sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Discussões vazias

Se tem uma coisa de que gosto muito neste mundo da tecnologia são as redes sem fio. Graças a uma delas, posso postar agora, em meio a outras ocupações, aproveitando um tempo que, de outra forma, acabaria ocioso.
Falando em ócio, observei que está rendendo o caso da jovem presa por ter participado de pichações no prédio onde se realiza a Bienal Internacional de São Paulo, um item no portifólio de Oscar Niemeyer. Vamos aos fatos.
Nesta edição, a Bienal reservou um andar inteiro para ficar vazio. Proposta. Coisa de artista. Não tento entender e detesto quando tentam me explicar. Como sou um baita ignorante, uma alma tosca, tenho severas restrições a certos setores das artes plásticas, que fazem aquelas maluquices, chamam de arte e você se torna automaticamente um burro, um pobre de espírito e um medíocre se não entende e não gosta. Eu não entendo e, definitivamente, não gosto. Por sinal, acho feio pra burro. Para mim, um pedaço de pau com uma lâmpada queimada na ponta não é arte: é uma gambiarra mal sucedida. Daí que adoro a canção Bienal, do Zeca Baleiro, oportunamente gravada com o grande Zé Ramalho, ironizando essa sedizente arte.
Um grupo de jovens que na minha infância seriam classificados como "marginais" (por estarem à margem da sociedade), e hoje como "vagabundos" (que é mais fácil), invadiu o prédio e encheu as paredes de pichações. Os responsáveis pelo evento chamaram a polícia e houve prisões, dentre elas a de Caroline Pivetta da Mota, 24, que está merecendo a solidariedade do Ministro da Cultura, Juca Ferreira. Ele chegou ao ponto de pedir a intervenção do governador paulista, José Serra, pela libertação da garota. Serra, bem mais consciente de seu cargo do que o ministro, ficou surpreso e respondeu que esse é um assunto do Judiciário e não do governo.
Empenhado em ajudar a rebelde sem causa, o ministro tem dito bobagens como "é um escândalo uma pessoa ficar presa esse tempo todo porque fez uma intervenção gráfica". A retórica se presta a essas coisas. Para o ministro permissivo, trata-se de uma "intervenção gráfica". Mas a nomeclatura pode variar de acordo com o referencial do intérprete. Objetivamente, é uma pichação. Juridicamente, é um dano e uma infração penal. Socialmente, é uma palhaçada, já que ninguém tinha qualquer finalidade nobre, como p.ex. a defesa de uma causa. Em resumo, seu ministro, eu chamo "intervenção gráfica" de filhadaputice.
Caroline escolheu uma vida marginal. Ao ser entrevistada na prisão, declarou: "Tanto grafite, quanto picho são underground, coisa do fundão. Não são feitos para exposição em galeria. A parada que eu faço é na rua, é para o povo olhar e não gostar. Uma agressão visual." O negrito é meu e esclarece porque não gostei nada dessa garota, além do desejo intenso de pertencer a uma gangue de pichadores — aliás, esse o motivo de ter ido à Bienal. Com uma ironia mal interpretada pela imprensa, Caroline assim definiu seu ataque à Bienal: "me identifico com o vazio". Ora, me compre um bode!
Diz a advogada da pichadora-que-estão-tentando-tornar-mártir que ela só está presa por não ter conseguido comprovar residência fixa nem ocupação lícita. De fato, o Código de Processo Penal impede a liberdade provisória nesses casos e, de fato, trata-se de uma legislação arcaica e discriminatória. Não mudei o meu ponto de vista, centenas de vezes sustentado aqui no blog, de que neste país se prende demais e sem necessidade. De que a persecução criminal é muito dura com os desprovidos de acesso aos bens da vida. Enfim, não afirmo que Caroline deva permanecer presa, mesmo sabendo que ela já responde a um outro processo, sob a mesma acusação. Que a soltem, para responder em liberdade. Mas não a tratem como vítima.
Sonho com cidades humanas e dignas para todos os seus habitantes. Com espaços comunais onde não precisemos ser agredidos, nem sequer visualmente, por alguém que achou que podia nos impor a sua violência gratuita. Por isso, pichadores e afins não gozam nem um pouco da minha simpatia.
Presumo que do juiz que preside aos feitos a que Caroline responde também não.

3 comentários:

Edyr Augusto Proença disse...

Amigo,
Voltei a escrever em blog. Vamos ver se sigo adiante, bravamente, como você. Visite-me em opiniaonaosediscute.blogspot.com
O título é uma homenagem à coluna que meu querido pai escrevia.
Abs
Edyr

Anônimo disse...

Pichação e, em certa medida, "grafitti", são modalidades da cultura urbana que dizem muito sobre os indivíduos que as produzem. Ali na Almirante Barroso, depois do Costa e Silva, há uma grafitagem de um cara caolho que diz "a fúria negra ressuscita OUTRA VEZ". Então esse já tinha morrido quantas vezes, hein? A desculpa de ser "alternativo" deixa os muros grafitados repletos de imagens infantilizadas e pregando uma suposta contestação. quanto aos pichadores (ou pinchadores, segundo eles mesmos) penso que se fosse professor de língua Portuguesa, colocaria meus alunos para sair na rua coletando as frases rabiscadas nas marquises só para mostrar que os autores, na condição de assassinos da língua portuguesa, são mesmo uns coitados, a merecer dó pela sua pequenez, e não admiração.
Artur Dias

Yúdice Andrade disse...

Alvíssaras, Edyr! Sentia falta dos teus escritos. Agora posso voltar a desfrutar deles.

Artur, não nego que o tal grafite seja uma forma de comunicação das classes desfavorecidas e blá blá blá. No entanto, creio que nossas opiniões sobre a prática são bastante convergentes. Não creio que o emporcalhamento da cidade seja um meio eficiente para nada. Até que tenha cumprido um papel, vá lá. Mas hoje, ainda se poderia usar esse argumento?
Se o sujeito grafitar um muro que lhe seja oferecido por quem de direito, nada a questionar. O problema é o desrespeito ao alheio e ao público.
Além disso, para cada artista do grafite há um sem número de desocupados, com uma mentalidade semelhante à da garota retratada na postagem. E devemos tratar as exceções como exceções.