quinta-feira, 19 de julho de 2007

Acidentes aéreos

Ontem, uma pessoa importante me pediu que escrevesse sobre o acidente do voo JJ 3054, da TAM. Fiquei satisfeito por ver alguém interessado na minha opinião mas, lamentavelmente, ainda não poderei atender ao pedido. O motivo: tenho um certo bloqueio para falar de temas sobre os quais todo mundo está falando. São tantas as abordagens, que eu mesmo fico sem saber ao certo por onde começar. Além disso, tudo ainda está muito recente e as informações vêm chegando aos poucos, recomendando alguma cautela. E é justamente sobre cautela que gostaria de fazer uma pequena divagação.
Dez meses atrás, quando caiu o avião da Gol, gritou-se pelo país afora: o jatinho Legacy colidiu com o Boeing. Como o transponder do jatinho estava desligado, a culpa do acidente foi dos pilotos estrangeiros. Apimente-se isso com uma boa dose de xenofobia, instalou-se um clima de beligerância. Mais tarde, foi aventada a falha de alguns controladores de vôo do CINDACTA-1, em Brasília — que, de fato, acabaram formalmente acusados no relatório da CPI. Por fim, a questão evoluiu para algo muito maior, cuja responsabilidade não pode ser atribuída aos pilotos estrangeiros nem aos controladores de voo: a deficiente infraestrutura para o controle de voo no Brasil, passando por softwares desafados, equipamentos antigos, pouco pessoal, jornada excessiva de trabalho, etc.
Hoje, estas questões, surgidas por último, são o fator mais importante para o caos aéreo que se instalou desde aquela época.
Cai o avião da TAM. Um país esgotado pelas dificuldades e pela humilhação nos aeroportos, sequioso de vingança contra o governo, grita imediatamente: a pista novíssima do aeroporto de Congonhas ainda não dispõe de grooving, sendo essa a causa do acidente, tomando-se como reforço o fato de terem ocorrido várias derrapagens recentes. Ontem à noite, contudo, imagens da INFRAERO mostram que o avião tocou a pista com excesso de velocidade. Fica estabelecida a dúvida razoável: teria havido falha humana?
Sabemos que é improvável um acidente aéreo, mormente de grandes dimensões, possuir uma causa única. Clique aqui para ler um texto bem interessante a respeito. Os fatores provavelmente se somaram e a falta do grooving ainda será declarada, estou certo, como uma das causas reais da tragédia. Mas sendo idônea, terá sido suficiente? Será que, mesmo sem grooving e com pista molhada, a aeronave teria conseguido frear se o pouso tivesse ocorrido com a velocidade correta? Terá havido uma falha mecânica, a comprometer a frenagem?
Nenhum brasileiro agüenta mais escutar esse discurso-Lula de temos-que-apurar-pois-não-podemos-culpar-ninguém-sem-provas. Eu também estou cansado disso. Todavia, ele é verdadeiro. Se abstrairmos o fato de que o seu uso, há anos, tem sido apenas para proteger os maiores safardanas da nação; se lembrarmos que ele é uma conquista da civilização para proteger o cidadão comum — você e eu — do arbítrio do Estado, lembrar-nos-emos da necessidade de cautela. Não podemos, hoje, dizer o que derrubou o avião da TAM. Ainda precisamos ter paciência, nesse particular. Para somente depois, com as certezas, exigir o que for necessário.
Já cansado, também, de atirar pedras nos governos, pergunto-me o que nós, cidadãos, estamos dispostos a fazer para mudar esse estado de coisas. E não falo apenas em votar melhor, hipótese sempre lembrada e de difícil concretização, mas em botar a mão na charrua e fazermos alguma coisa concreta, como cidadãos verdadeiramente membros de uma pólis. Mais do que votos, que sempre podem ser traídos, é a efetiva ação dos interessados que pode acender alguma luz para o nosso futuro.
Você — acha que pode fazer o quê?

5 comentários:

Aldrin Leal disse...

Yudice,

Escreva quando ninguém mais estiver falando. Funciona bem :)

Frederico Guerreiro disse...

A única coisa que podemos fazer é expressar a nossa revolta por tamanho descaso com vidas humanas.

Yúdice Andrade disse...

Deve funcionar, Aldrin. Acredito que, no silêncio geral, consigo pensar melhor no que dizer sobre os diversos assuntos.
De fato, Fred, esse é o sentimento mais intenso em cada um de nós. Mas apenas porque já se arraigou em nós a revolta devido à crise aérea. Mas especulemos (por favor, é apenas uma especulação) que o acidente com o vôo JJ 3054 tenha causas exclusivamente mecânicas e/ou humanas. Que ele teria acontecido por mais perfeito que fosse o aeroporto de Congonhas e o controle aéreo brasileiro. Será que saberemos, ainda assim, dar caminhos justos à nossa indignação?

Anônimo disse...

Comentários: como começar, quando várias idéias surgem aos borbotões, e ao mesmo tempo, na prática, não resolvem nada?
Para mim, com a devida venia, apenas culpo uma pessoa, ou cargo, pelo problema: o Presidente da República, seja ele quem for, ou a criatura alocada no momento. O mandatário da nação é a peça chave do jogo de xadrez reinante no caos aéreo nacional. Nele residem as ações norteadoras das entidades estatais de regulação da malha aérea, todas, sem exceção. POdemos culpar falhas de terceiros que prejudicam as tomadas de decisões sim, porém, passados 10 meses do início do caos quais as decisões tomadas? POde-se recorrer a culpa ao mandatário anterior, que inciou a construção dos aero-shoppings atuais, mas vão-se 5 anos da atual administração, tempo suficiente para ver os erros e acertos dos atos tomados e executados.
POdemos culpar as cias aéreas pelo excesso de ganância ao vender bilhetes contando com a incompetêncioa do governo em vigiarrr as transações etc, mas repito, o poder executivo possui a maior parcela de culpa, seja ela qual for. O que podemos fazer: não viajar mais de avião, e ir por via terrestre? Falta de senso total. esbravejar com os funcionários? Também não é a saída. Botar todos os advogados processualistas na rua, requerendo reparaçção pelos danos e esquecendo as causas objetivadoras das ~ções judiciais? é ganhar dinheiro com o trágico alheio. Podemos fazer algo? Sim, podemos. Temos os meios possíveis, mas falta algo para concretizar tal, algo que não temops e não teremos mais, pelo menos em nosso país: respeito pelo próximo, atitudes morais e ética, que não existem em nosso meio. Nosso sentido de revolta é escamoteado para culpar os governantes, escolhendo outros para fazer (ou não) a mesma coisa: nada. Ou resgatamos nossos brios de civismo, moralidade e ética e impomos mudanças nas esferas do poder (as 4, pois incluo o MP como esfera de poder e influência), ou vamos continuar vivendo sob a choldra de políticos imcoimpetentes, corruptíveis, e administração tacanha, e culpar o destino pelas efemérides da vida.
saudações a quem ler estas palavras de tristeza com esse país varonil (ops: com as pessoas, não com o país em si).

Yúdice Andrade disse...

Caríssimo Marcelo, que alegria te ter novamente aqui no blog, contribuindo com as idéias aqui expostas. É muito bom ter o concurso de um sujeito antenado. Abraços.