sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Tão diferente

Os pragmáticos de plantão se recusam a enxergar a relação entre a criminalidade, o tratamento que recebem os delinquentes e as condições socioeconômicas. Desinformados e preguiçosos, irritam-se por entender que o crime se origina, apenas, na maldade humana. Gostaria de saber o que eles me diriam, agora, diante da demonstração escancarada de que, neste país, a justiça, que já ficou famosa pelos três "P" — só alcança pretos, pobres e putas —, varia ao sabor dos títulos, da cor da pele, dos sobrenomes, das funções públicas e, principalmente, das contas bancárias.
Um indivíduo que atende pelo nome de Thales Ferri Schoedl e se esconde atrás de um cargo de promotor de justiça, no Estado de São Paulo, responde desde 2004 a uma ação penal na qual está acusado de um homicídio consumado e outro, tentado. Notem bem: dois crimes violentos e sob motivo fútil (ele entendeu que as vítimas haviam mexido com sua namorada). Já não se explica por que diabos andava armado, sem mais nem menos. Afinal, se seu cargo lhe permite ter porte de arma, nem por isso deve, necessariamente, andar armado.
Para piorar, sua tese defensória é daquelas que agridem a inteligência de qualquer coisa além de uma ameba. Alegou legítima defesa pois, mesmo estando armado e já tendo disparado tiros para o chão, sentiu-se acuado pelos dois jovens. Só se as vítimas tivessem cinco metros de altura.
A Lei n. 8.625, de 1993 — Lei Orgânica do Ministério Público, assegura aos promotores de justiça a "vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado", em ação civil própria, dentre outros motivos, pela prática de crime com condenação transitada em julgado (art. 38, I, e § 1º, I). Mas o pedido de vitaliciamento pode ser impugnado e um motivo mais do que suficiente seria uma ação penal dessa magnitude. Ainda mais porque a mesma lei exige que o membro da instituição tem o dever de "manter ilibada conduta pública e particular" (art. 43, I). Sem isso, ele não se mostra capacitado para o exercício de um cargo que reclama respeitabilidade social.
Mesmo assim, o Órgão Especial do Colégio de Procuradores do Ministério Público paulista, reunido na tarde da última quarta-feira, decidiu que Schoedl merece ser vitaliciado e obter todas as prerrogativas do cargo. Ele ganha R$ 10,5 mil por mês. Tudo bem que foi uma votação apertada — 16 votos contra 15 —, mas um voto foi suficiente para demonstrar que a maioria do Parquet paulista acoberta o colega.
A decisão revoltou Deus e o mundo, inclusive o chefe da instituição, Rodrigo César Rebello Pinho, procurador geral de Justiça de São Paulo, que denunciou o meliante por homicídio qualificado. Indignado, ele avisou que pretende recorrer ao Conselho Nacional do Ministério Público para reverter a decisão de seus pares. Ele mostra dignidade com isso, mas revela também um câncer na instituição que chefia.
Aliás, na última noite, pichações no muro de uma casa próxima à do promotor revelam o pensamento do cidadão comum: "MP, a vergonha do Brasil", diz o manifestante. Essa é uma prova cabal de que esse crime enlameia toda a instituição. Mas ela não parece incomodada com isso.
Agora olhe na minha cara e me responda: se fosse um moreninho mal alfabetizado, seria do mesmo jeito?
Aceite a verdade. Ou cale-se.

Educação em Belém

Desde ontem, o Hangar sedia o 3º Congresso Internacional sobre Formação de Professores e Práticas Pedagógicas, contando com a presença de nomes famosos e respeitados como Rubem Alves, Max Haetinger e Sandra Bozza.
Rubem Alves é o nome mais conhecido nessa seara, pelo menos para quem apenas circunda o mundo da educação. É um velhinho arretado que diz o que quer, sendo autor de diversos livros. Foi ele quem abriu o evento, com a palestra "Conversas sobre Educação", cujo foco estava na importância do educador para a construção de um País. "Temos a missão de um jardineiro que cuida da terra para que as flores fiquem belas. O objetivo da educação é o de cuidar desse jardim com muito cuidado para que possamos realizar o sonho divino de homens e mulheres que constroem a educação no País", teria dito, segundo O Liberal de hoje.
O chato disso é que, mesmo lendo mais de um jornal todo dia (com a brevidade que as ocupações diárias me permitem), não estava sabendo do evento, que sem dúvida merece ao menos uma visita atenta.
Sintomático, não? Como se fazer educação sem informação e sem comunicação?

Um ano de Arbítrio

31 de agosto. Hoje tenho dois aniversários na família: minha prima Rafaela e minha cunhada Diana. E também é o dia em que o Arbítrio do Yúdice completa um ano de existência.

Esta é a postagem de número 816. O que produzi até aqui me rendeu 1.987 comentários (incluindo os meus), em mais de 20 mil acessos. Os comentários rejeitados não chegam nem a 10, o que me assegura um público de qualidade, gente boa mesmo, que vem aqui trazer luzes ao debate e não fomentar o que há de ruim na humanidade.

Quando penso em ter sido lido, em algum momento, por esse número de pessoas, confesso sentir um frio na barriga. Melhor do que isso, só escrevendo um romance vendido no mundo inteiro e adaptado para o cinema. Já tenho até a sinopse: será a história de um menino que descobre ser um bruxo e vai para uma escola de magia viver muitas aventuras e lutar contra um senhor do mal. Original, não?

Abandonei meu projeto anterior sobre uma grande descoberta a respeito de Jesus, que poderia mudar o rumo de toda a humanidade, por considerá-la um pouco batida demais.

O que importa é que esta iniciativa, que podia ter morrido no berço, só pelo que me proporcionou de alegrias até aqui, já valeu. Estou realmente feliz. E devo isso, claro, a vocês. Eu, que adoro agradecer, agradeço novamente. Sintam-se todos profusamente abraçados.

Deus nos abençoe e nos garanta um feliz final de agosto.

Todo criminalista gostaria de ser Evandro

Especialmente para meus alunos, para que saibam em quem se espelhar quanto à formação e à ética.

Evandro Lins e Silva: um advogado no Supremo e na ABL
Murilo Melo Filho (membro da Academia Brasileira de Letras)
Como advogado, o Acadêmico Evandro Lins e Silva está fazendo muita falta, porque era o proprietário de uma cultura suficientemente esclarecida e sólida para resolver os problemas de natureza regimental, estatutária ou jurídica, que surgiam nos tribunais, no foro e na ABL, quando sempre propunha uma solução pertinente, correta e sensata.
Nos tribunais, ele sempre foi a voz do bom senso, que se agigantava no patrocínio de suas causas; no foro, foi a palavra respeitada na defesa dos seus clientes; e, na Academia Brasileira de Letras, foi a opinião acatada na decisão sobre as dúvidas e controvérsias.
Na ABL, ocupava a Cadeira nº 1, que tem Adelino Fontoura como patrono; Luís Murat, como fundador; e, como sucessores, Afonso Taunay, Ivan Lins e Bernardo Élis, sucedido por Ana Maria Machado.
Sua ausência será sempre muito sentida, porque ele era um colega querido, que, ao longo dos 3 anos e meio de sua constante presença na Academia, deu provas cabais de um excelente companheirismo e de um convívio afável e carinhoso.

Lutador quixotesco
Quanto mais homenagens recebia - e foram muitas as recebidas nos últimos anos - mais se acentuava, em sua conduta, uma atitude de humildade e de modéstia, sobretudo diante dos poderosos, que jamais cortejou.
Evandro foi um lutador quixotesco, que somente depois da vitória de Lula, seu candidato à Presidência da República, começava a ver uma luz a iluminar esta nova era para nossa geração.
E, ao contrário do que tanto desejava, não mais estava vivo para assistir à posse de seu eleito, mas teve, pelo menos, o prazer de recebê-lo em uma visita de gratidão em sua residência, e de tê-lo como companheiro a empurrar seu esquife até a última morada, onde passou a repousar, no Mausoléu da Academia, no Cemitério de São João Batista.
Ele viveu uma existência muito coerente, fiel a seu ideário socialista, sempre voltada para a defesa dos direitos humanos e dos milhares de perseguidos políticos. Advogou, não raro sem honorários, perante o Tribunal de Segurança Nacional e o Tribunal do Júri, onde sua atuação, como "O Criminalista do Século", deixou marcas indeléveis do grande jurista que realmente era.
Foi assim que defendeu os acadêmicos Carlos Heitor Cony e Josué Montello, os jornalistas Hélio Fernandes e Márcio Moreira Alves, os Governadores Miguel Arraes e Mauro Borges, o Deputado Seixas Dória, os escritores Caio Prado Júnior e Ênio Silveira, e o ruralista José Rainha Júnior.

Maiores virtudes
De suas funções públicas - como Procurador-Geral da República, como Chefe do Gabinete Civil da Presidência, como Ministro das Relações Exteriores e do Supremo Tribunal Federal - saiu mais pobre do que quando nelas entrara.
Dizia-me: "Murilo, no dia em que o Presidente João Goulart me levou para o Governo, em Brasília, eu tinha um chevrolet importado; quando voltei para o Rio, tinha um fusquinha nacional."
Até seus últimos instantes, ainda tinha que trabalhar para viver. Era o que fazia religiosamente, todos os dias, convicto de que o ramo criminal do Direito não dá riqueza a nenhum advogado.
Na véspera de morrer, e sempre como advogado, deixou com seus filhos as razões de uma apelação a ser interposta no dia seguinte.
Morreu pobre em uma lição de honradez, uma mercadoria que, infelizmente, hoje anda cada vez mais escassa na paisagem brasileira, tão marcada por tantas CPIs e por tantas corrupções.

Alegria de viver
Tinha uma especial paixão pela vida, que lhe transcorreu bravamente. Jovem de espírito e de cabeça, "um jovem metido a besta e a velho", como ele próprio se definia em seus 90 anos, Evandro possuía uma extraordinária disposição de trabalhar, uma inexcedível vocação de defender os injustiçados, uma enorme alegria de viver e um permanente sorriso.
Quando assinou o requerimento do impeachment contra Fernando Collor, transformando-se em seu principal acusador, declarou que ali representava o papel de "Advogado do Brasil". E acrescentou: "Deus foi muito generoso comigo quando me deu essa chance de defender meu País."
Semanalmente, todos os domingos, cruzava comigo na Avenida Atlântica, ao meio-dia, sob um sol causticante, fazendo seu cooper habitual. E explicava: "Meu caro Murilo, estou aqui, na Praia de Copacabana, bem no meio da festa."
Evandro Cavalcanti Lins e Silva nasceu na cidade piauiense de Parnaíba, a 18 de janeiro de 1912, com curso primário em uma escola pública da cidade maranhense de Itapicuru, onde seu pai era juiz.
Formou-se na Faculdade Nacional de Direito, em turma paraninfada pelo Prof. Afrânio Peixoto, que, nessa ocasião, já era membro da Academia Brasileira de Letras e havia sido seu presidente. Trabalhou em vários jornais, especializou-se em Direito Penal e brilhou em desempenhos inesquecíveis no Tribunal do Júri.
Escreveu os livros "A defesa tem a palavra", "Arca de guardados" e "O salão dos passos perdidos", nos quais reconstitui fatos marcantes de sua vida como advogado profissional e, em particular, alguns julgamentos, como o de Doca Street e Ângela Diniz, que o consagrou como um dos maiores criminalistas brasileiros.

Morreu no esplendor
Morreu no esplendor de sua atividade física e intelectual, sempre com planos e projetos para o futuro, inclusive com um livro sobre o advogado Evaristo de Moraes, que deixou inacabado.
E morreu em conseqüência de um tombo sofrido no Aeroporto Santos Dumont, justamente quando regressava de Brasília, onde fora alvo de merecidas homenagens, na posse dada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, como Conselheiro da República.
Ele foi um homem a marcar toda a sua existência por uma coragem no enfrentamento do regime militar, que o aposentou de seu cargo de Ministro do Supremo Tribunal, cassando-lhe todas as condecorações até então concedidas, e que, justamente poucos dias antes de sua morte, lhe foram devolvidas.
Pagando um tributo à fidelidade de seus modelos políticos, pensou em exilar-se, quando os generais de plantão o despiram de sua toga e de sua beca, em represália aos habeas-corpus que ele, corajosamente, concedia a todas as vítimas da repressão e da tortura.

Um simples tropeço
Um homem de tanta intrepidez cívica acabou morrendo de um simples tropeço, que lhe fraturou o crânio e o retirou da vida, fazendo-o ingressar para sempre na galáxia dos homens de bem, como ele, competentes e honrados.
Publicado na revista Justiça & Cidadania, edição 84, de julho de 2007.

Carreira criminosa

Ontem publiquei uma postagem indicando uma visita ao blog da Polícia Civil, para ver as fotografias dos acusados de matar o amigo Eduardo Lauande. Ontem mesmo, um deles — Antônio Ewerton da Silva Conceição, o "Babalu" — foi preso. Mas não por ter sido reconhecido graças àquela foto, o que teria sido a melhor opção, e sim por ter cometido novos delitos, o que implica em dizer que mais pessoas precisaram sofrer até que fosse detido.
Segundo reportagem do Diário do Pará, Conceição e mais três jovens assaltaram dois policiais em ronda às proximidades da Av. Bernardo Sayão. Isso mesmo, dois policiais em ronda. Que é a nossa segurança pública?! As vítimas pediram ajuda num PM-Box e os castrenses conseguiram encontrar os malfeitores. Houve troca de tiros. Conceição invadiu uma residência e tomou como reféns uma senhora de 49 anos e uma criança de 9 — as pessoas que sofreram as conseqüências de as nossas autoridades não serem eficientes. Depois de exigir a presença da imprensa e telefonar para a mãe (gostaria de saber sobre o que falaram), houve a rendição.
Pela atuação do dia, responderá por roubo e seqüestro (cárcere privado é uma modalidade de seqüestro, definida pelo espaço físico onde ocorreu a privação de liberdade). Mas tem um encontro marcado com o delegado que preside o inquérito sobre o latrocínio contra o amigo Lauande.
Aos 24 anos, Conceição já tem comprometimentos bastantes para receber uma pena superior a 27 anos de prisão, mais do que toda a sua vida - isso se for condenado ao mínimo previsto em lei para todos os delitos mencionados. É uma lástima! Lástima porque, examinando essa sucessão de dramas, o que vemos são várias vidas feridas ou destruídas. Desperdiçadas.
Um homem jovem e produtivo morto. Uma família desfalcada. Amigos de vários locais em sofrimento.
Um jovem em plena carreira criminosa, destinado a matar e a morrer, como se isso pudesse ser projeto de vida de alguém. E que tem uma mãe, agora pagando a sua parte da fatura.
Uma senhora e uma criança abalados pelo, provavelmente, maior susto de suas vidas, felizmente sem maiores conseqüências.
E toda uma sociedade assistindo a isso, acuada.
Não há o que comemorar. Fica, apenas, aquela sensação estranha, indefinível, de ver abrir-se a possibilidade de que um crime atroz possa enfim ser punido. Isso é bom, mas como não traz de volta os entes queridos, é uma nova dor. Uma espécie própria de dor.
Formulo dois desejos: rapidez e eficiência na ação penal; alento e serenidade para as famílias vitimizadas.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Alô, bandidagem!

Cientistas italianos querem fazer a alegria dos criminosos brasileiros. Se tiverem sucesso, esqueçam as grades, cercas eletrificadas e alarmes. Só Deus.

O verdadeiro cachorrinho de madame

A multimilionária americana Leona Helmsley morreu, mas nem todo mundo que poderia ficar feliz com isso efetivamente ficará. Muito pelo contrário. A falecida, que ficou conhecida como "rainha da maldade" — por aí se tira o anjo que devia ser —, deserdou dois de seus netos e deixou grande parte de sua herança para o seu cachorrrinho maltês Trouble.
O canino herdou US$ 12 milhões e, com isso, se deu melhor do que o irmão da finada, Alvin Rosenthal, que, mesmo tendo sido designado "tutor" do bicho, receberá apenas US$ 10 milhões. Saiba mais.
Os herdeiros deserdados, Craig e Meegan, estão com um trouble enorme em suas vidas. Para eles, este é um mundo cão.
E eu que detesto trocadilhos...

Fotos dos suspeitos de assassinar Eduardo Lauande

O amigo Fred Guerreiro publicou em seu blog — O Intimorato — uma postagem escrita a partir de mensagem enviada pelo jornalista Walrimar Santos, assessor de imprensa da Polícia Civil do Pará e editor do blog Procurados pela Polícia Civil do Pará, informando que já estão publicadas as fotos dos suspeitos da morte do professor e sociólogo Eduardo Lauande, ocorrida no Conjunto Mendara há pouco mais de um mês. Vide as informações:

Max Delean Gomes de Souza (o 'mascote') e Antônio Heverton da Silva (o 'babalu') foram reconhecidos, por testemunhas, nos arquivos de fotos da Polícia Civil.
Segundo declarações de moradores do bairro, a dupla é conhecida pelas práticas criminosas (furto, roubo, lesão corporal e agora latrocínio), tanto que suas fotos constam em arquivos policiais. Portanto, são elementos da mais alta periculosidade (voltar a praticar o mesmo crime), ainda que estejam sendo procurados pela polícia. Ou seja, pelo perfil dos suspeitos, a única forma de sobreviverem e continuarem sem responder por seus crimes é praticar novos roubos à mão armada. É caso típico de quem não tem mais nada a perder, por isso mais perigosos ainda.
Os dois costumavam frequentar o campinho de futebol e a própria Praça Dom Alberto Ramos, na Av. Rodolfo Chermont, no Conjunto Médici I, Bairro da Marambaia.
Peço aos visitantes deste blog a divulgação irrestrita das fotografias, como medida de segurança pública e para resguardar a aplicação da justiça.
Quem tiver informações sobre eles deve ligar para o Disque-Denúncia, pelo número 181, ou ainda entrar em contato com a Seccional Urbana da Pedreira, pelo fone (91) 3244-3555. Sua identidade será mantida em absoluto sigilo.

Revisitando o primeiro ano — 7ª parte

Não poderia concluir este passeio sobre meus escritos do primeiro ano do blog sem relembrar as minhas recentes incursões pela literatura, por meio dos contos Abandono e Na sacada do sétimo andar. Foi divertido dar vazão a meus desejos infantis de ser escritor que, espero, possam ser retomados em algum momento — neste, ando ocupado demais para deixar a imaginação livre. Quem sabe no segundo ano do blog não surgem novas estorinhas.
Para tanto, me fale de você.

Má indicação

Os provincianos minúsculos destas paragens — não são poucos — devem comemorar a indicação de Carlos Alberto Direito para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal, porque ele, atualmente ministro do Superior Tribunal de Justiça, é paraense. Já podemos esperar aqueles comentários ridículos do tipo "ele está levando o nome do Pará à Corte Suprema!" Lamentável, mormente se lembrarmos que Direito nasceu aqui em Belém, mas se mudou com a família para o Rio de Janeiro aos dois anos de idade. Passou a vida lá. Na prática, é carioca. Sua chegada ao STF não traz nenhum benefício, sequer moral, ao Pará.
Todavia, pode ser bastante problemática para o país. Motivo: Direito é um ativista católico. Em duas postagens, o amigo CJK menciona essa condição e informa que setores tidos como progressistas estão descontentes com a indicação, pois ela pode implicar em um grande retrocesso. Afinal, nestes tempos em que se discutem as implicações da ciência e da tecnologia sobre o Direito e em que a Bioética está na ordem do dia, nada pior do que o Supremo passar a ser integrado por alguém que vá buscar vereditos na Bíblia (e depois dar um jeito de justificá-las no ordenamento jurídico).
Por favor, não conheço o ministro Direito (que nome, hein? impossível evitar os trocadilhos) e posso estar errado quanto a suas posturas. Ele é apontado como um homem humilde e pode ser capaz de separar os seus campos de atuação. Mas o meu receio é justificável. Afinal, a Igreja Católica há anos perde fieis como uma represa rachada e, no afã de manter sua hegemonia, adota medidas cada vez mais invasivas sobre a vida civil. Como ainda predomina no Brasil, aqui todo mundo esquece que a secularização — separação entre Direito e Moral — aconteceu ainda no século XVIII e que este país tornou-se laico com a primeira constituição republicana.
Mas os crucifixos continuam pendurados em todos os tribunais, ali colocados com tanta naturalidade como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Lula tem mostrado ser submisso à Igreja Católica, o que não se concebe para um presidente da República. Ao que parece, quis agradá-la mais uma vez. E de cara já agradou os partidos políticos conservadores. Todo mundo ficou empolgado com Direito na sabatina perante o Senado. Claro, o que menos os políticos querem é um ministro do Supremo modernoso. Fiquemos com os mais tradicionalistas possíveis.
Será que questões da maior relevância para a sociedade, como o uso de células-tronco e o abortamento em certas condições, passam a contar com um voto fundado na Bíblia? Note que não estou dizendo que ministro bom é aquele que vota de acordo com as opiniões pessoais deste arbitrário. Mas ministro bom é aquele que sabe que o Brasil é um Estado laico. E age de acordo com esse imperativo constitucional. Sem concessões inconfessáveis.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Por aí não

Retorno ao tema da desesperança de que os envolvidos no "mensalão" sejam punidos. A imprensa já tratou de espalhar que a tendência do STF seria acatar a denúncia para apaziguar os ânimos mas, no mérito, absolver todo mundo. Não vejo o menor fundamento para uma suposição dessas.
O motivo pelo qual retorno à questão é que algumas pessoas estão, de novo com a ajuda da imprensa, falando que os crimes prescreverão. Peralá. Se o final dessa história for uma imensa pizza, será pela absolvição dos réus — provavelmente aplicada a tese de insuficiência probatória. Mas prescrição é demais. De todos os delitos objeto da denúncia, o que tem a menor pena cominada, quadrilha ou bando, é punido com reclusão, de 1 a 3 anos. Isso significa que a prescrição ocorre em 8 anos. Para os tipos mais graves, como o peculato, a prescrição ocorre em 16 anos. E o prazo começa a correr do dia em que a denúncia foi recebida e não mais da data em que o crime ocorreu. Portanto, nada de prescrição antes de 2015.
Convenhamos, num processo de gigantesca repercussão e amplos interesses em jogo, a estagnação nas gavetas dos tribunais exigiria um grau de comprometimento entre o Judiciário e o governo que, sinceramente, não tem como acontecer agora. Se não quiserem acreditar que o país mudou, pensem que ao menos os adversários do governo tirarão dos movimentos dessa ação penal — ou da ausência deles — munição para seus próprios objetivos.
Em suma, os tais mensaleiros podem até escapar. Mas não será pela prescrição. Pela morte é mais fácil.

Atualizado em 30.8.2007:
Sabe quem concorda comigo? Ele.
este aqui vai em sentido contrário. Todavia, a falta de estrutura do STF, a que ele se reporta, pode ser compensada pela delegação da atribuição de realizar atos processuais a juízes de instâncias inferiores, como por sinal já foi anunciado. E não há condições de simplesmente deixar o tempo passar, com a sociedade em cima, pressionando. Ano que vem tem eleição. A Corte será muito cobrada.

Museu da Escravidão

Nem só dos Beatles pode viver a cidade inglesa de Liverpool. Preocupada em resgatar a própria história, Liverpool, que já foi um grande centro de comércio escravagista, acaba de inaugurar o Museu da Escravidão, que não apenas lança os olhos sobre o passado, mas apresenta as consequências desse horror até os dias de hoje, em termos de exclusão social.
Saiba mais sobre essa excelente iniciativa, que só merece elogios. Está passando da hora de o Brasil, que tanto resistiu a abdicar da escravatura e somente o fez por pressões internacionais — notadamente da Inglaterra —, fazer o mesmo revisionismo e mea culpa.

Revisitando o primeiro ano — 6ª parte

26 de dezembro de 2006, horas depois da ceia de Natal. Eu já estava de volta a minha segunda terra natal, Florianópolis. Folheando um jornal da cidade, encontrei o anúncio de um produto natural para emagrecimento. Não gostei do texto, pois me pareceu tendencioso, para induzir as pessoas a consumirem o produto. Resultado: postei Se é natural, não faz mal.
Dois meses mais tarde, a farmacêutica responsável pela comercialização do produto — sabe-se lá exatamente como me achou (esse Google...) — escreveu um comentário. Estava aborrecida. Impressionado por ser acusado de "irresponsabilidade sem tamanho" ao escrever, que é tudo que não desejo com este blog, tratei de fazer nova postagem, para publicar na íntegra a irresignação da moça. Mas acho que foi pior para ela. Logo de cara, o amigo CJK escreveu um comentário sobre a proibição do tal produto natural (Hoodia gordonii) pela ANVISA. Depois, o grande médico Carlos Barretto deu maiores contribuições, na sua especialidade.
No final das contas, acho que eu tinha alguma razão.

Revisitando o primeiro ano — 5ª parte

A postagem mais comentada que já tive chama-se De cabeças de juízes e bundas de bebês, de 3.11.2006. Trata da condenação que o sociólogo Emir Sader sofreu pelo cometimento, segundo entendeu o juiz, de delitos contra a honra do senador Jorge Bornhausen.
Àquela altura, reconheço a minha ignorância, eu jamais ouvira falar em Emir Sader. Apenas navegava pela internet e localizei a notícia da condenação, conheci seus termos e fiquei abismado com o excesso de rigor da condenação, principalmente porque determinava a perda de um cargo público de professor universitário. Assim, teci comentários técnicos sobre a sentença. Ocorre que Sader é um pensador de esquerda de língua frouxa e Bornhausen, um dos líderes históricos do Democratas, ex-PFL. Em pleno período pós-eleitoral, o tema esquentou os ânimos dos comentaristas, divididos entre esquerdistas e direitões. E caímos na perniciosa polarização PT isso, PSDB aquilo. O clima pesou e até eu fui chamado de idiota. Deixei passar, mas a reiteração do propósito ofensivo me obrigou a, pela primeira vez, moderar comentários. No final, por sorte, tudo acabou bem.

Os 40 ladrões

O assunto mais comentado do dia, na imprensa em geral e naturalmente na blogosfera, é o acatamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da denúncia do Procurador Geral da República contra todos os 40 denunciados no caso do "mensalão". Há opiniões pululando por todos os lados, por isso não me sinto estimulado a emitir uma que seria, no máximo, apenas mais uma, já que nesse caso a única coisa que posso considerar a minha praia é o Direito Penal. O resto, especialmente as implicações políticas, deixo para quem sabe. Assim que conseguir o voto do relator, posso escrever sobre. Nada além disso.
Tenho visto, de um lado, muita gente comemorando — uma espécie de ressaca cívica por ter acontecido algo grandioso e esperado. De outro, vejo a incredulidade de tantos, que já renunciaram à fé em nossas instituições. Não os culpo. Para mudar isso, se é que este caso permitirá alguma mudança, anos se passarão. No mínimo três, segundo se especula. Eu diria mais. Afinal, quanto mais os advogados temerem uma condenação, mais farão de tudo para retardar a decisão de mérito. Inclusive porque, num contexto desses, o sucesso numa eleição futura será o argumento ideal para provar que se tratam de pessoas honestas, absolvidas pelo povo, que é o que interessa.
Estamos só no começo. Adiante, então. E bom dia.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Revisitando o primeiro ano — 4ª parte

No dia 24.11.2006, publiquei Eu, em pontos polêmicos. Àquela altura, o blog tinha menos de três meses de existência e, como diz o Val-André Mutran, meia dúzia de leitores. Esses seis ficaram calados e, confesso, isso me frustrou um pouco. Afinal, se você expõe a sua alma, espera conhecer a opinião alheia. Uma amiga até mencionou que faria um comentário, mas acabou não fazendo. Então, eis aí, novamente, em linhas curtas e grossas, sem quaisquer explicações adicionais, minhas opiniões.

1. Abortamento de fetos anencefálicos: sim
2. Pesquisas com células-tronco embrionárias e clonagem humana para fins terapêuticos: sim
3. Pena de morte, redução da maioridade penal e endurecimento da legislação penal: não
4. Efetiva laicização do Estado, com a supressão de quaisquer práticas ou símbolos religiosos em órgãos públicos: sim
5. Posse ou porte de arma de fogo pelo cidadão comum: não
6. Fim do "voto obrigatório": dependendo de convencimento
7. Controle externo do Judiciário: sim
8. Divisão do Pará: não
9. Comercialização de transgênicos: dependendo de convencimento
10. Quotas raciais em universidades e concursos públicos: não
11. Reconhecimento pleno das uniões homoafetivas: sim
12. Financiamento público de campanhas eleitorais: sim

Revisitando o primeiro ano — 3ª parte

Por força de minha atividade profissional e considerando um público provável, os temas jurídicos têm destaque no Arbítrio, especialmente os penais. Destaco as seguintes postagens: Fetos anencéfalos e a crise do habeas corpus; Justiça espanhola reconhece o direito de morrer (assunto que posteriormente virou tema de um TCC orientado por mim, escrito por minha aluna Flávia Quintairos sob uma perspectiva bioética); Galdino, dez anos depois; Denunciado o pai que esqueceu o filho no carro (que me rendeu a visita de Iara Melchor, amiga da família envolvida na tragédia, fornecendo informações sobre o que os pais viveram depois dela); e Aplicação prática dos princípios jurídicos.
Também tenho grande simpatia pela série de quatro postagens acerca dos maiores erros judiciários brasileiros, publicada nos dias 7, 12 e 14 de dezembro passado (podem ser localizadas pelo arquivo). Nela, você conhece um pouco sobre os casos Mota Coqueiro (e o fim da pena de morte no Brasil), Escola Base e irmãos Naves.

Garimpando na blogosfera

Hiroshi Bogéa noticia a mais recente pesquisa de intenções de voto para as eleições municipais de 2008, aqui em Belém. Os resultados apontam a vitória do mesmo suposto candidato, em todas as projeções. Muita gente vai adorar. Muita gente vai se consumir.

Enquanto isso, cresce o movimento em torno de um plebiscito para decidir se a poderosa Companhia Vale do Rio Doce — aquela empresa brasileira repeitada no mundo inteiro, segundo a Fernanda Montenegro — deve ser re-estatizada. A provocação começa no mote: A Vale é nossa.

PS — No sítio da Vale, há um link que nos permite enviar sugestões para o presidente da companhia. Você tem alguma? Olha que eu tenho.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Mas de novo?!

Mãe vai a baile funk e deixa filha no carro
Uma mãe foi detida por volta de 3h deste domingo depois de deixar a filha de oito meses por mais de três horas dentro do carro estacionado em frente a um baile funk onde ela estava na avenida Yervant Kissajikian, 292, na Vila Inglesa, zona sul de São Paulo.
A mulher disse aos policiais que deixou alguns centímetros de vidro abaixado para a criança respirar porque foi buscar uma amiga no baile, mas resolveu tomar uma cerveja e ficou uma hora na casa noturna.
Pessoas que passavam pelo local viram a criança chorando dentro do carro e avisaram a polícia. Depois de retirada do veículo, a criança foi levada pelos policiais para o pronto-socorro Pedreira e só deixará o hospital com a autorização do Conselho Tutelar.
O caso está no 80º Distrito Policial de Vila Joaniza.


Acho que já está perdendo a graça. Há alguns meses, destaquei alguns delitos cometidos por mulheres jovens contra seus próprios filhos indefesos. Pelo visto, os precedentes e a repercussão que tiveram na imprensa não serviu minimamente para a reflexão de quem precisa. O menosprezo às crianças parece intensificar-se.
Como se justificar que uma mulher considere normal deixar um bebê tão novo num carro por uma hora (se ela admite isso, deve ter sido muito mais) para poder beber? É demais para mim. À toda evidência, trata-se de uma pessoa que sabia exatamente o que estava fazendo e, por isso, merecia uma punição exemplar. Não digo penal, mas que essa aí está merecendo um belo castigo, isso está!
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u323128.shtml

Mano, nós num semo americano

Não sei se foi por inspiração do sistema judiciário norteamericano, mas o G1, portal de notícias da Globo, me saiu com essa curiosa notícia: Acusado de matar jovem responde como menor. O motivo é que o horrendo crime foi cometido cinco dias antes de um dos delinquentes completar 18 anos. Neste momento, ele já reúne as condições legais para sofrer eventuais consequências penais de seus atos — os futuros. Quanto aos passados, ele era adolescente e deverá sofrer as implicações previstas na legislação específica.
A manchete acima dá a impressão de que, neste caso específico, o agente responderá como menor, mas poderia ser diferente. É como ocorre nos Estados Unidos. Lá, dependendo do Estado, cabe ao juiz decidir se o réu será julgado como adolescente ou como adulto (nesta hipótese, podendo ser condenado à pena de morte). O critério de decisão, em geral, envolve a gravidade do delito e a crueldade de sua execução. Mas devido ao fato de que os americanos pertencem à família jurídica da Common Law, o juiz tem o poder de tomar sozinho essa decisão (baseando-se em precedentes), o que para nós é assustador pois, entre nós, o que vale é a lei. Esta é que deve determinar o funcionamento do sistema, como critério de segurança, pois diminui a influência das opiniões pessoais do juiz que, antes de tudo, é nada mais do que um ser humano.
No Brasil, porém, nem o homem nem a lei. Aqui o que importa é o momento da execução do delito. Se anterior à meia noite do dia em que o agente completa 18 anos, ele é menor e como tal será tratado. Esta informação não aparece na reportagem.

Revisitando o primeiro ano — 2ª parte

Escolher postagens favoritas é uma tarefa inócua, pois nossas preferências variam conforme o estado de espírito do dia. Mesmo assim, indicarei alguns textos que, dentre outros, acho que são mais significativos para o blog.
Numa linha mais séria, recomendo: As dez doenças mais bizarras do mundo e seu complemento, O extremo de não se aceitar; A difícil arte de educar; Aprender com a cachorrada; Saber perguntar; A palavra certa.
Na linha mais descontraída, sugiro: Borda de catupiry e A frase do dia 11.5.2007.
Amanhã indicarei as postagens de cunho jurídico, típicas deste blog.

Revisitando o primeiro ano

No próximo dia 31, este blog completará seu primeiro ano de existência. Considerando que o proveito que ele me trouxe foi bem maior do que eu esperava, decidi fazer um pequeno retrospecto.
A primeira menção honrosa será aos amigos. Juvêncio de Arruda (o grão-mestre dos blogs paroaras), Val-André Mutran, Carlos Barretto e a trupe do Flanar, Cris Moreno, Luciane Fiúza (agora sumida) e o inesquecível Eduardo Lauande foram conquistas obtidas através deste blog. A maior parte deles continuo sem conhecer pessoalmente, sendo que Barretto e Cris encontrei apenas uma vez. Eles se somam a Pedro Nelito e Fred Guerreiro, que eu já conhecia pessoalmente e, ambos, me estimularam a criar o blog. E ainda tem o futuro papai, Ivan Daniel, que conheci pelas duas vias quase simultaneamente. Sem esquecer o nosso ombudsman, Francisco Rocha Jr., grande comentarista. Márcio Almeida, Carlos Thiago e Ana Paula também têm seus nomes em destaque.
Se algum visitante frequente ficou de fora, perdão.
A blogosfera é um espaço de amizades sadias, inteligentes e promissoras. Somente por vocês, e pelos demais comentaristas, a experiência pode ser considerada bem sucedida e feliz.

domingo, 26 de agosto de 2007

Sem conferir a assinatura

O Diário do Pará ostenta em sua principal manchete, hoje, que bancos pagam cheques sem conferir a assinatura do correntista. Para mim, nenhuma novidade. Cerca de oito anos atrás, tive uma folha de talão de cheque subtraída furtivamente. Quando dei falta, tirei um extrato da conta e identifiquei o título descontado. Felizmente, a pessoa (que posteriormente identifiquei) era apenas uma ladra de galinhas e me deu um prejuízo de 86 reais. Acho que só queria pagar uma conta pessoal ou algo assim.
Ao pedir cópia do cheque ao banco, observei que a assinatura aposta era tão diferente da minha que até um cego seria capaz de perceber. Encurtando a história, acabei suportando o prejuízo, pois a gerente do Banpará (não perderia a oportunidade de mencionar o nome dessa fuleiragem) me explicou que, para ser ressarcido, eu teria que fazer um requerimento, o qual seria encaminhado à presidência e dentro de 60 dias blá-blá-blá. Ou seja, desisti.
Nessa época, foi-me explicado que, devido às metas de produtividade dessas instituições rameiras que representam Satanás na Terra — os bancos —, o caixa não perde tempo conferindo assinaturas para poder atender um maior número de usuários. E adivinha quem acaba sofrendo as consequências da ganância dessa canalha?
Duvido que a situação tenha mudado. Mesmo com o incremento das normas de proteção ao consumidor e com o avanço da informática, o que sempre fala mais alto é a força da grana que ergue e destroi coisas belas. Poucas coisas são tão nazistas quanto metas bancárias de produtividade, que por sinal me causaram outros prejuízos mais tarde. Mas essa história fica para outro dia.
Em suma, bancos merecem os castigos infernais.

20.000

O contador aí ao lado indica, desde ontem, que a marca de 20.000 acessos foi alcançada. O sentimento, claro, é de imensa gratificação, como se pode perceber nos demais blogueiros, que sempre anunciam tais marcas. Afinal, elas indicam que estas iniciativas pessoais chegaram a algum lugar e, muitas vezes, bem mais longe do que pensávamos inicialmente, como no meu caso.
Eu que pensava ficar circunscrito a pessoas próximas e tratar basicamente de questões jurídico-penais acabei fazendo mais amigos novos e enriquecendo minha visão de mundo, por meio de abordagens que somente os comentaristas, cada qual com sua própria experiência, poderiam favorecer.
Meus agradecimentos efusivos e comovidos, mesmo, a todos que me têm ajudado a fazer de minha arbitrariedade individual um instante, ao menos, de lazer a todos quantos passem por aqui. Abraços.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Primeiros réus

Não é só o sedizente prefeito de Belém que já pode ostentar os títulos de réu em processo criminal e perseguido político. Tem mais gente encalacrada. Refiro-me, claro, ao caso do "mensalão". Gostaria, todavia, de esclarecer um aspecto, já que tenho escutado pessoas dizerem que alguns denunciados seriam excluídos do processo.
Embora a organização criminosa (chamemos assim, sem apego à definição técnica de organização criminosa) seja numerosa e tenha dado causa a vários delitos, cada membro do bando tem a sua própria atuação, que pode implicá-lo em um delito, mas não nos demais. O escândalo do "mensalão" envolve, ao todo, oito tipos penais diferentes: quadrilha ou bando, peculato, corrupção ativa, corrupção passiva, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, gestão fraudulenta. Mas nem todos os implicados devem responder por todas essas figuras, o que nem seria possível, já que certos crimes somente podem ser cometidos por pessoas em condições particulares. A gestão fraudulenta, por exemplo, recai sobre quem tenha poder de administração de instituições financeiras e, no caso, está relacionada aos antigos dirigentes do Banco Rural.
A Folha fez a gentileza de publicar um quadro com as imputações penais de cada denunciado.
Portanto, o trabalho do STF consiste em analisar cada acusação formulada em relação a cada acusado, sendo possível que a denúncia seja rejeitada quanto a um delito, mas aceita por outro. Portanto, se você escutar que o Supremo rejeitou a denúncia quanto a fulano de tal, espere, que ele ainda pode se enrolar com uma segunda ou terceira imputação.
Uns tantos denunciados já são réus em relação a alguns delitos mas, a esta altura, fala-se que o julgamento só terminará na próxima semana. Fica a ansiedade, porém já temos material para os debates do final de semana. Afinal, tem figurão da República com o pescoço francês na reta.

Síntese perfeita


Universitário aos 9 anos

Conheça a história de March Boedihardjo que, aos 9 anos de idade, será o mais jovem universitário de Hong Kong e, consoante previsões, aos 14, licenciado em Matemática e mestre em Filosofia.
Grandes dúvidas me acossam: será que os supergênios têm maturidade emocional para enfrentar experiências, mesmo acadêmicas, mais consentâneas com adultos? A genialidade pode suprir, ao menos em parte, a necessidade de tempo para o desenvolvimento geral do ser humano?
Boa sorte, March.

Adendo sobre o Ministro Barbosa

Ministro Joaquim Barbosa, do STF:
em "ascensão", segundo colega


De acordo com perfil publicado no sítio do Supremo Tribunal Federal, o mineiro Joaquim Benedito Barbosa Gomes, ministro em fase de "ascensão social" segundo sua colega Carmen Lúcia Antunes Rocha, já foi compositor gráfico do Centro Gráfico do Senado Federal. Mas depois desse modesto início de carreira, previsível para um jovem negro no Brasil dos anos 1970 (e até hoje), exerceu as seguintes funções:
— Oficial de Chancelaria do Ministério das Relações Exteriores (1976-1979), tendo servido na Embaixada do Brasil em Helsinki, Finlândia;
— Advogado do Serviço Federal de Processamento de Dados-SERPRO (1979-1984);
— Chefe da Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde (1985-1988);
— Membro do Ministério Público Federal de 1984 a 2003 (ei, Ministra, o salário é bacana!).
Barbosa também possui uma invejável condição acadêmica. É doutor e mestre em Direito Público pela Universidade de Paris-II (Panthéon-Assas), além de ter exercido a docência superior (está licenciado), inclusive como professor convidado nos Estados Unidos, ser um conferencista conhecido e ter obras publicadas, inclusive na França.
Como se constata, ele está muito longe de ser um simplório. Todavia, a cor de sua pele ainda o expõe a ser vítima de comentários maliciosos como o da ministra, pondo a nu o preconceito entranhado na alma do brasileiro médio, capaz de dizer que alguém é um preto de alma branca.
Se Barbosa passa por isso, imagina o cidadão negro que não tem nem o começo desse currículo todo...

Acessório sem principal

Quem chega no meio da piada não ri, certo? No máximo, dá aquele risinho amarelo de fazer o social ou de sincero esforço para alcançar o espírito da coisa.
Pois bem, os dois grandes jornais de Belém só se referiram ao recebimento da denúncia contra o agora réu criminal Duciomar Gomes da Costa para dar amplo destaque à malsinada nota da COMUS, já dissecada aqui no blog, ou à manifestação do advogado de defesa do dito cujo. Contam a defesa, mas quase silenciam sobre o motivo de ter sido necessária uma defesa. Ao menos no dia em si, silenciaram por completo.
Razão tem a vereadora Marinor Brito (PSOL), ao criticar que um fato dessa magnitude possa ser ignorado pelos maiores responsáveis pela informação deste pedacinho do mundo.
É o mundo, animal.

Terceiro dia de "mensalão"

Logo mais, recomeça o julgamento de admissibilidade da acusação contra os quatro denunciados por envolvimento no mensalão. Se as previsões se confirmarem, ainda hoje saberemos se José Dirceu & cia. se tornarão réus.
Ao encerrarem-se os trabalhos de ontem, a primeira etapa (análise das teses preliminares) já se havia encerrado, com a rejeição de quase todas. Uma das alegações era de que dados bancários de alguns acusados, fornecidos pelo Banco Central à Procuradoria Geral da República, constituiriam prova ilícita. O relator Joaquim Barbosa rejeitou a alegação, mas a maioria dos ministros entendeu contrariamente. O argumento foi acolhido por 6 votos contra 4, mas isso não impede o recebimento da denúncia, que está baseada, também, em outros elementos. No entanto, já permite o assanhamento dos advogados. Precisando defender seus constituintes no mérito da acusação, esse fato vai render e muito.
Infelizmente, a mais alta instância judiciária do país se tornou alvo de repreensão quando dois de seus ministros, Carmen Lúcia Antunes Rocha e Enrique Ricardo Lewandowski, protagonizaram uma troca de e-mails de teor comprometedor. Parece que não há um só centímetro quadrado deste país que escape aos vícios. Segundo se deduziu do conteúdo das mensagens, os dois ministros acreditam que o colega Eros Grau vai rejeitar a denúncia contra os acusados influentes no governo Lula, em troca da indicação de um cupinxa para a vaga aberta com a aposentadoria de Sepúlveda Pertence.
Se assim for, estaria cada vez mais evidente que é melhor desistirmos e o último que sair apague a luz do Brasil.
Causou-me particular náusea, porém, a alegação da ministra Carmen Lúcia de que, por ser relator de um julgamento histórico, o ministro Joaquim Barbosa dará um "salto social". Considerando que Barbosa é o primeiro negro a chegar ao Pretório Excelso, a imprensa já está repercutindo que aquela casa não está isenta dos preconceitos de cor, classe, origem, etc.
Se me pegassem numa declaração dessas, eu fingiria ir ao banheiro e não retornaria mais. O maior problema é que, vindo de quem vem, o caso não será entendido como o de uma dondoca sendo racista, e sim como o Supremo Tribunal Federal nessa condição. Inaceitável. Por sorte, Barbosa teve grandeza de espírito e tratou o caso com bom humor. Ao minimizar publicamente o ocorrido (embora sem alusão ao seu caso pessoal), ajudou a manter o clima na corte.
Este é o Brasil. Céus...

Conheça as alegações de defesa dos denunciados.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Grandes enigmas da humanidade

Alguém, por misericórdia, poderia esclarecer por qual razão pessoas andam olhando para trás?

Acabei de ser atropelado no corredor da faculdade por uma jovem que caminhava e dobrou uma "esquina" interessadíssima em alguma coisa atrás de si. Já me aconteceu várias vezes. Eu até paro, tento desviar, mas não adianta. Em geral, acontece rápido e você só sente a trombada e vê depois aquela cara de hein-o-que-aconteceu? E olha que nem todo mundo se desculpa.
Enfim, considero essencial para a continuidade da jornada humana na Terra que esse mistério seja solucionado.

Andamento do caso do "mensalão"

No outro grande assunto judiciário do dia — o acolhimento da denúncia contra os acusados de envolvimento no escândalo do "mensalão" (Inquérito 2245) —, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Ellen Gracie, anunciou, às 19h40, o encerramento da sessão plenária. Já estava previsto que os trabalhos demorariam prováveis três dias.
A informação oficial constante do sítio institucional do STF dá conta de que hoje, a partir das 10 horas, o julgamento será retomado, ainda na fase de sustentação oral. Faltam 15 orações dos advogados de defesa. Somente depois disso é que o relator Joaquim Barbosa poderá iniciar a leitura do voto.
Se tudo correr bem, a parte mais importante dos trabalhos deve começar hoje à tarde. Mas a decisão só é esperada para amanhã. Tomara. Porque é sexta-feira e não queremos passar o final de semana na expectativa.

Saldo positivo

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região acolheu a denúncia contra o sedizente prefeito de Belém. Infelizmente, por 3 votos contra 2, mas isso é suficiente para a instauração da ação penal, em cuja instrução se deve apurar com maior clareza as danadices que o menino andou aprontando. Além do mais, estar respondendo a um processo por crime contra a Administração Pública de Belém deve ter algum peso nas eleições do próximo ano. Num país decente teria.
Infelizmente, até o presente momento o sítio do TRF1 não foi atualizado, de modo que não posso aprofundar as informações sobre o caso, que não é mencionado sequer nas últimas notícias. Espero que mais tarde ocorra a atualização e eu, com prazer, fornecerei maiores detalhes. Por ora, temos as notícias da Procuradoria da república da 1ª Região:

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) recebeu hoje denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o prefeito de Belém (PA) em setembro de 2006. Duciomar Gomes da Costa é acusado de receber recursos federais do Sistema Único de Saúde (SUS) e, com o dinheiro, comprar veículos destinados ao uso da Guarda Municipal de Belém (GBEL).
A verba transferida pela União ao município seria destinada a ações e serviços de vigilância epidemiológica e sanitária. Contudo, dos 115 veículos adquiridos pelo total de R$ 1.926.000,00, cerca de 50 foram destinados à GBEL – 14 Sienas e um Mitsubishi L200, inclusive. No aniversário da cidade de 2006, o prefeito chegou a divulgar a suposta nova aquisição da GBEL pela televisão e em jornais e outdoors do Município.
O prefeito de Belém deve agora responder à ação penal no TRF1. Se condenado, Duciomar Gomes da Costa pode cumprir pena de detenção de até três anos, além de perder o cargo e ficar inabilitado para o exercício de função pública por período determinado.
Processo número 2006.01.00.0368799/PA.

A notícia também aparece no sítio nacional da Procuradoria Geral da República.
Enquanto isso, a Prefeitura já colocou em seu respectivo sítio a seguinte nota:

A Procuradoria Regional da República, por 3 votos a 2, decidiu [1] pela abertura de um processo de análise de mérito sobre a Ação Civil Pública nº 2006.39000049857 [2], que responsabiliza o prefeito Duciomar Costa pelo suposto uso indevido de verba do Sistema Único de Saúde (SUS), que teria sido usada para a compra de carros para a Guarda Municipal de Belém (GBEL).
Na auditoria feita, em abril deste ano, pelo próprio Ministério da Saúde, na Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), ficou comprovado que não houve irregularidades no uso dos recursos públicos pela administração municipal [3].
A auditoria checou não apenas o suposto desvio de finalidade dos recursos para a aquisição dos carros, quantos e quais modelos foram adquiridos. Os auditores fizeram ainda um minucioso levantamento acerca dos repasses de verbas destinadas ao combate da dengue, malária e às campanhas de vacinação de vigilância sanitária, realizadas entre 2005 e 2006.
Foi constatado que os processos de compra dos veículos estavam devidamente organizados, apresentando toda a documentação acerca de despesas, processos de licitação, notas de empenho, notas fiscais de compra, ordem de créditos e extratos bancários. Chegou-se à conclusão de que "os veículos não estavam sendo utilizados pela Guarda Municipal", como consta nas acusações feitas pelo MPF. Todos os carros estão legalizados junto ao Departamento de Trânsito do Estado do Pará (Detran) em nome da Sesma e atendendo os programas de saúde executados no município, afirma a perícia técnica.
O prefeito Duciomar Costa, através da Coordenadoria de Comunicação Social (Comus), do Núcleo de Imprensa e Documentação (NID), informa que está tranqüilo [4] quanto a este caso, pois não existe nenhuma ilegalidade ou desonestidade, e que, ao final da apuração, ficará comprovado que tudo foi feito como orientam as leis e o interesse público.
A prefeitura entende que estas acusações resultam de perseguições políticas [5], pois os veículos foram usados de maneira correta, como determina o convênio com o Governo Federal.

[1] Muito mal informado o autor da nota. Quem decidiu foi o tribunal e não a Procuradoria da República. O Ministério Público é o titular do direito de propor ação penal mas, justamente por isso, não tem poder decisório no caso. O texto revela total desconhecimento da diferença entre Judiciário e Ministério Público. Começo sugestivo para uma nota que pretende nos convencer de alguma coisa.

[2] Em julgamento, ontem, não estava uma ação civil pública, até porque, nesse caso, o julgamento teria sido de mérito. O que ocorreu ontem foi o acolhimento de uma denúncia, para que comece o processo criminal. O autor dessa nota não sabe sequer o que foi julgado. Compare as notas e veja como os números dos processos não conferem. (Ou será que foi uma tentativa de esconder que se trata de ação criminal? Nesse caso, não haveria o dever de informar corretamente?)
[3] A Prefeitura tem fixação por essa auditoria, que foi imediatamente desacreditada.
[4] O adjetivo "tranquilo" acaba de ganhar novo significado no léxico brasileiro: "a cara nem treme".
[5] O argumento-mor de todo político danadinho. Estou sendo vítima de perseguição política!! O indigitado só não explica quem seria o perseguidor. O governo federal não seria, pois o PTB está em sua base de sustentação e o sedizente, pessoalmente, participou da campanha de Lula no ano passado. O governo do Estado muito menos, pois as acusações contra o nacional surgiram na época em que estas sesmarias pertenciam aos tucanos, àquela altura tidos como imbatíveis. Portanto, companheiros, alguém pode me esclarecer quem está perseguindo o sedizente?
Só se formos nós, os blogueiros.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Marrentos e vazios

Tem alguma coisa mais patética e irritante do que Lula viver repetindo que a oposição ao seu governo e tudo mais que se reclama neste país é uma estratégia das elites?
Tem, sim. No movimento separatista, divisionista ou emancipacionista, como queiram chamar, que pretende criar os Estados do Tapajós e de Carajás, o samba de uma nota só atende pela visão a partir de Belém. Agora tudo se explica pelo fato de que os políticos, empresários e, claro, os habitantes da região metropolitana e nordeste no Pará enxergam tudo sob a perspectiva da capital. A idiotice é tanta que, outro dia, num blog de Santarém, julguei oportuno intervir quando um sujeito nos acusou de não sabermos sequer os nomes dos peixes típicos. Ou seja, a moda agora é essa: se você nasceu ou vive em Belém, é burro, cretino, sem visão de mundo. E não para por aí: você é egoísta, explorador, safado.
Tenho me mantido silente quanto ao tema da divisão do Pará por não me sentir informado o bastante para emitir opiniões — e não estamos mais no nível do simples eu-quero, eu-não-quero. Apesar de que 99,9% das pessoas que se manifestam, de ambos os lados, limitam-se exatamente a externar uma preferência, sem qualquer embasamento. Graças a isso, todo santo dia, navegando pelos blogs, tenho que ser ofendido por cada suspiro que dou, devido a minha origem. Façam-me um favor!
A última que eu podia esperar era que, vivendo numa cidade esculhambada como Belém, agora eu virei elite. E elite burra!
Continuarei silente sobre o mérito da divisão do Estado. Mas registro aqui minha indignação contra essa gente que, desinformada e preguiçosa de informar-se, encontra na ofensa o único refúgio para os seus anseios. Convenhamos, como pode uma causa, por mais justa que seja, ter sucesso com partidários desse naipe?

Dia judiciário — expediente da tarde

O sítio institucional do Supremo Tribunal Federal está dando natural destaque ao julgamento do caso do "mensalão". Leia aqui a síntese de relatório do ministro relator. Se seu interesse for grande, leia na íntegra. Antes do meio dia, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, fez sua sustentação oral perante o plenário. É a vez dos advogados de defesa.

Já sob o caso do sedizente destas bandas, o sítio do TRF1 não apresenta nenhuma novidade. No aguardo.

E se tivessem desistido de Carolina?

O G1, portal de notícias da Globo, publica hoje uma extensa reportagem contando a história de Carolina, nome fictício dado a uma jovem agora com 19 anos, que ainda adolescente sofreu medida socioeducativa prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. Sofreu internação na Fundação Casa, nome atual da famigerada FEBEM, que de bem estar do menor nunca teve nada. Na verdade, Carolina ainda está cumprindo a medida, mas ganhou o direito de permanecer em casa, sob vigilância.
O motivo? Ser estudiosa até demais. Participou do ENEM e sua média foi 81,27 — muito, muito superior à média nacional (42,95). Graças a isso, habilitou-se a se matricular numa faculdade beneficiada pelo Programa Universidade para Todos — ProUni.
Com todos os indícios de que está ressocializada, Carolina faz planos para o futuro, inclusive concluir a graduação em Administração para, depois, cursar Serviço Social, seu real objetivo. Ela foi sensibilizada para essa carreira pelos assistentes sociais que a atenderam durante sua internação.
Agora eu pergunto, principalmente aos entusiastas da redução da maioridade penal: e se a sociedade tivesse desistido de Carolina?
A moça foi sentenciada por tráfico de entorpecentes, cuja pena varia de 3 a 15 anos de reclusão e, por se tratar de crime hediondo, exige o regime fechado inicial. Se a maioridade penal ocorresse aos 16 anos, Carolina estaria agora em alguma penitenciária de segurança média ou máxima, sem perspectiva de liberdade. Não estaria estudando e, provavelmente, jamais chegaria a uma universidade. No dia em que voltasse às ruas, estigmatizada pela prisão, não teria oportunidades para realizar o projeto que agora está em plena execução.
Carolina está na fronteira entre o delinquente que iniciou uma carreira criminal e jamais se recuperará e o delinquente que reconhece os seus erros, recebe uma segunda chance e a agarra.
"Ora", direis, "ela é uma exceção. A maioria é moleque safado, mesmo!"
Leviandade sua. Você não conhece o histórico de vida dos jovens delinquentes. Não tem como julgar em que medida eles são realmente sociopatas e destinados geneticamente ao crime e à violência, ou vítimas de todo tipo de abandono: das famílias, do Estado, da comunidade em geral.
Duas coisas posso afirmar: há pessoas para as quais nenhuma ajuda será profícua. O cara é mal e incorrigível. Mas essa é a exceção. A grande maioria das pessoas precisa de orientação e apoio e reagirá às situações da vida na medida em que os tenha recebido.
Para estas, o assistente social gentil e comprometido faz toda a diferença. O profissional abusivo e cínico só teria corrompido ainda mais o caráter do público por ele atendido.
Para estas, o estímulo dado à jovem, para que pudesse estudar em sua casa, foi tão benéfico que já produziu importantes resultados.
Para estas, a existência de um programa social como o ProUni faz toda a diferença.
Para estas, até a escolha de uma carreira denuncia os valores mais solidamente construídos na alma.
Para quem faremos as nossas leis?

Dia judiciário

Este 22 de agosto promete. Está começando no Supremo Tribunal Federal o julgamento de admissibilidade da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República contra 40 acusados de envolvimento no escândalo do "mensalão". No meio, nomes famosos como José Dirceu (para alguns, o verdadeiro presidente do Brasil de 2002 até cair em desgraça) e José Genoíno. Mesmo que tudo transcorra dentro da normalidade, o trabalho será longo. Consta que somente o relatório tem 50 páginas e o voto, 400.
Após a leitura do relatório, os defensores das partes têm direito a fazer sustentação oral. Dada a grande quantidade de réus, essa etapa também vai demorar. Além disso, quando o advogado percebe que os ventos lhe são desfavoráveis, costuma criar caso por qualquer bobagem. Se está ganhando bem para isso, não se envergonha de fazer os requerimentos e reclamações mais estapafúrdios, com vistas a retardar o julgamento, cansar os magistrados, atrapalhar a imprensa e gerar uma imagem de que o julgamento foi conturbado e repleto de ilegalidades, que são o pretexto para futuros recursos.
Após as sustentações orais, começa a etapa principal. Nela, como já anunciado, o relator, Ministro Joaquim Barbosa, terá que analisar cada preliminar arguida, uma por uma. Preliminares são teses de natureza formal que, se verdadeiras, impedem o julgamento do mérito da causa. Na praxe forense, quanto menos razão tem a parte, mais preliminares suscita, porque isso desvia a atenção das questões centrais e, de novo, dá margem a recursos por supostas violações à lei. Cada preliminar tem que ser objeto de deliberação por toda a corte, o que torna o julgamento mais lento.
Finalmente, os ministros decidirão se a denúncia deve ou não ser recebida e contra quem. Se recebida, aí sim começa a ação penal propriamente dita. Os denunciados tornam-se réus. O primeiro ato processual é o interrogatório e depois a apresentação de defesa prévia. Segue-se a instrução processual e, por fim, a sentença. Mas sabe Deus quanto tempo pode durar a instrução processual.

Neste mesmo dia 22, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região realiza o mesmo procedimento (admissibilidade de denúncia) contra o sedizente prefeito de Belém e sua intrépida trupe.
Infelizmente, não posso, mas seria ótimo poder sintonizar a TV Justiça e passar o dia curtindo esses julgamentos, torcendo pelo recebimento da denúncia contra todos esses meninos danadinhos, muito mais do que torci por medalhas nos Jogos Panamericanos.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

É amanhã

Lembrem-se que, amanhã, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sediado em Brasília, julgará o processo 2006.01.00.036879-9, inquérito policial contra o sedizente prefeito de Belém e amiguinhos. A menos que haja adiamentos, será feita a apreciação da denúncia.
Desde hoje na torcida por bons resultados.

A relação álcool e violência

Não conheço os médicos Geraldo Roger Normando Jr. e Luiz Alberto Rodrigues de Moraes, ambos vinculados à UFPA, mas gostaria de parabenizá-los pelo lançamento, na próxima sexta-feira, do livro "Traumatismo Torácico — Visão Geral e Especializada", que coordenaram.
Ante a inexistência de link, reproduzo trecho da reportagem publicada hoje em O Liberal:

Segundo o cirurgião torácico Geraldo Roger Normando Jr., trata-se do primeiro livro sobre prática cirúrgica escrito na Região Norte e recupera um tema que não é tratado há mais de 20 anos pela literatura médica no Brasil. 'Sempre foi referência dentro de diversos livros, mas em se tratando especificamente sobre o estudo do tórax, havia 20 anos que não se publicava nada. E isso em Medicina é tempo demais'.
O livro, que demorou dois anos para ficar pronto, reúne artigos técnicos assinados por mais de 50 colaboradores. Já foi lançado em Belo Horizonte (MG) e será distribuído nacionalmente no circuito de livrarias universitárias pela editora da UFPA, que patrocina a publicação juntamente com o Banco da Amazônia e a Unimed-Belém. 'O traumatismo é a principal causa de morte da população com idade até 45 anos. Este livro é um retrato médico da violência abordando especificamente o tórax, que é a região mais acometida. É um livro técnico, feito para médicos, reunindo experiências de profissionais de todo o país e que poderá ajudar muito a médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, a todos que trabalham nos setores de urgência e emergência, para possam entender como ocorrem as lesões torácicas, que são exatamente as mais fatais'.
Um dos estudos incluídos no livro foi feito por Normando Jr. e outros três pesquisadores e mostrou que o abuso do álcool está diretamente relacionado com o aumento de mortes violentas. Depois de analisar os casos que chegaram ao Instituto Médico Legal (IML) entre abril e julho do ano passado, período em que vigorou a 'Lei Seca' em Belém, com horário determinado para o funcionamento de bares, descobriram que houve uma redução de 28% de óbitos. Observando só os homens, a diminuição foi de 33,72%. Nos dias de domingo, a redução foi de 41%. 'O principal agente causador de trauma foi a arma de fogo e o bairro mais implicado nos casos foi o Guamá', diz Geraldo Roger Normando Jr.
O cirurgião, que conta com a experiência de anos como médico do Pronto-Socorro Municipal (PSM) de Belém e agora também do Hospital Metropolitano, referência em traumatologia, acredita que há coisas a melhorar na infra-estrutura dos hospitais, mas que o investimento mais necessário no momento é em pessoal. 'O investimento nem deveria ser tanto nos hospitais. É claro que ainda há problemas, mas com o Hospital Metropolitano, que tem 40 leitos só para trauma, não podemos dizer que não há um bom hospital. Mas precisamos de mais médicos, mais profissionais. No plantão do Metropolitano, por exemplo, há dois cirurgiões que não param de trabalhar o tempo inteiro. É como uma verdadeira guerra civil. Digo para os meus alunos que se eles querem aprender cirurgia, têm que ficar no Brasil.'


Sem que isso represente um demérito aos dois pesquisadores, o livro é mais uma prova do óbvio: quanto mais se consome álcool, mais cresce a violência. Este fato indesmentível só é desmentido pelo cachaceiros de plantão, irresponsáveis que só eles, contrários às limitações de venda de bebidas alcoólicas porque, para eles, diversão depende de excesso.
Se só eles sofressem as consequências, ainda vá lá. Mas como o risco é de todos, é de se louvar que profissionais competentes mostrem argumentos sérios sobre a tragédia nem sempre silenciosa que o álcool representa.

PRONASCI

Lançado ontem, oficialmente, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania — PRONASCI, sobre o qual já fizera um breve comentário. A expectativa agora é ver 483 milhões de reais efetivamente aplicados até o final do ano, sem contingenciamento. Aplicados sem os habituais desvios e locupletamentos individuais, em atividades que efetivamente façam a diferença, em especial a capacitação dos agentes de segurança pública.
Clique aqui para conhecer a versão oficial do governo, a quem não aborrecerei com prognósticos pessimistas — até porque espero que o programa dê certo, claro. Afinal, não tenho tendências suicidas.
Estou esperando pelo melhor. Até já me sentei.

Enquanto isso...

...o crime vai compensando. Nicolau dos Santos Neto, celebérrimo pelo desvio das verbas para construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo e personagem de um interminável vai e vem entre a prisão comum e a domiciliar, que considero uma das maiores palhaçadas da recente história judiciária brasileira, vem conseguindo impedir que US$ 4,5 milhões, depositados na conta "Nissan" do banco Santander, na Suíça, sejam repatriados em favor do Brasil.
Acredita-se que essa quantia seja uma parte dos R$ 169,5 milhões que Nicolau embolsou quando presidente daquela Justiça Especializada. Há outra explicação além dessa? Venda de gado, talvez?
Nos termos da lei, como se trata de dinheiro de origem ilícita, deve ser restituído ao legítimo dono, no caso a União. Entretanto, para que isso ocorra, a Suíça, que já teve a boa vontade de bloquear a conta, exige naturalmente uma sentença condenatória transitada em julgado. E isso o Brasil não pode oferecer, pois Nicolau já está condenado a 26 anos de prisão em mais de uma ação penal, mas em todas existem recursos pendentes. A lentidão do Judiciário brasileiro não permite que a maior necessidade relacionada a esse caso (a reparação do erário) se consume.
Paralelamente, os Estados Unidos — que não possuem nenhum interesse particular na questão — já favoreceram o Brasil com uma sentença definitiva, proferida por um tribunal da Flórida. Graças a ela, foi vendido um apartamento que Nicolau comprara em Miami, permitindo ao Brasil recuperar US$ 870 mil.
A ineficiência brasileira custa caro. Eis aí uma prova contundente. Desde 1998 pende na Justiça Federal paulista uma ação de improbidade administrativa contra o meliante. Nove anos depois, ela ainda se encontra na fase de produção de provas, ou seja, sequer há data prevista para uma sentença. Depois da sentença vêm os recursos e por aí vai. Lembremo-nos, ainda, que Nicolau já está velhinho e cansado de tanto transitar entre celas, hospitais e sua casa. Se o pobrezinho morrer, ocorrerá a extinção da punibilidade sem o trânsito em julgado da condenação. Suspeito que, com base nisso, a Suíça há de negar a repatriação do dinheiro.
Último capítulo da novela: filhos e netos do homem que entrou para a História como o "juiz Lalau" vivendo felizes, milionários, torrando o dinheiro do povo do Brasil-il-il. Quem viver...

Notícias alvissareiras

O governo Lula não gosta muito de se indispor com as pessoas (prefere se indispor com o povo, para não melindrar os amigos próximos), mas desta vez vai irritar muita gente ao anunciar publicamente que se opõe ao "trem da alegria", por meio do qual se pretende estabilizar, no serviço público, os servidores temporários. Afinal, são milhares e milhares de pessoas, em todo o país, perenizados em atividades declaradamente temporárias, graças a manobras de políticos interessadíssimos no bem estar dessas famílias.
Você acredita nisso? Então dê um beijo no coelhinho da Páscoa quando se encontrar com ele da próxima vez, porque o grande interesse desses politiqueiros sempre foi lucrar nas eleições: o candidato proclamado "defensor dos temporários" se beneficia do desespero dessas pessoas para se reeleger.
O governo federal está com um discurso técnico: o ingresso no serviço público deve se dar através de concurso e não de manobras, ainda que respaldadas em lei. Desta vez, concordo com o governo.
A outra boa notícia é que Fernando Collor vai se licenciar do Senado, inicialmente por quatro meses, podendo prorrogar a licença. É pena que ele pretenda voltar, mas o suplente é seu primo, então fica tudo em família. Interessante é o motivo do afastamento. Não é nenhuma investigação por crime comum ou de responsabilidade. O que Collor deseja é sair pelo país afora conscientizando a população acerca do parlamentarismo, que deseja ver implantado no país.
Em 1993, no plebiscito, votei no parlamentarismo que eu, honestamente, considero superior ao presidencialismo. Só não tenho certeza se o modelo se adequaria ao Brasil, pois o parlamentarismo exige um nível de organização e controle que a bandalha nacional rejeitará.

PS — O bem informado Val-André Mutran, porém, conta uma versão bem diferente sobre os motivos pelos quais Collor está fazendo as malas. Como sempre, só temos a lamentar.

Trabalhadores rurais juristas

Um dos problemas mais graves que nós, professores do ensino superior de Direito, observamos nos cursos pelo país afora é a padronização. Como tudo no mundo, parece haver um ideal de isomorfismo que nos remete ao videoclip de "Another brick in the wall", do Pink Floyd, com as crianças caindo em uma enorme máquina e saindo de lá somente a linguiça. Temos que comer igual, vestir igual, dançar igual, etc. Com a educação não poderia ser diferente.
Justamente por isso, nos últimos anos o Ministério da Educação tem pedido que os interessados em abrir novos cursos de Direito justifiquem inovações em seus projetos, a fim de demonstrar porque são necessários, mormente onde já existam faculdades funcionando. Mas o projeto submetido às comissões de especialistas pode ser, digamos, adaptado na fase de efetiva realização. E aí campeia a mesmice, com experiências exemplares surgindo aqui e ali, eventualmente.
A Universidade Federal de Goiás, contudo, resolveu impressionar e criou um curso de Direito destinado especificamente a assentados rurais, em áreas destinadas à reforma agrária ou à agricultura familiar. Trata-se de um curso regular de graduação, com os cinco anos habituais e as disciplinas inerentes a essa área do conhecimento. Todavia, haverá disciplinas específicas e um enfoque particular às necessidades desses brasileiros. O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, que articulou o curso, quer capacitar os seus próprios integrantes para não mais depender de terceiros.
A coisa é tão incomum que um Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, proferirá a aula inaugural (coisa que só costuma acontecer em instituições ricas).
Imagino que a sociedade brasileira, onde até os pobres são elitistas, repudiará tal curso, pois os trabalhadores sem terra são odiados de norte a sul do país. Ainda por cima, as despesas de funcionamento dessa graduação serão suportadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, portanto dinheiro público.
Atearam fogo para uma fogueira grande, certo? Corretíssimo. O Ministério Público Federal de Goiás já entrou em ação, questionando se não seria ilegal criar um curso público com destinatários certos. Um precedente recente — curso de Administração à distância criado apenas para servidores públicos, em Santa Catarina — foi objeto de suspensão judicial, por quebra da isonomia entre os cidadãos.
O caso promete. Mas, enquanto isso, lamentemos a perda da aula magna, ocorrida sexta-feira passada. Vide o convite.


Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u321458.shtml

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Eu e o cachorro

Na manhã de 20 de agosto de 1985 — lá se vão 22 anos —, por volta de 8 horas da manhã, saí pela porta da cozinha de minha casa e fui até o pátio, onde estava preso o nosso cachorro, um vira-lata de porte médio e temperamento infernal, que metia medo na vizinhança. Por infeliz escolha de minha mãe, o indigitado chamava-se Freeway, que era o nome do cachorro do casal Johnathan e Jennifer Hart, protagonista do breguíssimo seriado Casal 20, no ar por aqueles tempos. Os cães seguintes receberam nomes melhores.
Criança sabe como é. Fui dar bom dia ao cachorro e vi que ele tremia. Devia ser frio, por isso me abaixei para cobri-lo com um pano. Sem qualquer aviso prévio, Freeway pulou sobre mim e fez um estrago no meu rosto e pescoço. Segundo o médico, os caninos penetraram na carne o bastante para implicar em risco de morte, se tivessem atingido a jugular, o que não ocorrera por pouco. Não sei se foi terrorismo do esculápio, mas o incidente me trouxe grandes dissabores, principalmente quando o ferimento infeccionou gravemente, devido a uma pequena tolice que fiz. As sessões de limpeza do ferimento infeccionado valeram por sessões de tortura, posso garantir. E ainda escutei de uma auxilar de enfermagem — um primor de profissional — a seguinte pérola: "Ai, isso está quase virando grangrena". Aos 10 anos, eu sabia o que era grangrena e estou certo de que a única coisa grangrenada ali era o caráter daquela ordinária, que não respeitou minha dor nem o choro copioso de minha mãe.
Meu maior dissabor, contudo, foi que alguns dias depois Freeway surtou de vez e botou para correr meu irmão e minha tia, as duas pessoas da família que estavam em casa. Foi preciso chamar reforços para prender o cachorro e, nisso, ele acabou enforcado. Seu corpo foi jogado por aí. Para me poupar, disseram-me que ele fora mandado para o canil da Polícia Militar, onde aceitavam cães ferozes. Assim, ele poderia ter uma valorosa carreira no combate ao crime.
Criança, sabe como é: acreditei. Anos se passaram até me contarem a verdade. Tudo bem, isso agora é apenas uma lembrança distante, que veio à tona quando meus olhos bateram na data de hoje.
Ainda penso que minha trajetória podia ter-se encerrado aos 10 anos de idade. Teria sido chato. Mas fiquei por aqui e ainda posso contar esta historinha boba para vocês. Com tudo isso, continuo adorando cachorros.

Pensões estratosféricas

Flávio Maluf, filho do Paulo — sim, aquele mesmo —, entrou para a história judiciária brasileira. Ele é o devedor da maior pensão alimentícia já determinada no país: 217 mil reais por mês! E foi logo depositando o valor, pois já corria o risco de ser preso e, convenhamos, o rapaz precisa evitar prisões desnecessárias, considerando o permanente risco de ser preso por motivos que a origem de sua fortuna familiar talvez possam explicar.
Gostaria de por em questão o tema dessas pensões em valores absurdos. Lembro-me de que Luciana Gimenez, quando pediu à justiça americana que majorasse a pensão de seu filho com o cantor belezura Mick Jagger, alegou não ser possível criar adequadamente uma criança em Nova York com "apenas dez mil dólares por mês". Ainda sinto as lágrimas escorrendo por meu rosto quando soube dessa declaração.
Jacqueline ex-Maluf, contudo, superou a superpop em mais de dez vezes. Como advogado, seria capaz de citar alguns dos argumentos certamente utilizados pelos advogados. O principal deles, é provável, que o filho tem o direito de participar do patrimônio do pai. Correto. Todavia, não podemos ignorar que não existe herança de gente viva. Compete aos pais decidir que padrão de vida os filhos terão mas, pelo visto, esse direito só existe na constância do casamento. Após o divórcio, o pai rico fica obrigado a praticamente antecipar a partilha dos bens, fazendo de seu rebento um partidão.
As consequências óbvias e inevitáveis disso são que a ex-mulher já pode considerar-se aposentada. Tem renda muito superior a da esmagadora maioria dos trabalhadores, aposentados e pensionistas brasileiros. Em sua carteira de trabalho, se é que possui uma, basta anotar como profissão "ex-mulher". Nada mais natural, num país em que "ex-BBB" também é carreira. Levará, se quiser, uma vida de ostentação e futilidade, ensinando ao filho justamente o oposto do que deveria. Esse é o maior problema e o motivo desta pequena elucubração.
Mesmo que a pensão seja apenas do filho e não dela própria, a felizarda ex, na condição de administradora legal do dinheiro, poderá gastá-lo como se sua dona fosse, inclusive sustantando namorados às custas do ex. Prestações de contas, também uma exigência legal, não impediriam isso. Sem enveredar por esse aspecto mais machista do problema, temos que a criança crescerá assistindo, dia e noite, a batalha dos pais em torno de dinheiro. Aprenderá desde cedo que deve fazer todo o possível para ganhar o máximo que puder, o mais rápido que puder. E se a destinação dos recursos for mal feita, o desserviço à educação de um ser humano será completo.
A pensão alimentícia é uma medida jurídica destinada a assegurar condições dignas de existência ao beneficiário. Deve ser suficiente para cobrir suas necessidades com alimentação, saúde, educação, lazer e até pequenos luxos, se couberem no orçamento. Mesmo que o pai (devedor da pensão em praticamente todos os casos) arque diretamente com certas despesas, dinheiro em espécie sempre deve estar à disposição da mãe, que é quem cria, no mínimo porque ela é que estará sujeita a imprevistos e emergências. Mas quanto dinheiro?
Penso que o correto seria arbitrar a pensão num valor definido a partir do cálculo das despesas reais que a criança terá, com uma folga. Cursos específicos, viagens, aquisição de certos bens não constituem emergências e poderiam ser negociados nos momentos oportunos. Naturalmente, se o casal não consegue dialogar, a maior dificuldade em resolver essas pendências recomendará que a pensão seja prevista em maiores níveis, mas ainda assim sem exageros.
Se o juiz quer assegurar que a criança participe da fortuna paterna; se quer evitar que o pai dissipe ou oculte bens, em prejuízo do próprio filho, então que determine o depósito de valores em uma conta com rendimentos. Isso bastaria para que a pensão chegasse ao seu destinatário, garantindo o seu futuro, dificultando o locupletamento indevido e esse efeito deletério sobre a personalidade da criança.

Essa vai para o Xingatório

O Diário do Pará de hoje ostenta a seguinte manchete, com origem na Folhapress de São Paulo:

Boeing da Gol teve problemas hidráulicos e comandante precisou abortar o vôo para SP

Esta pérola merece ir para o Xingatório da Imprensa (link ao lado). Sem dúvida, o comandante precisou desviar o voo para São Paulo pois, se o tivesse abortado, a aeronave teria permanecido lá mesmo, em Goiânia.
A falta que faz uma revisão...

domingo, 19 de agosto de 2007

O decálogo de Russell

E justamente porque vale a pena conhecer melhor Bertrand Russell, transcrevo abaixo o "código de conduta" liberal por ele proposto, baseado em dez princípios, como o decálogo cristão. "Não para substituir o antigo", diz em sua autobiografia, "mas para complementá-lo". Ei-lo:

1. Não tenha certeza absoluta de nada.

2. Não considere que valha a pena proceder escondendo evidências, pois as evidências inevitavelmente virão à luz.

3. Nunca tente desencorajar o pensamento, pois com certeza você terá sucesso.

4. Quando você encontrar oposição, mesmo que seja de seu marido ou de suas crianças, esforce-se para superá-la pelo argumento, e não pela autoridade, pois uma vitória dependente da autoridade é irreal e ilusória.

5. Não tenha respeito pela autoridade dos outros, pois há sempre autoridades contrárias a serem achadas.

6. Não use o poder para suprimir opiniões que considere perniciosas, pois as opiniões irão suprimir você.

7. Não tenha medo de possuir opiniões excêntricas, pois todas as opiniões hoje aceitas foram um dia consideradas excêntricas.

8. Encontre mais prazer em desacordo inteligente do que em concordância passiva, pois, se você valoriza a inteligência como deveria, o primeiro será um acordo mais profundo que a segunda.

9. Seja escrupulosamente verdadeiro, mesmo que a verdade seja inconveniente, pois será mais inconveniente se tentar escondê-la.

10. Não tenha inveja daqueles que vivem num paraíso dos tolos, pois apenas um tolo o consideraria um paraíso.

Grandes personalidades: Bertrand Russell

Bertrand Arthur William Russell, 3º Conde Russell, nascido em Ravenscroft aos 18.5.1872, entrou para a História como matemático, filósofo (formado pela Universidade de Cambridge) e lógico. Também foi um político liberal, notável pelo trabalho de popularização da Filosofia. Mas sempre foi um indivíduo controvertido, pelas causas que defendia, tais como a ácida insurgência contra o uso de armas nucleares e contra a ação militar estadunidentes no Vietnã.
Aliás, os norteamericanos tiveram do que se queixar. Durante dois anos, Russell provocou as autoridades com textos publicados. Um dia, no ano de 1918, foi intimado a esclarecer uma declaração que fizera insultando um aliado da Grã-Bretanha em tempo de guerra. O aliado eram os Estados Unidos e o comentário fora de que este país provavelmente intimidaria grevistas na Grã-Bretanha e na França depois que a guerra terminasse. Ocorre que essa afirmação fora baseada em um relatório do Senado americano, por isso há quem acredite que Russell foi condenado pelo conjunto da obra, mas sob o pretexto do fechamento daquele seu texto, do seguinte teor:

Não digo que estes pensamentos estejam na mente do governo. Todos os indícios tendem a mostrar que não há absolutamente nenhum pensamento na mente daqueles que ocupam os postos do Estado, e que eles vivem ao deus-dará, consolando-se com a ignorância e as tolices sentimentais.

Russell foi condenado a seis meses de prisão. Provavelmente, também pesou para isso sua recusa em alistar-se para a I Guerra Mundial, pois era um pacifista.
Já tinha traçado o seu plano para aquela "retirada forçada do mundo": por dia, quatro horas de escrita filosófica; quatro horas de leitura filosófica; quatro horas de leituras gerais. Graças a isso, sua passagem pelo cárcere foi profícua. Àquela altura, ele já publicara Principia Mathematica, que sabia ser obra de poucos leitores. Por isso, sua meta era esmiuçá-la, pois "se novos filósofos o compreendessem, enfrentariam os problemas filosóficos de maneira muito mais profícua do que costumavam fazer". Decorre daí que decidiu escrever dois livros: o primeiro seria um "prelúdio aos Principia"; o segundo, uma reelaboração meticulosa de "A filosofia do atomismo lógico". Saiu da prisão com o famoso Introdução à filosofia matemática pronto.
Russell foi laureado com o Nobel de Literatura em 1950, "em reconhecimento dos seus variados e significativos escritos, nos quais ele se bateu por ideais humanitários e pela liberdade do pensamento". Morreu em Penrhyndeudraeth aos 2.2.1970, de gripe.
Vale relatar um fato pitoresco de sua prisão. Ele mesmo o narrou em sua Autobiografia:

Fui muito confortado, ao chegar, pelo carcereiro no portão, que havia obtido informações sobre mim. Perguntou minha religião e respondi "agnóstico". Pediu-me que soletrasse a palavra e comentou, com um suspiro: "Bem, há muitas religiões, mas suponho que todas cultuam o mesmo Deus." Esse comentário me manteve de bom humor por cerca de uma semana.

Este texto destina-se apenas a aguçar a curiosidade em torno da vida e obra de Russell. As informações biográficas dele constantes foram colhidas na boa e velha Wikipedia. O restante foi retirado da apresentação escrita por John G. Slater, da Universidade de Toronto, para Introdução à filosofia matemática (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007).
Em 2008, um escritor (Apostolos Doxiadis), um professor universitário (Christos Papadimitriou) e um desenhista (Alecos Papadatos) se reuniram para contar a vida de Russel em uma graphic novel, um projeto interessantíssimo que a Martins Fontes publicou no Brasil em 2010. Comprei-o para presentear minha esposa, que é professora de Lógica, mas também li e achei muito instigante. Vale a pena conferir.
Site oficial do livro: http://www.logicomix.com/en/

Esta postagem foi modificada em 26.9.2011, para acrescentar a alusão a Logicomix.

sábado, 18 de agosto de 2007

Vai perder essa?

Do Repórter Diário de hoje:
Aroma e beleza
Um programa para os sentidos. Quem visitar o parque do Museu Goeldi, neste final de semana, vai apreciar o aroma e a beleza de várias espécies de plantas que estão em pleno período de floração, entre elas o mogno (Swietenia macrophylla), o paricá-da-várzea (Pithecellobium niopoides), a samaumeira (Ceiba pentandra), o freijó (Cordia goeldiana) e o cacauí (Theobroma speciosum). É uma homenagem da natureza ao aniversário do Museu, que está completando 112 anos de existência.
Fiquei morrendo de vontade de conferir.