Brasileiro é fanático por leis, como se dependesse delas para ser correto, honesto, útil, etc. Nos meios jurídicos, evidentemente, esse vício atinge o seu ápice. Como professor, observo o fenômeno quando explico certas temas e algum aluno me pergunta "onde isso está escrito?". Não é culpa do aluno, mas da sociedade como um todo. Somos induzidos o tempo inteiro a pensar em regras escritas, quando as mais importantes superam e antecedem as leis, pois deveriam estar inscritas nas mentes, nos corações e na ética de cada indivíduo. Justamente por isso, talvez, sejam encaradas com tanta desconfiança.
Mas o Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul acabou de dar uma grande demonstração de como o Direito deve ser interpretado à luz dos princípios. Apreciando um habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União, aquela corte prorrogou por mais 180 dias a permanência, em território nacional, de um casal de bolivianos e de sua filha, que se encontra em Porto Alegre fazendo tratamento de saúde após um transplante de rim. A família veio para o Brasil em 2005, com vista de turista, já vencido, após se convencerem de que na Bolívia não haviam alternativas de tratamento para a menina.
O Ministério Público Federal sustentou que a situação dos estrangeiros deve ser analisada de acordo com o princípio constitucional do direito à vida. Acatando a tese, a sentença ponderou que "a permanência dos estrangeiros no território nacional revela-se como um dos únicos meios disponíveis, senão o único, para garantir à menor o direito à vida", o que os levou a sinalizar que a família poderá permanecer no país até o completo restabelecimento da paciente.
Mas bastava ser um pouco legalista e o desfecho da história poderia ser outro. Segundo a nossa legislação, o casal teria que deixar o Brasil e, de fora, solicitar um novo visto. Mera burocracia, pois dificilmente o pedido seria negado. O problema é que a criança, hipertensa, não poderia interromper seu tratamento durante alguns dias. Assim, prevalecendo o bom senso e a humanidade, garantiu-se dignidade a três pessoas e, quem sabe, preservou-se uma vida.
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