terça-feira, 26 de agosto de 2008

Descobrindo a pólvora

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acabou de julgar um recurso e, nele, concluir que é abusiva e portanto ilegal a cláusula contratual, imposta pelas operadoras de telefonia celular, a respeito de tempo mínimo de fidelidade, sob pena de multa. Embora louvável a decisão — que chega com ares de novidade, a merecer uma notícia a respeito —, de se lamentar que chegue com tanto atraso, pois a abusividade da aludida cláusula é algo que salta aos olhos de qualquer jejuno.
A corte gaúcha entendeu que a disposição cria uma reserva de mercado para a operadora, estabelecendo uma relação de grande proveito para ela, em detrimento do consumidor. Ora, pois! E quem não sabe? Ainda mais se o cidadão estiver insatisfeito com os serviços que lhe são oferecidos.
Para minimizar os efeitos de suas malinagens, as empresas hoje condicionam as suas promoções a uma fidelização de pelo menos um ano. Pode-se até admitir que esta medida seja legalmente admissível, embora não seja essa a minha opinião. Afinal, ninguém é obrigado a vender aparelhos a preços simbólicos, muito menos ofertá-los gratuitamente. Se o cliente aceita a oferta em troca de uma fidelização, exercitou sua liberdade de escolha, mormente se for cliente novo e, portanto, livre de quaisquer embaraços que a empresa pudesse causar. É minha opinião, contudo, que as estratégias mercadológicas usadas por todas as empresas são construídas na maldade, para explorar brechas, atrair o consumidor e, somente ao final, abrir o jogo. Mesmo que a cláusula em si não fosse ilegal, a forma de captação do cliente foi imoral, o que já autoriza, a meu ver, a punição do fornecedor.
Vale lembrar que, há alguns anos, você só podia comprar um aparelho se habilitasse uma linha nova — o mais escandaloso caso de venda casada de que já fui vítima pessoalmente. Meu aparelho quebrou numa queda e, para adquirir outro, fui submetido a essa extorsão manifesta. Ministério Público fez alguma coisa? Nada. A prática acabou (ou foi mitigada) graças às leis do próprio mercado: o aumento da concorrência, pela chegada de novas operadoras.
Enfim, com atraso ou sem originalidade que seja, o precedente gaúcho é importante, ao menos para nos ajudar a redigir petições, quando for nossa vez de correr atrás de nossos direitos. Infelizmente, contudo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (justamente do qual os paraenses são jurisdicionados) entende o contrário e autoriza a cláusula em questão. Que lástima!
O argumento de que a fidelização serve para garantir o preço subsidiado do aparelho é simplesmente ridículo. Afinal, o custo do aparelho, para a operadora, é apenas uma módica fração do preço cobrado do cidadão comum, em qualquer loja. Aquela coisa de lucrar 300% em cima de um só item. Coisas de Brasil.

2 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

"O argumento de que a fidelização serve para garantir o preço subsidiado do aparelho é simplesmente ridículo". Perfeito, Yúdice. Agora imagine quando a operadora, que tem por lema "Viver Sem Fronteiras", sequer entrega o aparelho (não entregou!!!), faz cobrança mesmo sem a fruição do serviço, persegue durante meses o assinante para que pague as faturas e o ameça de cobrar judicialmente e acaba por incluir seu nome no SPC!?
No caso do meu cliente, entrei logo com uma ação no Juizado Especial do Consumidor e pedi indenização por dano moral e material, tudo muito bem comprovado e fundamentado; apesar da regra da inversão do ônus da prova.
Agora é aguardar a audiência de instrução em 2011, eu já como advogado do demandante.
Tomara até lá a operadora não feche as portas, justamente pela quantidade de ações judiciais a que responde por práticas abusivas ao consumidor.

Yúdice Andrade disse...

Pelo menos é um bom campo para novos advogados arregaçarem as mangas e aprenderem o serviço. Boa sorte!