Em 11 de julho último, duas adolescentes criaram a página "Diário de Classe" no Facebook, com o objetivo de denunciar problemas de toda ordem na escola pública em que estudam, em Florianópolis. Eram críticas sobre sujeira, banheiros fora de funcionamento, carteiras quebradas, portas sem maçaneta, fios desencapados, alimentação ruim e críticas diretas a professores, por faltas ou aulas ruins.
Como raros são os que aceitam críticas e a síndrome do pequeno poder grassa por toda parte, a iniciativa foi muito mal recebida. As estudantes começaram a ser hostilizadas por professores e funcionários da escola e uma delas logo pulou do barco. Mas Isadora decidiu manter a página sozinha, postando textos, fotografias e vídeos.
Em poucos dias, o número de fãs aumentou absurdamente e a novidade chegou ao conhecimento da imprensa comum. Pessoas de todo o Brasil e dos mais variados perfis começaram a elogiar Isadora, louvando seu senso de cidadania, sua proatividade e coragem. Com poucas semanas de existência, a página chegava a dezenas e dezenas de milhares de fãs (hoje são mais de 255 mil), de modo que a escola e a Prefeitura de Florianópolis não puderam mais fazer vista grossa. E precisaram dar um tempo nas retaliações. A secretária municipal de educação já saiu dizendo que a iniciativa era boa, que a menina merecia elogios e que a reforma da unidade começaria em alguns dias. De fato, a escola está sendo reformada. Isadora tem postado muitas fotos de consertos feitos e destaca que, quando há motivos para elogiar, elogia. Ultimamente, ela tem aprovado a alimentação servida.
Isadora teve a sua fase de conceder diversas entrevistas e precisou fornecer inúmeras explicações. Esclareceu que jamais teve a intenção de ofender a equipe da escola e que sua fúria se dirige aos políticos (estamos em campanha para as eleições municipais, lembre-se), que vivem falando de educação, mas nada fazem de concreto a respeito. Mas os ataques não pararam e foi preciso muita gestão de conflitos para atravessar essa fase. E quando se pensava que a situação ia melhorar, eis que uma professora de Língua Portuguesa registrou uma ocorrência policial, acusando a adolescente de crimes contra a honra. Ou melhor, de atos infracionais contra a honra.
Ontem, Isadora compareceu a uma delegacia, estranhando demais a situação (é claro), mas destacando ter sido bem tratada por todos. Felizmente. Procurada pela imprensa, a professora disse que não se manifestará sobre o caso. É melhor que não o faça, porque sua popularidade há de entrar em declínio acelerado.
Estou preocupado com Isadora. Afinal de contas, ela é apenas uma menina. Por mais madura, corajosa e aguerrida que seja, continua sendo uma menina. Terá estrutura emocional para suportar as agressões, a incompreensão, o levantamento de falsos e medidas punitivas mais severas? O amplo apoio atribuído ao "povo brasileiro" pode surtir algum efeito moral, mas não está presente na hora do sufoco.
Que tal uma menina de 13 anos recebendo um documento deste teor? Pelo visto, ninguém lembrou que menores de 18 anos são inimputáveis. |
4 comentários:
Yúdice, tenho um orgulho da Isadora como se ela fosse minha filha. Aliás, eu bem queria uma filha assim! Honesta, ética, solidária, determinada e corajosa.
Hoje mesmo ela fez uma postagem bem contundente (com o apoio do seu maravilhoso pai), informando que, segundo a Secretaria de Educação, a escola não teve direito a R$16 mil para manutenção e pequenos reparos porque não houve prestação de contas do recebido em 2011. Ela abre espaço para a Diretora explicar a razão da omissão e o destino do dinheiro. Pelo visto, ela não se intimidou com a visita à Delegacia.
Também me preocupo com as consequências emocionais de tanta "ousadia" (aos olhos do Poder; aos nossos, civilidade, simplesmente). É bom que continuemos a apoiá-la. Parece que ela tem uma família unida e corajosa, que também está determinada a protegê-la. Pode ser um estímulo para o surgimento de novas Isadoras. Seria lindo!
Ainda não sabia dessa história da prestação de contas, Luiza, mas ontem à noite dei uma olhada, lá pelo Facebook. Minha preocupação com essa menina só aumentou.
Uma coisa é falar de fechaduras quebradas e fios desencapados. Outra muito diferente é suscitar possível caso de improbidade administrativa ou até mesmo crime.
Isadora foi cautelosa ao tratar do assunto (nisso, imagino, deve ter sido influenciada pelo pai) e ainda pediu à diretora da escola que esclarecesse a comunidade escolar. Tudo muito republicano, mas inevitavelmente gera uma suspeição. E com esses malucos soltos pela Internet, já havia quase 2 mil comentários sobre a postagem, vários deles detonando os suspeitos.
O resultado disso é um prejuízo concreto à honra dos envolvidos, que no final pode estourar nas costas da adolescente. Por isso, tenho cada dia mais receio de a coisa sair ao controle e gerar danos severos e reais para uma menina tão no começo da vida.
Até agora ninguém percebeu que essa garota só quer aparecer!!! Pois é antiético expor os professores em redes sociais.
Pelo contrário, das 13h16, uma avalanche de pessoas já afirmou isso. Mas acredito que seja mais um dos incontáveis exemplos de como os brasileiros não têm consciência de cidadania - e ainda por cima sentem raiva de quem quer aprender a ter.
No mais, mesmo que a intenção precípua de Isadora seja "aparecer", ela acabou inspirando bons sentimentos nos seus milhares de seguidores, além de benefícios concretos à comunidade escolar. Portanto, ela foi útil de fato. Esse mérito não lhe pode ser negado.
No mais, sou professor e por isso digo: professor que não gosta de críticas é justamente aquele que fez por merecê-las.
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