A sustentação oral é o único momento em que o advogado pode falar numa sessão de julgamento perante um tribunal. É, portanto, a oportunidade de que dispõe para alegar tudo o que deseje, em defesa de sua causa, devendo fazê-lo em tempo delimitado.
Quando digo alegar tudo, quero dizer tudo mesmo, porque no exercício de sua profissão, em âmbito penal ou não, o advogado pode suscitar quaisquer teses, manipular informações, inventar, especular, fazer críticas contundentes (protegido pela inviolabilidade, que o livra inclusive do risco de sofrer imputações criminais por suas manifestações), acusar terceiros, criticar o sistema, as instituições, Deus e o mundo, eu e você, etc. Afinal, ele é o representante do autor ou do réu de uma ação e, por definição, quem é parte não pode ser imparcial, o que seria uma contradição em termos.
O advogado, enfim, responde apenas pelos abusos de linguagem cometidos, que extrapolem a defesa da causa tornando-se agressão evidente, ou por eventuais atos ilícitos que não configurem meros exercícios de opinião, tais como falsear documentos, corromper testemunhas ou autoridades, etc.
Para o leigo, pode ser difícil compreender essas prerrogativas do advogado, até por causa dos clichês em torno de nossa profissão, alguns bastante agressivos e discriminatórios. Mas é bom destacar que tais prerrogativas não existem para beneficiar o advogado e, sob certos aspectos, nem mesmo a parte por ele defendida. A sociedade é a grande beneficiária, porque elas representam a garantia de que toda pessoa envolvida em uma demanda judicial pode enfrentar a todos na luta pelo direito que acredita possuir, seja um cidadão de mesma estatura, uma corporação, uma autoridade pública ou o próprio Poder Judiciário. Sem tal possibilidade, seria absolutamente impossível pensar-se num processo minimamente equilibrado e a própria democracia restaria comprometida. A própria concepção de justiça restaria prejudicada, porque no final das contas pode não ser justa minha pretensão em si, mas é justo eu lutar por ela, apresentando meus argumentos perante um órgão específico, de forma pacífica, em vez de partir para a vingança privada.
Não quero ser ideológico nem idealista demais. Na verdade, o texto acima é consequência do meu defeito de ser prolixo, porque minha única intenção era lamentar que, ontem, o Ministro Joaquim Barbosa haja interrompido a sustentação oral do advogado que, na tribuna do STF, defendia réus do "caso mensalão". Ao interrompê-lo, quebrou o ritmo de sua exposição e desconcentrou-o. Ao interpelá-lo — coisa que sequer poderia fazer —, prejudicou o desenvolvimento de suas teses. Em suma, atrapalhou a defesa e, com isso, cerceou uma garantia constitucional fundamental. Dentro da casa que existe para defender a Constituição.
Barbosa parece não ter limites. Sempre dominado por uma virulência generalizada, detesta ser contrariado e abdica da urbanidade para se dirigir a qualquer pessoa que o incomode. Mas ainda assim é exaltado por significativa parcela da imprensa, que se ocupa de endeusá-lo para vender a imagem de compromisso com a probidade, com a moralidade pública. E se regala com as atitudes destrambelhadas do magistrado.
Ele até poderia estar correto no mérito. Mas isso não lhe dá o direito de partir para o vale-tudo. Quem reclama bom senso não são os réus do "mensalão", nem mesmo os advogados. É o sistema judiciário brasileiro.
2 comentários:
O juiz não pode mesmo questionar o advogado que está na tribuna? Nem que seja pra pedir esclarecimentos?
Pedidos de esclarecimentos são possível e até bem vindos, porque demonstram que o julgador realmente está atento às teses defensórias.
O problema é que Barbosa interpelou o advogado, em clara rejeição a suas alegações. É isso que não pode ser feito. No mínimo, porque ele terá a oportunidade de rebater toda e qualquer tese por ocasião de seu voto.
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