terça-feira, 12 de agosto de 2008

Conversa de mães

Em algum momento da História, alguém inventou que as mães eram criaturas algo sobrenaturais, que exerciam uma função ou missão sacral. Aí veio a Igreja Católica e difundiu a ideia de Maria como a mãe de Deus, convidando cada mulher do mundo a ser sua coadjuvante, no papel santificado da maternidade. Colou. Séculos se passaram e, hoje, as pessoas parecem nascer condicionadas a crer que as mães são, nessa condição, algo místico e não, como de fato, simples mulheres, de carne e osso e mortais. Tanto que morrem, deixando para trás filhos sem chão.

Obviamente, podemos e devemos amar nossas mães pelo papel inigualável que exerceram e continuam exercendo em nossas vidas. Nas nossas, particulares; não exatamente na trajetória do mundo. Podemos considerá-las santas, se quisermos, e até tratá-las como tal. O problema é que todo esse clamor em torno da maternidade acaba gerando um preço altíssimo que quem paga são, justamente, as mães. Realmente, ser mãe é padecer.

Refiro-me à inteligente conclusão de que, sendo a maternidade uma condição santa; tendo as mulheres a obrigação de se equiparar a Maria, que suportou a visão do filho crucificado por ser o maior de todos os justos, as mães de nada podem queixar-se. Sofrem, esfalfam-se, anulam-se, dão a própria vida pelo filho, por mais ingrato que seja, e tudo isso deve ser encarado com a mais absoluta naturalidade. A mulher que se queixa de qualquer coisa feita em prol do filho não é uma boa mãe e, como corolário, também não é uma boa mulher e um bom ser humano.

Existe até uma estorieta, pra lá de ridícula, sobre um sujeito que se apaixonou por uma mulher muito má e esta, por perversidade, exigiu como prova do seu amor que ele lhe apresentasse o coração da própria mãe. O débil não hesita em matar a genitora e arrancar-lhe o coração. Depois, afogueado, corre para entregar a oferenda à amada. No meio da floresta, tropeça e cai. É quando se escuta uma voz amorosa vinda da caixa que transportava o coração: "Machucou-se, meu filho?" De vomitar.

O fato é que se exige tanta santidade das mulheres que, quando elas se tornam mães aqui na vidinha real, o resultado acaba muito mais assustador do que o esperado. A atenção incessante focada no bebê as estressa e cansa, física e mentalmente. A rotina se torna exaustiva. A incerteza sobre o que fazer nas horas de maior necessidade as aterroriza. A amamentação fere as mamas, gerando dor física. Eventuais e inevitáveis erros deixam as mulheres com sentimento de incapacidade e culpa. O afastamento das atividades sociais provoca isolamento, que deprime. Mas vá dizer, uma dessas mães, que está cansada; que preferia viver uma experiência mais leve; que sente falta de mais tempo para si mesma; que gostaria de ter algumas horas de lazer totalmente despreocupado. Coisas assim. Será execrada publicamente. E sabe o que é pior? As críticas mais violentas partirão de outras mulheres! Porque o mito da maternidade santa, que deve ser interpretado como dogma por cada ser vivente neste mundo, estará comprometido.

Antes que comecem a me jogar pedras por esta postagem, saiba que ela exprime o pensamento de mães jovens, cujos filhos são crianças pequenas, algumas com dias de vida, apenas. Mães que não foram advertidas dos verdadeiros custos emocionais de procriar. Mães que só escutam a verdade quando desabafam com alguém em situação semelhante e descobrem, nesse instante, que as suas dores são muito semelhantes às das outras mães, tão caladas quanto elas, temerosas de trair a tal missão divina.

É nessa troca de experiências que alcançam algum alento, alguma paz. Porque se redescobrem como o que de fato são: seres humanos atravessando uma experiência avassaladora. Donas dos direitos inalienáveis de errar, de ter medo e de receber apoio por isso.

Estou aprendendo com essas mulheres. A p(m)aternidade é uma experiência riquíssima até mesmo quando você fica apenas calado, escutando.

2 comentários:

caio disse...

olá de novo, professor!

vim comentar sobre a história mencionada. bem, creio que seria na verdade "Coração Materno", gravada pelo Caetano Veloso para o disco Tropicália. Aqui a letra: http://letras.terra.com.br/caetano-veloso/72711/

se ainda não conhece, procure ouvir. O arranjo (do falecido maestro Rogério Duprat) é o diferencial...

Yúdice Andrade disse...

Muito obrigado pela referência, Caio. Só me pergunto se a canção não seria baseada em uma estória mais antiga. Pode ser isso. Abraços.