afinal, aos 70 anos é preciso ser realista.
Estamos a menos de um dia e meio do Círio e, por força do trabalho e do mestrado, com suas ocupações superlativas, estou mais desconectado do Círio do que nunca. Não queria que fosse assim porque, como disse acima, gosto de viver o clima de fraternidade que se espraia pela cidade. Só vemos algo parecido no Natal, mas no Círio ele é ainda mais intenso. Resta-me, portanto, tirar um momento para fazer minhas orações, aqui em casa, mesmo. Pedindo uma chance para a nossa cidade e saúde, paz e oportunidades para nós.
E você? Tem alguma relação com o Círio que gostaria de dividir conosco?

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Alhos com bugalhos

Você sabia que a Câmara Municipal de Belém concede oito tipos de honrarias? Por honraria entenda-se um gesto de reconhecimento a um trabalho ou comportamento socialmente relevante, materializado em um documento (um diploma) ou adorno (uma medalha). Na verdade, os três Poderes Constituídos da República concedem esses agrados, às vezes por razões justas, mas na maioria dos casos apenas como forma de massagear egos, seja o dos beneficiários, seja o dos dirigentes do poder concedente, que assim constroem as suas teias de relações. Afagos e troca de favores são estratégias comuns do clientelismo que sempre caracterizou a política brasileira.
Dentre as honrarias concedidas pela Câmara de Belém estão (textos copiados das páginas do Poder Legislativo na Internet):
  • Brazão d'Armas, a mais alta condecoração concedida pelos vereadores, "dedicada às autoridades civis, militares, públicas e eclesiásticas que tenham se destacado nos setores culturais, intelectuais, artísticos e sociais em favor do Município de Belém";
  • Comenda Gaspar Viana, reconhece a "efetiva contribuição no campo da pesquisa científica, da saúde coletiva ou bem estar da comunidade" nas áreas de Medicina, Odontologia, Enfermagem, Biomedicina, Medicina Veterinária, Farmácia, Fisioterapia, Ciências Biológicas e Fonoaudiologia;
  • Dia Internacional da Mulher, em sessão especial, outorgam-se medalhas para mulheres que se destacaram profissionalmente ou em serviços à comunidade;
  • Honra ao Mérito/Cidadão de Belém, títulos outorgados a qualquer pessoa que tenha "prestado relevantes serviços à sociedade de Belém";
  • Medalha Clodomir Colino, "concedida às personalidades que se destacarem nos setores da educação e da intelectualidade";
  • Medalha do Mérito Profissional da CMB, "ao funcionário destaque do ano, de acordo com os seguintes critérios: assiduidade; pontualidade; produtividade; relação interpessoal; iniciativa e criatividade".
Como se vê, há um grande leque de opções para comemorações. Contudo, os dois últimos itens da lista chamam a atenção:
  • Benemérito evangélico: "Resolução nº 133 de 05 de dezembro de 2002 - É concedido diploma ou medalha a pessoas que tiveram destaque no trabalho da evangelização e prestam serviços assistenciais para a valorização do ser humano. É entregue no dia 30 de novembro, por indicação de qualquer vereador."
  •  Medalha e Diploma "Círio de Nazaré": "Resolução Nº 035, de 30 de maio de 2005. Outorgados a pessoas físicas e jurídicas, entidades, instituições e empresas públicas ou privadas, que se destacam pela efetiva colaboração a festa católica dos paraenses, o Círio de Nazaré, realizada no segundo domingo de outubro. A honraria é entregue em sessão solene em comemoração ao Círio, realizada todo mês de outubro. Os agraciados são indicados por cada vereador e pelo Presidente da Casa, mediante consulta à Diretoria da Festa do Círio de Nazaré."
Salta aos olhos que o primeiro grupo compreende atos de reconhecimento por razões republicanas, ao passo que os dois últimos se referem especificamente a razões religiosas. O primeiro campo pertence às atribuições constitucionais do Poder Legislativo; o segundo, obviamente, não. Afinal, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios manter com religiosos ou igrejas, ou com seus representantes, "relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público" (art. 19, I, da Constituição de 1988).
A ressalva é a porta aberta para os locupletamentos. Gostaria que os mais bem informados sobre o tema me informassem qual é a lei que disciplina as relações de interesse público entre os Poderes Constituídos e os religiosos ou se, como parece, basta uma normazinha administrativa mesmo, criando a honraria. Isto não me parece razoável.
A explicação para as duas honrarias aqui questionadas é uma só: a existência de bancadas religiosas, que agem para a própria glorificação, e de políticos que, mesmo sem vinculação a essas bancadas, adoram tirar uma casquinha de manifestações grandiosas como o Círio de Nazaré. Estes abundam em nossa cidade. E como bem sabemos, tornou-se lugar comum por estas bandas fazer concessões de todo tipo aos religiosos com acesso aos centros decisórios. Estão aí os logradouros públicos de Belém, que não me deixam mentir.

Presos e estudantes

A afirmação, em si, é velha, mas sempre é bom reforçá-la com dados concretos, para desvelar a realidade nacional. Refiro-me aos custos de manutenção de um presidiário federal e de um estudante de universidade pública: 3.312 reais por mês no primeiro caso contra 1.498 reais no segundo. O problema é de concepção, já que tanto a sociedade brasileira quanto o poder público são dominados pela mentalidade punitivista. Não apenas isso: neste país, se a sanção penal não for cadeia, e por longo tempo, não serve.
As penitenciárias federais foram formalmente introduzidas no Brasil por meio da Lei n. 10.792, de 2003, que promoveu alterações na Lei de Execução Penal e foi uma resposta à escalada da violência relacionada ao crime organizado, notadamente à ação de grupos como PCC e Comando Vermelho, além dos megatraficantes de drogas. A primeira a funcionar no país foi a de Catanduvas (PR), inaugurada em 23.6.2006. A segunda foi a de Campo Grande (MS), inaugurada em 21.12.2006. Já foram concluídas as de Porto Velho (RO) e Mossoró (RN) e está em fase de planejamento a de Brasília. Por enquanto, não há previsão de criação de uma instituição do gênero na região Sudeste.
Todas as penitenciárias federais são concebidas para abrigar até 208 presos e nelas a regra de celas individuais é rigorosamente respeitada. Por conseguinte, a quase totalidade da população carcerária brasileira está recolhida aos sistemas penitenciários estaduais, que são mais baratos porque a infraestrutura, inclusive humana, é bem mais frágil. Contudo, as condições de funcionamento delas são muito piores, indo muito além de qualquer concepção de indignidade.
Seja como for, o custo de um presidiário no sistema estadual também supera o de um estudante. Portanto, não há dúvida de que estamos fazendo muita coisa completamente errada.




Fontes:

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Cadeia é mais fácil do que construir respeito (ou Parece que eu caí na pegadinha)

Há algo de muito errado com este mundo, coisa que eu já sei há bastante tempo. Já escrevi outras postagens sobre os sintomas de um mundo doente. Acabei de me deparar com mais um, agorinha, ao tomar conhecimento do caso da mulher  esposa, mãe, profissional — que cometeu um crime porque desejava ser presa e, com isso, ficar um pouco só e ter tempo para si mesma!
A notícia, em si, causa perplexidade. Mas fiquei ainda mais desarvorado ao assistir à reportagem e constatar que, em vez de uma mulher deprimida e desesperada, como imaginei que ela estaria, a protagonista desta história está, neste momento, totalmente relaxada, sorridente, cheia de livros para ler e CD para escutar, respondendo com debochado bom humor às perguntas. Comporta-se levianamente, a ponto de rejeitar uma conversa com o advogado criminalista contratado para assisti-la. Aparentemente, ela acredita estar tirando uns dias de férias, que durarão quanto ela quiser — mais ou menos correspondente ao seu estoque de livros e discos.
O teor da matéria, não à toa vindo de um "Jornal Sensacionalista", não ajuda. O marido teria contratado o melhor criminalista da cidade para defender sua esposa, mas não por preocupação com ela, e sim porque não está dando conta da dupla jornada: não está podendo trabalhar nem jogar pelada. Sinceramente, gostaria de ter maiores detalhes sobre o caso, pois não quero acreditar que esse drama é composto por um conjunto de inconsequentes.
Para completar, ainda aparece uma sociológica louvando o gesto da professora, como um ato de libertação mais grandioso do que a queima dos sutiãs, apoteose do feminismo até aqui. Fala sério.
Será que cometer um desatino e ir para a prisão é mais fácil do que se acertar com o marido, dividir tarefas, cobrar responsabilidades dos filhos, etc.? A professora em questão parece ter razoáveis condições financeiras, a julgar pelo prédio em que vive, por seu nível de educação e pelo tal melhor criminalista contratado. Precisávamos mesmo desse showzinho?

***

Mas enquanto outros discutem o valor dessa sandice para o feminismo, o criminalista que sou se inquieta também com outras coisas. A professora praticou um furto (e não um roubo, como diz a matéria, a menos que haja alguma informação obtida). Crime sem violência praticado por uma pessoa primária não poderia sujeitá-la à prisão cautelar. Que diabo de lugar é esse em que um juiz mantém presa uma mulher nessas condições? É constrangimento ilegal!
E não me venham dizer que ela prefere assim, porque a cadeia não é quintal da casa dela. O espaço não está à disposição dos engraçadinhos. Persecução criminal é coisa séria, embora ela não saiba ou prefira ignorar.
Também estranhei a cela vazia e limpa. Que lugar é esse?!
E, para arrematar, os comentaristas da matéria ainda acham tudo legal e divertido. Dá para levar a sério o brasileiro?

Agora você lê a caixa de comentários e percebe a barrigada que eu dei...

Prognóstico

A política brasileira anda tão ruim que, agora, logo depois de votar, o eleitor passa mal e morre.
Com a qualidade dos nossos candidatos, é possível que a epidemia se alastre.

domingo, 7 de outubro de 2012

Seminário dos monitores

Amanhã e depois, 8 e 9 de outubro, o CESUPA promoverá o primeiro seminário de seu corpo de monitores, uma iniciativa que vem sendo gestada com cuidado desde o semestre passado, quando nós, professores orientadores, fomos convidados a apoiar o evento.
Não tenho dúvida de que este seminário é resultado de outros eventos, que tiveram acadêmicos à frente, monitores ou não, que resultaram em palestras dentro e fora da nossa Semana Jurídica, bem como nas honrosas participações nas competições internacionais sobre o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
Está claro que a monitoria no CESUPA amadureceu. Já passamos da fase dos auxiliares que assistem às aulas mais ou menos calados, para a fase dos acadêmicos proativos, que realmente orientam seus colegas, escrevem artigos e se mostram absolutamente capazes de assumir a dianteira de um seminário como este.
Com muito orgulho, oferecemos à comunidade jurídica palestras proferidas não por nós, professores, mas por nossos talentosos monitores. As atividades começam às 15h00. Eis o temário (com uma mudança de horário informada pelo Leonardo Santa Brígida na caixa de comentários):

Segunda, 8.10.2012

"O novo Código de Processo Civil: reflexões necessárias, a partir das versões do Senado e da Câmara"
Monitor de Teoria Geral do Processo e Processo Civil Bernardo Augusto da Costa Pereira

"A inseminação artificial post mortem e seus efeitos na personalidade jurídica e na sucessão"
Monitora de Direito Civil Lorena Meirelles Esteves

"Relevantes considerações sobre reserva legal e o novo Código Florestal"
Monitor de Direito Ambiental Leonardo Cunha Santa Brígida

"Condenação, reabilitação e perdão na obra de Paul Ricoeur"
Monitor de História do Direito e do Pensamento Jurídico Diego Siqueira Rebelo Vale

"A necessidade de relativização nos tribunais"
Monitora de Sociologia Geral e do Direito Emy Hannah Ribeiro Mafra

"Supremo Tribunal Federal: órgão jurídico ou político?"
Monitora de Teoria Geral da Constituição e Direito Constitucional Clarissa Ribeiro Valente

Terça. 9.10.2012

"Responsabilidade civil: a honra objetiva e subjetiva das pessoas jurídicas e a sua reparabilidade"
Monitora de Direito Civil Rafaela Teixeira Neves

"A nova lei antitruste e seus impactos no sistema brasileiro de defesa da concorrência"
Monitor de Direito Econômico Felipe Guimarães Oliveira

"O direito penal do inimigo de Günther Jakobs: premissas, críticas e reflexões"
Monitor de Direito Penal Adrian Barbosa e Silva

"Drogas e o princípio da lesividade"
Monitor de Direito Penal Lucas Sá Souza

"Protagonismo judicial e judicialização política"
Monitoras de Introdução ao Estudo do Direito Flávia Góes Costa Ribeiro, Juliana Coelho dos Santos, Juliana Melo Corrêa Albuquerque de Oliveira, Raísa Crespo Soares e Jéssica Farias Coutinho

sábado, 6 de outubro de 2012

Elegendo um vereador

Ainda existe muita gente que pensa que alguém pode fazer uma boa gestão como prefeito, governador ou presidente da República graças exclusivamente a seus méritos pessoais. Infelizmente, a coisa não é tão simples assim. Embora a organização política brasileira crie condições para que o Executivo controle o Legislativo, o fato é que o primeiro está submetido às ações do segundo, de modo que o desequilíbrio da relação pode conduzir à ingovernabilidade.
A falta de governabilidade já tirou do poder mais de um presidente, como Jânio Quadros (1961), João Goulart (1964) e Collor de Mello (1992). Sim, meu amigo, não foram os caras-pintadas que derrubaram Collor do poder: foi a falta de cobertura do parlamento. Nos anos que se seguiram, escândalos de corrupção muito maiores não abalaram os governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula.
O que eu quero é destacar que, por mais autocrático que um chefe de Executivo tente ser, ele depende do Legislativo para governar. Afinal, é o Legislativo que aprova a lei orçamentária todo ano; que autoriza as realocações orçamentárias além do limite de liberdade do Executivo; que aprova as leis das quais o Executivo depende para implementar seus programas de governo e a infraestrutura administrativa para a gestão; que exerce poder de fato através de comissões parlamentares de inquérito, dentre outros.
Por tudo isso, é extremamente importante que você, amanhã, eleja um parlamentar que possa contribuir com o plano de governo do seu candidato a prefeito. De nada adianta eleger um prefeito com perfil roxo-de-bolinhas-verdes e, ao mesmo tempo, um vereador que comporá uma Câmara Municipal fúcsia-de-listrinhas-brancas. Há a questão ideológica, por certo. Mas acima de tudo, existe o fato de que raramente um parlamentar age movido pelo interesse público: ele votará com o prefeito por fidelidade partidária, coalizão ou conveniências pessoais ou grupais, relacionadas a emendas orçamentárias, cargos ou corrupção pura e simples. Não importa o quanto seja canalha a proposta do prefeito. Por outro lado, ele inviabilizará um governo a que faça oposição, por melhor que seja a proposta do prefeito. Nessas horas, o povo não vale absolutamente nada.
Portanto, seja coerente. Seja lúcido e respeite a democracia.
Não vote num candidato porque ele é seu amigo. Se ele é seu amigo, honre-o com um convite para padrinho de seu casamento, mas não empurre à cidade um sujeito despreparado ou leviano.
Não vote num candidato que durante a campanha se colocou numa condição de auxiliar do prefeito. Precisamos de apoio consciente, não de submissão ou tropas de choque, como vimos nos últimos oito anos. Um vereador capacho não adianta de nada. A existência da oposição é necessária para a democracia.
Não vote num candidato que prometeu realizar obras ou reduzir impostos. Estas não são competências do Legislativo. Esse candidato mentiu descaradamente e quer enganá-lo. Simples assim.
Não vote num candidato que prometeu combater os problemas da segurança pública. Estas não são competências do Município. Esse candidato está explorando o seu medo e a sua boa fé, portanto é também um mentiroso deslavado.
Não vote num candidato que já exerce ou exerceu mandato parlamentar e mostrou-se uma vergonha ou uma nulidade na função. Procure saber o que esse sujeito fez na função pública. E note: se você puxa pela memória e não sabe citar nada de bom que ele tenha feito, já é um sintoma.
Não vote num candidato que se apresente como o novo, mas se apoie nas velhas estruturas, nomes e práticas. Ele está explorando o seu desejo de mudança com base nas aparências, que não podem ser medidas pela idade. Este país é cheio de sucessores políticos e raramente algum deles se notabiliza por algo de bom.
Ame sua cidade. É nela que vivemos e, goste você ou não disso, dependemos dos representantes eleitos para viver com mais ou menos dignidade. Pense em como é seu dia a dia e como você gostaria que ele fosse antes de apertar as teclas da urna. O nome que, a despeito das inclinações acima, parecer mais adequado para esses objetivos é provavelmente o melhor candidato para você.
E claro: não pense somente em si nem apenas no hoje. A cidade é de todos e nós vivemos no presente somente agora. Um instante depois já é o futuro que chegou.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Covardia

Direi sem meias palavras: a jurisprudência brasileira é covarde em matéria de indenizações. Covarde em qualquer acepção pejorativa que a palavra possa ter.
Tenho dito isso há algum tempo, por me deparar com casos nos quais a reparação judiciária do dano me pareceu ridícula. Casos, faço questão de destacar, que não diziam respeito a ninguém que eu conhecesse, muito menos a mim mesmo, que jamais fui autor ou réu de qualquer demanda.
Hoje me deparei com esta notícia acerca de um economista que se submeteu a uma cirurgia para correção de desvio de septo, portanto um procedimento considerado simples, e por imperícia do cirurgião acabou com o rosto deformado. Qual o montante da reparação? 20 mil reais, mais danos materiais e uma pensão mensal no valor de um salário mínimo (desconheço até que idade).
Abstraindo a pensão e a reparação por danos materiais (estes correspondem a algum prejuízo concreto suportado pela vítima), interessa-me o dano moral, que é onde a tal covardia se expressa inclemente. Os brasileiros, de um modo geral, são extremistas; é o velho problema dos 8 ou dos 80. Se não sabemos buscar o caminho do meio, nunca alcançaremos o equilíbrio.
Nos Estados Unidos, pleitear uma indenização em juízo pode ser bastante rentável (o vocábulo foi escolhido propositalmente). O judiciário concede indenizações fabulosas por motivos que, a nós, podem parecer banais, tais como o consumidor queimar a língua com um café muito quente, embora qualquer criança seja ensinada, desde muito cedo, a tomar cuidado com alimentos quentes. Mas se você for hoje a uma loja Spoleto, p. ex., e pedir um prato gratinado, ele virá com uma papeleta gritando na sua cara: "MUITO QUENTE". Uma cautela para, em caso de problemas, poder-se alegar que o consumidor foi alertado e, se se queimou, foi por culpa própria.
Também se conseguem belas indenizações em situações abusivas e absurdas, tais como o ladrão que, tendo ficado preso na casa em que pretendia furtar, exigiu reparação dos donos da casa, que por sinal estavam em viagem de férias. Aqui, o Brasil merece um elogio: no único caso semelhante de que tenho conhecimento, em nosso país, o assaltante pediu indenização, salvo engano, por ter sido agredido pelo dono do estabelecimento que pretendia assaltar, mas o juiz rejeitou a petição inicial e esbravejou que a admissão de tal demanda seria uma inversão ética intolerável.
Há também as situações que parecem piadinhas de Internet, mas que são verídicas, como o caso da mulher que pôs o gato para secar no micro-ondas e o bichano morreu! Daí ela processou o fabricante do aparelho e venceu, sob o argumento de que não havia, no manual, nenhuma advertência sobre a colocação de animais vivos no micro-ondas. Ridículo, não? Mas o dever de informar é uma das características mais importantes do direito do consumidor e geram responsabilidade. Não à toa, os manuais de equipamentos, hoje, são enormes e prestam informações que ultrapassam o ridículo, tais como não passe a ferro esta camisa quando a estiver vestindo!
Já se fala de pessoas que provocam incidentes e ingressam com diversas ações judiciais. O objetivo seria fazer das indenizações um meio de vida. O sujeito se tornaria um litigante profissional, literalmente.
As autoridades brasileiras fizeram uma opção por defender a ética, combatendo aguerridamente a indústria de indenizações. Mas como não acertam a mão, passaram ao outro extremo: percebem o dano, admitem o dever de repará-lo, mas consideram tudo como locupletamento. E para evitá-lo, como defensores intergaláticos da justiça, concedem migalhas, vergonhosas no contexto do mal sofrido pela vítima. Sendo contraproducente, agora, garimpar pelos tribunais decisões sobre o tema, cito apenas um precedente, que me pareceu didático: num caso de indenização por morte devido à demora no atendimento médico, o Superior Tribunal de Justiça aumentou a indenização para 150 mil reais. Mas numa rápida olhada encontrei casos de indenização por morte no valor de 20 mil reais, p. ex. em situações de acidente de trabalho.
Naturalmente, devemos coibir a má fé e evitar que facínoras usem seus dramas pessoais para se dar bem. Mas não pode ser desse jeito, jogando no lixo a dignidade e os sentimentos de seres humanos, principalmente quando no polo passivo da obrigação estejam pessoas físicas ou jurídicas de elevada capacidade econômica.
Ser brasileiro é muito difícil. Nós não valemos muita coisa e quem diz isso não são os argentinos: somos nós mesmos.

A dois dias das eleições

"...em particular numa democracia, as pessoas que realmente detêm o poder são mal informadas, incompetentes, corruptas ou interesseiras, ou tudo isso ao mesmo tempo."

Você acha que o excerto acima saiu de alguma postagem irada de rede social? Negativo. Trata-se do pensamento de Platão, segundo descreve Ronald Dworkin em seu A justiça de toga1. Como transcrito, é claro, está totalmente descontextualizado. Para esclarecer, o autor está explicando por que Platão acreditava que "a opinião de legisladores do passado tem possibilidades reais de ser melhor do que a intuição ou a decisão de uma autoridade contemporânea", porque o direito resultaria da acumulação de experiências.
Não se pode tomar esse pensamento de modo genérico: ele só funciona na perspectiva de que os legisladores  ou governantes, ou juízes do passado eram lúcidos e agiam de boa fé. Platão acreditava nisso. Mas já não se pode ter a mesma esperança quanto à realidade brasileira. Por aqui, que me conste, lucidez e boa fé passaram ao largo desde sempre.

1 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 245.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Empate no Supremo

O que tanto se temia acabou acontecendo: uma das deliberações do processo do "mensalão" acabou em empate, com 5 ministros votando pela condenação e outros 5, pela absolvição. A solução da questão foi postergada pelo presidente do STF, Min. Carlos Ayres Britto, sob o argumento de que todos os magistrados podem mudar de opinião até o final do julgamento, o que procede. Portanto, ao menos em tese, o empate pode ser eliminado.
Também em tese, o empate pode ser eliminado se Teori Zavascki, futuro ministro, tomar posse e se declarar apto a votar. Mas, honestamente, não creio que um homem sério como Zavascki que, lembre-se, não tem intimidade com o Direito Penal e o processo penal vá assumir a função e ir logo votando num processo tão complicado. No lugar dele, eu não votaria em absolutamente nada, já que o processo é volumoso e muito complexo, além de o julgamento estar chegando à reta final.
Mas e se o empate não for eliminado?
Duas correntes tentam resolver a situação: a primeira afirma que o presidente do STF tem voto de qualidade, portanto a tese em que ele tenha votado (no caso, a condenação) é que deve prevalecer. Em 2010, o então presidente da corte, Min. Cezar Peluso se recusou a utilizar essa prerrogativa no julgamento da ação de inconstitucionalidade contra a "Lei da Ficha Limpa". Disse que não era um tirano para agir dessa forma. A controvérsia somente foi eliminada com a chegada de Luiz Fux, que assumiu a 11ª cadeira e votou, acabando com o empate.
Com efeito, o art. 13 do regimento interno da corte determina que o presidente pode proferir voto de qualidade nas decisões do plenário, "para as quais o Regimento Interno não preveja solução diversa", se o empate decorrer de impedimento ou suspeição, vaga ou licença médica superior a 30 dias.
A segunda corrente afirma que o empate deve beneficiar o réu, impondo-se a absolvição. O fundamento invoca o art. 146 do regimento interno, segundo o qual "Havendo, por ausência ou falta de um Ministro, nos termos do art. 13, IX, empate na votação de matéria cuja solução dependa de maioria absoluta, considerar-se-á julgada a questão proclamando-se a solução contrária à pretendida ou à proposta." O parágrafo único deste dispositivo dispõe que "No julgamento de habeas corpus e de recursos de habeas
corpus
proclamar-se-á, na hipótese de empate, a decisão mais favorável ao paciente."
Perceba que a norma é específica para habeas corpus e seus recursos, não havendo no capítulo das ações penais originárias (arts. 230-) norma correlata.
Se fizermos uma interpretação formalista, em termos de norma positivada, então é a primeira corrente que deve prosperar. Mas como somos sensatos e fugimos das facilidades ilusórias, devemos lembrar que os princípios constitucionais explícitos ou implícitos devem prevalecer sobre as leis, ainda mais sobre o regimento interno do STF, que nem lei em sentido estrito é. Por conseguinte, buscando a lógica própria do processo penal, parece-me que a segunda corrente é que está correta. Entendimento diverso colocaria os princípios penais abaixo da organização administrativa do tribunal, o que obviamente é inadmissível.
Mas, para variar, a solução do caso não será simples. Aguardemos.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

G, A, U... O negócio é mais complicado do que parece

Comecemos o mês de outubro falando de um assunto que interessa a todos. Mas como se trata de um assunto a um só tempo especializado e muito íntimo, não farei considerações pessoais. Deem uma olhada nesta tipologia aqui e instruam-se.
Acho que todo mundo sai ganhando.