quinta-feira, 12 de julho de 2007

STJ autoriza abortamento por risco de morte da gestante

Com risco de perder a vida e grávida de criança portadora de encefalocele occital e rins policísticos (Síndrome de Meckel-Gruber), R. R. dos S. pode interromper a gestação. O direito lhe foi garantido pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Raphael de Barros Monteiro Filho. A defensoria pública do Rio Grande do Sul apresentou habeas-corpus ao STJ em favor da gestante. Segundo afirma, além da letalidade confirmada da doença do feto – encefalocele occipital (hérnia no cérebro), rins policísticos e polidactilia, características da Síndrome de Meckel-Gruber, patologia que não permite a sobrevivência –, a saúde da gestante também corre sérios riscos. Os diagnósticos que atestam a situação, afirma, foram feitos pelos médicos que a acompanham no Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Esses profissionais teriam se colocado à disposição para fazer a interrupção terapêutica da gestação.
O pedido, contudo, foi indeferido nas duas instâncias. Os magistrados gaúchos concluíram pela impossibilidade jurídica do pedido. Diante disso, outro pedido, dessa vez no STJ, foi apresentado pela Defensoria. Cita, para dar suporte ao pedido, decisão do ministro Arnaldo Esteves Lima, que, apesar de não ter sido feita a interrupção devido ao fato de a gestação estar no final, se manifesta favoravelmente a interromper a gestação nesses casos. Além disso, no caso em questão, a gravidez se encontra na 26ª semana.
Ao apreciar o pedido, o ministro Barros Monteiro reconheceu ser plausível o pedido e o perigo da demora (fumus boni iuris e periculum in mora), o que justifica a concessão da liminar. Ele destaca o fato de haver comprovação da doença do feto e também da ameaça à saúde da mãe. Neste último caso, sendo descrita a possibilidade de ocorre acúmulo de líquido amniótico que leva à sobredistensão uterina que pode chegar a falta de respiração (dispnéia), ruptura uterina, hemorragia, com o aumento do risco em outras gestações ou da realização de histerectomia (retirada do útero). O ministro levou em consideração parecer da procuradora de justiça no qual se afirma que o prognóstico dessa doença é de óbito em horas ou dias após o parto.
“O legislador ordinário, ao tratar das causas de exclusão de ilicitude, apenas tratou do aborto necessário – único meio de salvar a vida da gestante –, e do aborto sentimental, em que a gravidez é resultante de estupro. Nota-se que nesses dois casos o legislador procurou proteger a saúde física e psicológica da mãe, em detrimento da vida plenamente viável e saudável do feto fora do útero”, afirma o presidente do STJ. “Certamente – conclui – não houve, àquela época, a preocupação de proteger juridicamente a interrupção de gravidez de feto que não terá sobrevivência extra-uterina, por incapacidade científica de identificação de patologias desta natureza, durante a gestação”.
O ministro Barros Monteiro destaca a decisão do ministro Arnaldo Esteves Lima, segundo a qual “diante de uma gestação de feto portador de anomalia incompatível com a vida extra-uterina, como no caso dos autos, a indução antecipada do parto não atinge o bem juridicamente tutelado, uma vez que a morte desse feto é inevitável, em decorrência da própria patologia”.
A decisão leva em consideração o fato de que a própria junta médica que acompanha a gestante se propôs a fazer a intervenção cirúrgica e garante que a segurança da técnica e a experiência nesse tipo de procedimento, além de ter destacado que a mãe já perdeu outro bebê com esta mesma doença. A criança sobreviveu por apenas meia hora.
O presidente do STJ ressalte-se, ainda, que não se trata de eliminação de feto indesejado pelos pais. “Deixando de lado toda a discussão religiosa ou filosófica, e também opiniões pessoais, a questão toda gira em torno da inviabilidade de vida do feto fora do útero materno e de proteção à saúde física e psicológica da mãe, bem jurídico este também tutelado pelo legislador constitucional e ordinário, no próprio artigo 128, inciso I, do Código Penal, que não pode ser menosprezado pelo Poder Judiciário”, conclui.


Corretíssimo o Ministro Barros Monteiro, principalmente quando delimita a questão que deve ser decidida: o Judiciário decide questões acerca de bens jurídicos, não religiões, filosofias ou subjetividades. É essa percepção que ainda falta a muita gente, especialmente nos setores religiosos, que andam se metendo cada vez mais onde não foram chamados.
Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=84553

3 comentários:

Unknown disse...

Andam se metendo cada vez mais na tentativa de encolher menos, essa cambada de tementes.
Abs

Polyana disse...

Acho que a palavra subjetividade aqui poderia ser repensada... o direito não é subjetivo?

Yúdice Andrade disse...

Mestre Juvêncio, quanta honra ser lido em meio a suas férias! Espero que esteja aproveitando, mas tenho certeza de que sim.

Polyana, meu amor, a palavra "subjetividade", nesse contexto, segundo entendi do pensamento do ministro (e quis eu expressar), significa uma opinião estritamente pessoal, e não uma tentativa de interpretar os fatos ou o Direito de modo mais generalizado. O Direito é inevitavelmente subjetivo, mas funciona a partir de conceitos que se pretendem amplos. Para dar um exemplo simplório, o que significa "honra"? Cada um entende de um jeito, mas o jurista adota um referencial genérico para tomar suas decisões.