Anos atrás, eu e um grupo de amigos queridos éramos voluntários no Hospital Ophir Loyola. Todos os domingos, à tarde, visitávamos o setor de oncologia pediátrica para fazer atividades de recreação com os pacientes e seus familiares. A perspectiva era, simplesmente, dar algum alento a pessoas em situação tão adversa. Não tínhamos uma atuação assistencial direta e, naquela época, já vai mais de uma década, também não existia a AVAO, portanto a condição dos doentes e famílias era bem mais difícil.
Lidar com aquele infortúnio nunca foi fácil para nós, mas tínhamos um papel a cumprir. Se íamos levar alegria, dávamos o nosso melhor, ainda que frequentemente o coração apertasse. Jovens e inexperientes, cometíamos os nossos erros, claro. Como em certa tarde, para a qual havíamos programado um pouco de cantoria. A atividade havia sido decidida em uma de nossas reuniões periódicas, então chegamos e a cumprimos. Mas ao deixarmos a enfermaria já tínhamos detectado a nossa falha. Naquele dia, uma criança passava muito mal e sua mãe, mortificada, velava-lhe a cabeceira. De onde estava, muda e encolhida, lançava de vez em quando um olhar sobre a nossa festinha.
Chegamos à conclusão de que, querendo ou não, tripudiáramos do sofrimento daquela mãe. O que lhe terá passado pela cabeça, naqueles momentos já tão próximos da partida de seu filho? Terá se sentido ofendida ou até abandonada? Não me lembro de alguém ter-lhe feito um pouco de companhia. Envergonhados, prometemos tomar cuidado para nunca mais realizar qualquer atividade que pudesse denotar indiferença ao sofrimento de alguém naquela enfermaria.
Lembrei-me desse episódio hoje, confrontando os dois temas mais evidentes na mídia brasileira há dois dias: o Pan e o acidente da TAM, sendo que este desbancou o primeiro em importância desde o primeiro momento. Será que os nossos jornalistas estão enfrentando um dilema semelhante ao do meu pequeno grupo de voluntários? Será que desejam fazer a alegria dos brasileiros noticiando as conquistas esportivas mas se sentem tolhidos? Será que comemorar as vitórias do Pan pode ser interpretado como desrespeito às vítimas, suas famílias e, de um modo geral, às pessoas que estão mais profundamente feridas pela tragédia? Como compatibilizar o interesse jornalístico de uma população tão grande?
Pessoalmente, já comecei a rejeitar as matérias sobre o acidente. Elas estão muito focadas em especulações sobre as causas ou em ressaltar o sofrimento das famílias. Quanto ao primeiro aspecto, somos forçados a esperar. Quanto ao segundo, não considero muito bom exibir tanta dor. Sabemos que ela existe, portanto não precisamos repetir a todo momento as cenas de grito, choro, desabafo. Isso maltrata a sensibilidade do público e não traz nenhuma utilidade concreta (suponho).
Assim, sem querer ser alienado e muito menos leviano, gostaria de mais conquistas no Pan. E que elas tivessem destaque. Tanto se propala que o esporte é uma das poucas alegrias do brasileiro, então que continue sendo.
Meus respeitos e homenagens aos envolvidos num e noutro evento.
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