Todo brasileiro acima da idade em que as crianças têm apenas sonhos e ilusões provavelmente já ouviu falar nos Estados paralelos, comunidades esquecidas pelo poder público que, por isso mesmo, acabavam sob a gerência de criminosos, um fenômeno que assumiu contornos especialmente definidos no Rio de Janeiro. No ano passado, como devem saber, começou o processo de pacificação, como chamam as forças policiais e a imprensa, e supostamente o Estado voltou a mandar nessas antigas zonas vermelhas.
Engana-se, todavia, quem pensa que o problema está resolvido. Além de que está havendo uma migração do crime (basta ver que os índices de violência caíram nas capitais, mas aumentaram significativamente no interior; foram reduzidos no Sudeste, mas recrudesceram no Nordeste), existem locais onde os códigos de conduta clandestinos ditam as regras de uma maneira que extrapola qualquer tolerância.
Fiquei impressionado com esta reportagem, publicada ontem, aludindo a favelas cariocas onde o crime organizado continua no comando. Nelas, além da violência rotineira, existe uma outra, sexista, que brutaliza mulheres por motivos medievais, tais como adultério e homossexualidade. As penas consistem em espancamento, tortura e, para dar o caráter de violência de gênero, o corte dos cabelos. Obviamente, desobediência e reincidência podem evoluir para coisa pior.
Demonstrando o caráter corporativista do crime, é citado o caso de uma mulher punida por abandonar o marido traficante na prisão. Relações com bandidos não podem ser rompidas se eles não quiserem. O que mais assusta é constatar uma certa institucionalização subterrânea do punitivismo, no qual familiares (mulheres, destaque-se) unem-se a homens (agindo como agentes da lei) para executar a sessão de tortura, na presença da filha da vítima, uma criança de 1 ano. É o abandono de todo sentimento de solidariedade, de humanidade, por parte de pessoas que, oficialmente, são apenas cidadãos comuns. Bem se vê como as pessoas aderem facilmente ao sistema, qualquer que ele seja, quando lhes é conveniente.
Como detalhe final, o ex-companheiro que mandou cometer o crime ainda se surpreendeu porque a vítima procurou a polícia. Ele contava com o código de silêncio, que é um dos ingredientes de toda estrutura social assentada na violência.
As histórias são de maltratar a alma. Se aguentar, leia.
Um comentário:
Em respeito a você, ao seu blog e aos seus leitores, abster-me-ei de fazer qualquer comentário...
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