terça-feira, 26 de maio de 2009

O uso da força

O que diferencia as normas jurídicas das regras de outras naturezas é a possibilidade de terem sua autoridade assegurada pela força pública ou, como preferem alguns, pela violência oficial do Estado. Esta é uma informação recebida logo nos primeiros momentos do curso de Direito. Portanto, não deveria impressionar ninguém que, na retaguarda do cumprimento de todo e qualquer ato da autoridade pública, em caso de resistência, as forças de segurança sejam convocadas. E uma vez que entrem em ação, elas poderão agir na medida da estrita necessidade. Logo, cassetetes, spray de pimenta, cães, tasers, algemas e, nos casos mais graves, armas letais poderão eventualmente ser empregadas para conter distúrbios. Assim é no mundo inteiro, com mais ou menos preparo dos agentes públicos e credibilidade das instituições.
Os manifestantes de um modo geral estão plenamente cientes disso. Tanto é verdade que, nos últimos anos, tornou-se rotina colocar pessoas mais frágeis em meio às manifestações, notadamente crianças. Se a polícia vai cumprir um mandado de reintegração de posse contra o MST, as crianças, nos colos de suas mães ou no chão, estão bem na linha de frente. É a covarde estratégia para segurar a força pública. Não há nenhuma garantia de que elas sairão ilesas, mas se alguma for ferida ficará mais fácil permanecer no local, angariar simpatias, obter indenizações. A meu ver, trata-se da utilização deliberada de inocentes como uma espécie de antiarma, em meio ao conflito. Uma violência inaceitável. Mas é fácil atrair ódios em relação ao MST. O que dizer, porém, dos manifestantes urbanos? Estudantes, perueiros, trabalhadores, sindicalistas ou moradores do BASA?
A imprensa e o deputado estadual Carlos Bordalo (que por sinal reproduziu o veemente texto do seu blog aqui no Arbítrio, na caixa de comentários de minha postagem sobre a abertura do Conjunto do BASA) enfatizaram que 60% dos moradores daquele residencial são crianças e idosos, daí decorrendo que a ação da polícia teria sido excessiva e por isso ilegal.
Não digo que a ação não tenha sido excessiva. Aliás, sendo as polícias brasileiras como são, já partimos do pressuposto de que houve abuso (estereótipo que por vezes se torna uma injustiça com nossos policiais). Contudo, volto à premissa da postagem: se os adultos do BASA se dispuseram a enfrentar a força policial, não deveriam ter resguardado seus idosos e infantes? Não deveriam tê-los mantido dentro de suas casas? Alegar que não sabiam o que podiam esperar, em termos de força bruta, seria um argumento ridículo, ainda mais considerando que, no caso específico, os manifestantes têm maior nível de instrução o conjunto é de classe média e seus habitantes têm acesso a uma vasta gama das comodidades que a vida moderna proporciona.
Obviamente, não se pode perder o bom senso. Não é porque está legitimada a usar a força que a polícia vai partir para a porrada. As boas polícias do mundo são treinadas para dissolver conflitos através de uma violência mais simbólica do que real. Aquela coisa de um batalhão com homens vestindo preto, gritando ameaçadoramente em uníssono enquanto batem seus cassetetes contra escudos, avançando de forma cadenciada contra a população, que recua. Mas em um planeta de violência crescente, essa antiga estratégia tem sido repensada. O brasileiro Jean Charles Menezes é um trágico exemplo de que mesmo uma das polícias tidas por mais honestas, eficientes e não violentas do mundo, a Scotland Yard, agora perde as estribeiras e fuzila inocentes, sem chance de defesa.
Daí se chega à conclusão de que todo e qualquer manifestante, antes de sair para a rua, deveria pensar nas implicações do seu gesto. Eu, se quisesse protestar ou reagir contra algo, preocupar-me-ia com isso, sem dúvida. Porque essa é uma seara em que agir depois da cara arrombada pode não adiantar.
Em suma, se há conflito e crianças ou idosos presentes, mas sobretudo crianças (posto que os idosos têm autonomia ética para fazer suas escolhas), temos que nos perguntar até onde os manifestantes não quiseram isso, ou ao menos aquiesceram a isso, como estratégia de enfrentamento. Porque se uma única bomba de efeito moral for detonada, mesmo que não haja nenhum ferido, a matéria da capa do jornal estará garantida: "Polícia atira bombas contra velhinhos e crianças". Objetivo alcançado.
Além de ajudar a comprometer ainda mais a imagem das polícias, que deveriam ser nossas parceiras, isso não está escamoteando outras culpas?

PS Minha sugestão: quando quiserem protestar, que tal usar o expediente que esse japonês da foto utilizou (o fato é verídico)? Reparem como a polícia recua, horrorizada!

2 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Perfeito, Yúdice! Concordo plenamente.

Yúdice Andrade disse...

Valeu, Fred. Abraço.