domingo, 15 de julho de 2007

Latinório

Todo mundo sabe que o Direito é recheado de expressões latinas. É data venia para cá, de cujus para lá, ad argumentandum pelo meio, mutatis mutandis para comparar, sine qua non para o que é importante e et cetera — que, por sinal, também é latim.
Se nos aprofundarmos, chegaremos ao animus rem sibi habendi, ao sui cuique tribuere, às actiones liberae in causa, ao ad perpetuam rei memoriam e sabe-se lá o que mais. Já houve aulas minhas em que percebi alunos incomodados com as latinidades, o que me leva a sempre ressaltar que algumas expressões nós devemos conhecer, por serem consagradas.
Sabendo da fama arrogante que o universo jurídico possui, certamente fomentada também pelo uso frequente de um idioma morto, eu me pergunto com serena humildade por que diabos o Papa Bento XVI quer tanto ver as missas rezadas novamente em latim. Qual o propósito disso? Mais: qual a utilidade?
Pessoalmente, adoro latim e lamento que, décadas atrás, na desconstrução da educação brasileira, ele tenha sido abolido dos currículos escolares. Eu o estudaria com prazer, hoje inclusive. O fato inegável é que, numa terra em que o povo mal fala a língua mãe, o retorno do latim às celebrações tenderá a aumentar o distanciamento do brasileiro comum, simplório e de pouca instrução, das igrejas. Medida perigosa, considerando a evasão de fieis católicos para as legendas evangélicas, que sempre se destacaram pelo trato mais pessoal e próximo com a sua clientela — ao contrário dos católicos, que mantinham seus padres de costas para a assembleia, rezando orações que poucos entendiam.
A par de ser injustificável, considero essa medida um tiro no pé. Enquanto os padres estiverem exercitando os seus misereres, os pastores estarão falando, no português das ruas, do que fazer para arrumar um emprego, pagar uma dívida ou curar uma doença — você, que não tem dinheiro para pagar plano de saúde e só dispõe de Jesus por médico. Estou curioso para ver no que isso vai dar. Curioso, também, para ver que explicações os religiosos darão para esse capricho do papa que, segundo o dogma, é infalível e, portanto, não falhou ao tomar essa decisão.
De minha parte, só tenho uma certeza: se um adulto falar com uma criança em linguagem de adulto, ela não entenderá. Se eu, nas minhas aulas, falar com calouros do jeito que falo com colegas de profissão, eles não entenderão. Parece-me de uma clareza solar que missa em latim não será absorvida pelo público como seria em português. Alguém vai perder com isso. Graças a Deus, não serei eu.

3 comentários:

Aldrin Leal disse...

Yudice,

Lendo a história inteira talvez faça sentido: Em suma, a culpa é do segundo concílio, o que deixou alguma facção irritada (a mais famosa é a da família do Mel Gibson).

Aqui você compreende mais os motivos.

Unknown disse...

Professor, se for possível um dia me convide para assitir uma aula sua.
Abs e boa semana.

Yúdice Andrade disse...

O bom filho à casa torna, Aldrin. Bem vindo. No mais, compreendo a idéia de retornar às tradições católicas, mas continuo sem entender em que a missa em latim, especificamente, seria tão importante.

Juvêncio, o convite está feito e as portas, abertas. Sugiro apenas que conversemos por e-mail sobre o melhor momento para a sua visita, pois existem aulas em que discuto temas grandiosos e outras em que os assuntos são burocráticos. E não vou te colocar no segundo grupo, claro. Perderia a oportunidade de receber as tuas contribuições em plena aula. Um abraço.