terça-feira, 31 de julho de 2007

Amamentação em presídios

A polêmica do dia parece estar relacionada à decisão do juiz das execuções penais de Pernambuco, que proibiu a presença de crianças nos estabelecimentos prisionais, devido ao consumo de drogas por parte das detentas.

Para variar, a questão é bastante difícil. O maior problema, neste primeiro momento, está centrado na interferência que a medida traz à necessidade de amamentação dos filhos de presidiárias. Ampliando o foco, contudo, observa-se que a medida também compromete a finalidade ressocializadora preconizada para a sanção criminal (e uma de suas maiores falácias). Há depoimentos de mulheres que dizem ver no filho o maior estímulo para deixarem o presídio e o crime, argumento por sinal plausível. Agora, privadas de seus bebês, corre-se o risco de um reforço negativo.

Ampliando ainda mais, lembra-se o princípio da intranscendência da pena, que não pode atingir além da pessoa do criminoso. Todavia, ao se proibir o ingresso de crianças nos presídios, e portanto inviabilizar a amamentação, também essas crianças acabam punidas pelos delitos de suas mães. Afinal, alimentar-se exclusivamente de leite materno até os seis meses é uma recomendação da Organização Mundial de Saúde, fator importantíssimo para o adequado desenvolvimento da criança. Sabemos que se trata de uma condição ideal, frequentemente não obtida por mulheres livres. Seja com for, constitui um direito da criança que, claro, não cometeu crime algum e por isso não poderia ser punida.

O Código Penal determina que "as mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio, observando-se os deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal" e que "o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade" (arts. 37 e 38).

As Regras Mínimas para o Tratamento de Presos, da Organização das Nações Unidas, foram albergadas no Brasil por meio da Resolução n. 14, de 11.11.1994, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Está previsto que "Serão asseguradas condições para que a presa possa permanecer com seus filhos durante o período de amamentação dos mesmos" (art. 7º, § 2º).

Até aqui, a decisão judicial parece incorreta. Todavia, não podemos ser simplistas. Se as mulheres consomem drogas, amamentar pode se tornar uma ameaça aos bebês, de modo que a medida, por pior que seja, pode acabar sendo útil aos interesses de saúde daqueles. Foram relatados casos de mulheres que seguram o bebê com um braço e o cigarro de crack com a mão livre. A ameaça não está apenas na eventual contaminação do leite, mas na violência que pode ser cometida por pessoas "chapadas", ou então pela posse do entorpecente.

Falar é fácil. As autoridades devem eliminar a droga dos presídios e assegurar a convivência entre as mães e seus filhos num ambiente hígido e seguro. Simples assim. Mas como este mundo não é perfeito, medidas emergenciais e enérgicas precisam ser tomadas, com senso de realidade e não discursos bonitinhos.

Sinceramente, no dia de hoje, não sei dizer se o juiz errou ou não. Ajudem-me a refletir sobre o assunto, a fim de formar melhor juízo a respeito.

2 comentários:

Vladimir Koenig disse...

Caro Yúdice Randol,
esse é um exemplo de decisão que ataca a febre mas não atinge a infecção. Alguém pode me dizer o que as drogas faziam dentro da cadeia? É óbvio que a medida pode ser salutar como forma de solucionar de imediato um problema (para os infantes). Contudo, não passa de paliativo. O problema principal é a existência de drogas dentro das cadeias (e o seu consumo pelo presos) e não a amamentação em situação de risco para as crianças. Esta última é conseqüência da primeira. Por isso, se a medida acabar por aqui acho-a incorreta. Se for apenas uma solução temporária enquanto se resolve o problema verdadeiro acho válido. Como sou uma pessoa dificilmente iludível pelo Estado brasileiro, não tenho a menor dúvida que foi uma medida apenas para apaziguar as crises de consciência do juiz, mas sem nenhum intuito de efetivamente solucionar o problema das drogas dentro das cadeias. Abraços, Vladimir.

Yúdice Andrade disse...

Olá, Vladimir. Não tinha pensado sob essa ótica da crise de consciência, mas me parece uma hipótese plausível. Grato pela colaboração e abraços.