quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Julgamento

Começamos a ver os efeitos práticos da Lei n. 11.689, de 2008, que alterou o rito do tribunal do júri. Ontem, foi realizado, aqui em Belém, mais um julgamento já sob a nova disciplina. O réu era Mário Tasso Serra Júnior (42) e o caso, bastante rumoroso, teve como vítima Nirvana Evangelista Cruz (22). Mais uma edição da mania que muitos homens têm de se considerar proprietários de suas namoradas, esposas, companheiras e afins. Longe de ser uma simples sociopatia pontual, é uma verdadeira tendência, já que casos como esse sempre foram e continuam sendo frequentes, não importando a idade, o nível social e de instrução dos agentes. Pelo visto, há muitos componentes sociais que reforçam essa insanidade.
O julgamento de ontem terminou como esperado, com uma condenação exemplar para o réu: 22 anos de reclusão, obviamente em regime fechado inicial. Em que pese o meu apreço pelo colega criminalista Jânio Siqueira, sou forçado a dizer que a tese de legítima defesa não era apenas inverossímil: era ridícula. Três tiros à queima roupa, todos em locais nobres, infirmam desde logo a tese, mesmo que eu não tivesse nenhum laudo pericial para examinar em detalhes. Outrossim, o que explicaria a vítima, de uma hora para outra, tornar-se uma assassina em potencial e apontar uma arma para o ex, se não possuía um histórico de violência ou agressividade? Por último, a alegação de não lembrar o que se passou no momento exato dos disparos, como se a consciência tivesse saído do sujeito, tende a ser mal recebida por qualquer ouvinte.
A atuação do defensor sempre é limitada pelos fatos. Quando estes são muito escabrosos, restam as teses estapafúrdias que, em geral, não colam.
O julgamento de ontem poderia ter demorado muito mais. Contudo, a recente alteração legislativa melhorou muito o funcionamento do júri, tirando as suas gorduras inúteis. Com menos espaço para manobras sem vergonha, os trabalhos duram menos tempo, reduzindo o esforço de todos os envolvidos e, em especial, o sofrimento das famílias que aguardam o desfecho.
A passos de cágado embriagado, o processo brasileiro vai melhorando.

4 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

A tese da defesa, realmente, ficou muito mal, principalmente para figura do próprio advogado. Este teria ajudado mais o próprio cliente se defendesse a incapacidade mental do réu, ou qualquer coisa para reduzir-lhe a pena, em vez de tentar convencer o júri da legítima defesa. E ainda permitiu o cliente ficar rindo, quase que debochando do tribunal, como se não soubesse que quem julga alí é o comum do povo, extremamente receptivo a demonstrações de pouco valor à vida alheia. Taí o resultado.

Yúdice Andrade disse...

A imagem, captada por um fotógrafo em dia de sorte, decerto ajuda a consolidar na sociedade a idéia de que a condenação foi mais do que justa. Devemos pensar, também, no complicado que é o exercício profissional para os advogados, que acabam sujeitos à execração sofrida por seus constituintes.

Anônimo disse...

O resultado do júri certamente vai dar azo à primeira polêmica da nova reforma da Lei 11.689/08: se é cabível ou não o protesto por novo júri, nos casos de processos iniciados antes de sua vigência. A doutrina (Rômulo Andrade Moreira e Luiz Flávio Gomes) já antecipa posicionamento favorável ao protesto, invocando tratar-se de nova processual de caráter material. Bom tema para seus debates acadêmicos.

Yúdice Andrade disse...

Caro promotor de justiça Aldo Saife, antes de mais nada, obrigado por dar atenção a este blog. Espero que lhe sirva ao menos como um lazer produtivo.
O assunto que nos traz é de fato muito interessante e decerto que acadêmicos à caça de um tema para o trabalho de conclusão de curso devem se interessar.
Pessoalmente, sou de opinião que a tese suscitada resulta da criatividade de advogados - o que afirmo sem nenhuma crítica, já que é a minha classe -, sequiosos de obter vantagens para seus constituintes, mesmo quando indevidas. Discordo dela. Afinal, o processo se iniciou antes da nova lei, mas o fato gerador de um eventual protesto por novo júri não é o processo em si, mas a condenação a pelo menos 20 anos, que era incerta e, concretamente, podia não acontecer.
"Lei processual de caráter material" é uma proposta instigante para debates acadêmicos. Suas conseqüências práticas é que, para a vida real, por ora me parecem muito oportunistas. Salvo melhor juízo.
Volte sempre.