sábado, 31 de março de 2012

Impossível no Brasil

Já que hoje estou a fim de comparar a consciência dos brasileiros com as de outros povos, então segue aqui um exemplo de algo absolutamente inimaginável no Brasil.

Não existe esquerda no poder. Só existe extrema direita na gestão dos recursos públicos.

A babaquice continua na ativa

Sem surpresa, vejo que ainda tem gente que se dá ao trabalho de comemorar o golpe militar de 1964. Sem surpresa, vejo de quem se trata. Eu ia escrever o quanto são ridículos e imorais, mas percebi quem era um dos mais engajados no projeto: Jair Bolsonaro. Creio que isso já diz muito sobre o perfil dos caras em questão.

Como um deles disse, "democracia é liberdade de manifestação". Então aqui está a minha.

Diferença de nível evolutivo

Na Inglaterra, uma mulher é atropelada e decapitada por um caminhão. Pessoas param a fim de fotografar e filmar o cadáver, publicando os registros no Twitter. A reação dos ingleses foi de indignação pela falta de humanidade.

No Brasil (ou mais especificamente em partes dele, como no Pará), as pessoas também parariam a fim de cometer a mesma sandice. A diferença é que, aqui, esse papel seria assumido pela própria imprensa, que publicaria as imagens grotescas com o máximo de estardalhaço e, se alguém se insurgisse, alegaria liberdade de imprensa, tacharia de censura, etc.

Eventualmente, uma ação judicial poderia impedir a publicação de tais monstruosidades. Mas o tempo passaria e, quando a poeira baixasse, os maus veículos de comunicação voltariam a publicar os horrores. E ninguém faria nada para impedir, mesmo havendo a tal decisão judicial.

Exagerei?

Liberdade e democracia

Aos canalhas que deturpam a história e celebram o "nosso passado de absurdos gloriosos", hoje só temos uma coisa a comemorar:

a liberdade!

quinta-feira, 29 de março de 2012

De quem é a vulgaridade?

Luiza Duarte Leão, comentarista da maior categoria, não concordou com as ideias que sustentei na postagem "Mulheres autoafirmadas de hoje". E formalizou sua contrariedade em um texto, como sempre lúcido e reflexivo, que você pode ler aqui.

Não é todo dia que discordamos com elegância e conteúdo. Aliás, como deixei registrado na caixa de comentários do blog da Luiza, o reproche me levou a encarar o tema sob um aspecto que simplesmente não passara pela minha cabeça antes.

Dei alguma razão a ela, mas persisto em minhas valorações.
Resulta daí que achei importante compartilhar a réplica. Quem sabe vocês nos ajudam a encontrar um denominador comum?

Manual para calouros de Direito da UFPR

Quando vi a manchete, mencionando um manual distribuído a calouros da Universidade Federal do Paraná, ditando obrigações sexuais para as calouras e provocando indignação entre os acadêmicos, imaginei algo verdadeiramente agressivo, uma verdadeira incitação a estupros e outros crimes. Contudo, ao me deparar com algumas recomendações do tal manual...



...percebo que ele não passa de uma enorme brincadeira de mau gosto, uma colossal babaquice, do tipo que poderia ser cometido por comediantes estendápticos ou apresentadores de programas popularescos de TV. Aliás, até menos do que isso. As piadinhas estúpidas estão na mesma linha dos e-mails de bobagens que sempre abarrotaram as nossas caixas de entrada e que hoje ganham novo fôlego com incontáveis republicações no Facebook.

Quando entrei na faculdade, as piadinhas sobre obrigações de dar já eram velhas. E, como todos sabem, piadas de cunho sexual costumam ser particularmente inclementes com as mulheres.

Admito que meu julgamento se restringe aos despautérios constantes de uma única página do tal manual (imagem acima), de modo que ele pode assumir ares mais graves no restante do conteúdo. Mas presumo que a matéria indicaria isso. Assim, devemos nos perguntar se a grosseria e a incivilidade devem mesmo ser levadas tão a sério assim.

Admito, também, que uma coisa é criticar um Danilo Gentili ou um Rafinha Bastos (personagens já lamentadas aqui no blog), que ganham dinheiro sobre seu peculiar senso de humor. Coisa diversa é a atuação de um bando de moleques tentando causar polêmica em meio acadêmico, onde reina a irreverência. Se houvesse incitação a violência, eu seria bem intolerante com eles. Como não parece haver, é o caso de adverti-los, como se adverte as crianças, e tocar a vida adiante. Dar todo esse cartaz pode ser pior.
Até eu já sou capaz de dizer que o mundo está ficando cada dia mais chato.

Acréscimo em 30.3.2012:
Leia aqui uma análise mais rigorosa do que a minha. Ainda que respeitando a divergência, considerei exagerados os exemplos que o autor citou para justificar sua posição. Piadas sobre más condutas sexuais não se equiparam a apologia de homicídio por preconceito. Mas leiam lá.

Genes não podem ser patenteados

A Suprema Corte dos EUA decidiu que os genes humanos não podem ser patenteados. A corte concordou com "legiões de cientistas — e pacientes com câncer — que empresas não podem patentear o que pertence à natureza e aos seres humanos", em ação movida pela União Americana das Liberdades Civis (ACLU – American Civil Liberties Union) contra a Myriad Genetics Inc, segundo noticiaram as publicações Popular Science e LifeNews, nesta terça-feira (27/3). (...)

Leia o restante da interessante matéria.

quarta-feira, 28 de março de 2012

O curioso crime sem criminoso

O Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503, de 1997), em sua redação original, previa como crime a ação de "conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem" (art. 306). O tipo penal foi considerado ruim, na medida em que exigia a comprovação de que o condutor ameaçava a integridade física e a vida de terceiros, mas interpretado a contrario sensu se percebia que o agente, mesmo embriagado, não incorreria em crime se dirigisse em aparente situação de respeito às normas de circulação. Ruim que fosse a tipicidade, ao menos se estava diante de um crime de perigo concreto, embora trouxesse dificuldades no que tange à prova da materialidade.

Aí veio a Lei n. 11.705, de 2008, tolamente chamada de "lei seca". Já expliquei aqui no blog que esta nomenclatura é estúpida porque a lei em apreço não proíbe ninguém de consumir álcool, e sim de conduzir veículos automotores após esse consumo. Por isso, sempre me referi a ela como "lei da alcoolemia zero". Pensando que fazia grande coisa, o legislador modificou a redação do tipo para isto: "Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência". A pena foi mantida em 6 meses a 3 anos de detenção, cumulada com multa e suspensão da habilitação ou proibição de obtê-la.

A nova redação não foi tão inteligente quanto se pensava. De um lado, não eliminou a imprecisão da prova de incapacidade do condutor, quando sob o efeito de outras substâncias psicoativas que determinem dependência. De outro, ao fixar um padrão mínimo de álcool na corrente sanguínea, introduziu uma exigência que, como qualquer neófito em Direito Penal sabe, precisaria ser atendida: demonstrar-se a efetiva concentração de álcool no sangue do suspeito, no momento da conduta. Afinal, caso estivesse com 5,5 decigramas da substância, incorreria numa infração administrativa (arts. 165 e 276), mas não em crime.

Cresceu, assim, a importância da dosagem de alcoolemia, que pode ser feita através de equipamentos específicos (os etilômetros, mais conhecidos como bafômetros) ou através de exame clínico. O legislador, nem tão alesado assim, percebeu ao menos isso e tentou uma saída pela tangente: inseriu, no art. 277, duas previsões matreiras:  "A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor" (§ 2º) e "Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo" (§ 3º).

Valeu a tentativa, mas no meio do caminho havia um Poder Judiciário e uma regra constitucional segundo a qual ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo, o famoso princípio nemo tenetur se detegere. Os advogados criminalistas foram rápidos em, muito pundonorosamente, demonstrar a inconstitucionalidade das novas regras do código e em recomendar aos condutores flagrados que se recusem a se submeter ao teste de alcoolemia por qualquer de suas formas.

E assim chegamos a 2012 com um impasse longe de solução. De um lado, o Supremo Tribunal Federal ratifica que o crime do art. 306 do CTB é de perigo abstrato, ou seja, existe crime mesmo sem a demonstração de que, no momento da conduta, o agente expunha a segurança de terceiros a algum perigo(1). De outro, o Superior Tribunal de Justiça insiste que a comprovação da materialidade delitiva exige confirmação por meio de teste clínico ou de etilômetro, não se admitindo outro meio de prova(2). Simplificando um pouco o juridiquês: existe o crime, mas na esmagadora maioria dos casos simplesmente não teremos como prová-lo, já que, na prática, tudo depende da colaboração do próprio suspeito.

A aplicação do princípio constitucional conduz a situações ainda mais delicadas. Suponha que o condutor estava tão absurdamente embriagado que mal compreenda o que lhe é dito. Assim, ele não se recusa a usar o bafômetro e suponha até que efetivamente use. Mas sua vontade estava comprometida pelo álcool e não se pode presumir que ele desejasse se incriminar. A defesa pode sustentar a ilicitude da prova.

Outra: suponha que o condutor embriagado se envolveu num acidente e se feriu. Atendido por paramédicos, foi possível colher uma amostra de sangue idônea para verificação da alcoolemia. A meu ver, trata-se de prova absolutamente perfeita. No entanto, meus caros colegas criminalistas discordam. Há quem afirme taxativamente que a prova somente seria válida se o indivíduo concordasse em ceder a amostra, ciente das implicações. Em suma, para onde se corra, é preciso que o delinquente queira ser punido. Do contrário, teremos uma nulidade. Tudo em nome da Constituição.

Sim, eu respeito a Constituição de 1988 e entendo a importância desses pruridos. Mas me pergunto até onde vamos na difícil equação de superestimar valores, por vezes abstratos, frente a necessidades concretas do cotidiano. Em outros países, a recusa ao teste de alcoolemia faz o condutor perder a habilitação na hora. Aqui, nem a medida administrativa pode ser imposta, por causa do contraditório e da ampla defesa.

Os leitores habituais do blog podem estranhar minhas palavras agora. Então esclareço, porque não quero ser nem parecer incoerente e muito menos estúpido quanto ao valor da Constituição. Sou contra o endurecimento das leis penais, como estratégia de combate à criminalidade. Mas sou a favor do endurecimento da legislação de trânsito, inclusive em seus aspectos criminais. E sempre uso este exemplo para mostrar o cinismo do brasileiro, que quer sanções absurdas e até a morte do ladrão, do homicida, etc. Porque não tem empatia com estes. Mas protesta com fúria incontrolável contra medidas moralizadoras do trânsito porque, afinal, qualquer um poderia ser atendido. É a eterna lógica de só pensar no próprio umbigo.
Aguardemos para saber quanto tempo mais levará até que esta celeuma se resolva.

(1) "HABEAS CORPUS. PENAL. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO TIPO PENAL POR TRATAR-SE DE CRIME DE PERIGO ABSTRATO. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I - A objetividade jurídica do delito tipificado na mencionada norma transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da proteção de todo corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança nas vias públicas. II - Mostra-se irrelevante, nesse contexto, indagar se o comportamento do agente atingiu, ou não, concretamente, o bem jurídico tutelado pela norma, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado. Precedente. III – No tipo penal sob análise, basta que se comprove que o acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem jurídico tutelado e, portanto, configurado o crime. IV – Por opção legislativa, não se faz necessária a prova do risco potencial de dano causado pela conduta do agente que dirige embriagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em tal previsão legal. V – Ordem denegada." (STF, 2ª Turma - HC 109269/MG - rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - j. 27/9/2011 - DJe-195 DIVULG 10-10-2011 PUBLIC 11-10-2011)

"Todo homem nasce original e morre plágio"


A frase acima foi dita por Millôr Fernandes, que morreu na data de hoje, aos 87 anos. Literato de escol, deixa órfãos escritores e leitores, sempre ávidos por suas ideias.

De sua pena saíram pérolas inesquecíveis, como "O Código Penal é a causa de todos os crimes!". Esta assertiva é cientificamente ratificada pela Criminologia Crítica, em nossos dias. Mas às vezes destilava um profundo senso de humanidade, como aqui:

"Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus."

Diremos a ele um adeus saudoso.

Frases de Millôr.

Cinema com responsabilidade social

A realidade das mulheres paquistanesas que tiveram seus rostos desfigurados com ácido, o mais das vezes por agressões dos próprios maridos, foi contatado no documentário em curtametragem Salvando a face, vencedor do Oscar da categoria em 2012.

Gostaria de ter a oportunidade de ver o documentário, o que será muito difícil por estas bandas. Se em São Paulo ele já aparece no circuito alternativo, por aqui as chances são nenhuma. Fiquei impressionado de saber que o Cine Estação exibirá, nas duas primeiras semanas de abril, de quinta a domingo, o filme iraniano A separação, também laureado com o Oscar neste ano, na categoria de melhor filme estrangeiro.

A recomendação do documentário se dá não apenas pelo meu interesse pessoal, mas também pelas postagens deste blog sobre a dura condição das mulheres no mundo atual. Caso alguém saiba da exibição da obra na TV por assinatura ou de uma opção em DVD, por favor avise.

terça-feira, 27 de março de 2012

Artistagem da grossa

A cada dia que passa, Júlia vai-se esmerando em sua capacidade de engendrar situações e de tentar — felizmente sem sucesso  nos manipular. Ontem, a pequenina subiu um degrau nessa escala.
Estavam apenas ela e Polyana em casa. Chegada a hora de dormir, já estavam as duas no quarto da primeira, que resistia muito ao sono. A certa altura, pediu água, pretexto que costuma usar para sair da cama e protelar o repouso. Faz isso porque no quarto do casal há um frigobar e, dentro dele, um copo com canudinho para a menina. Polyana estranhou, porém, a grande demora e, já irritada, chamou Júlia, que voltou com cara de quem tinha aprontado. A mãe pediu que ela contasse o que tinha feito e não se atrevesse a mentir. Júlia confessou:

Eu comi chocolate...

Explico: há chocolate no frigobar. Júlia pedira para comer, mais cedo, mas Polyana não deixou, por causa da hora do sono. Pois a molequinha tapeou a mãe e foi comer escondida!

Por ter falado a verdade, escapou do castigo, mas perdeu um privilégio: a mãe não se deitou com ela para fazê-la adormecer. Ficou ao lado da cama. O resultado foi quase meia hora de dramalhão, na qual Júlia mostrou que é mesmo descendente de certas pessoas da família. Choramingava coisas como "eu queria tanto um abraço!"; "eu adoro abraçar o meu papai e a minha mamãe!" e outras, mas a minha preferida foi "eu nunca mais vou ganhar um abraço na vida!!!"

Mais tarde, quando cheguei, Polyana ainda estava aborrecida ao me contar o ocorrido, mas eu tive que rir quando a história me foi contada em detalhes. Imaginei a cena. Tão cedo, Júlia já é uma artista. Não necessariamente no bom sentido. O azar dela é que os pais não caem no truque.

Iluminada

Em meio a muito trabalho e preocupações agudas, eis que me aparece aquele anjo de voz doce, que saca de sua lucidez as melhores palavras que eu podia escutar naquele momento. Após ouvi-la, realmente me senti melhor e revigorado.

É um privilégio contar com alguém assim, não?

domingo, 25 de março de 2012

Cadê o peixe?

Cidadão que possui três talhos no Mercado de Ferro do Ver-o-Peso (é permitido isso?) confidenciou a um amigo, e este me contou, que não se desse ao trabalho de procurar peixe por lá. Estão vendendo apenas uns peixinhos, tais como pequenas piramutabas, a preços proibitivos (entre 16 e 18 reais, o quilo). O motivo? Simples: esqueça a propaganda do governo do Estado; a produção paraense de pescado continua sendo exportada na maior cara dura. O refugo que fica por aqui vai a preços alarmantes.

Por minha conta, acrescento a retenção dolosa da mercadoria nas semanas anteriores à Semana Santa, quando então o pescado aparece de volta, no preço que os inocentes comerciantes quiserem impor. Graças a tudo isso, comer peixe se torna muito difícil para o paraense.

Deve ser porque aqui não tem rio...

A vida pede mais que um banco


E olha só quem financiava a plantação do rapaz! Desde 1861 investindo na realização dos sonhos dos brasileiros.

Vem pra Caixa você também, vem!

Atenção, chatos: deem uma olhada no marcador.

sábado, 24 de março de 2012

Mulheres autoafirmadas de hoje

Um dia, não me recordo por qual motivo, disse em sala de aula que as mulheres lutaram tanto para conquistar direitos e espaço na sociedade mas, hoje (naquele momento, porém a conjuntura não mudou após alguns anos), o único objetivo que parecem ter na vida é ser magras. Notei algumas feições femininas surpresas com o comentário, mas ninguém me contestou e, inclusive, havia olhares que me pareciam ratificar a premência dessa prioridade.

Perguntei-me se precisava mesmo fazer isso,
mas no fim decidi ocultar os mamilos
(por sinal minúsculos) da moça.
Quem quiser vê-los não terá o menor trabalho.
A imprensa do nada destacou, esta semana, o ensaio fotográfico da modelatriz Aryane Steinkopf para a revista Playboy. A moça exerce as altas funções de "panicat", o que já diz muito.

Duas pessoas que estavam ao meu lado no momento em que a matéria foi acessada fizeram comentários que me pareceram oportunos. A garota disse que, em se tratando "dessas mulheres", o mais difícil é vê-las com roupa.

Deveras, procede. Hoje, existe uma legião de mulheres que ganha a vida se expondo de toda forma, inclusive tirando a roupa em plena Avenida Paulista, num dia e horário de movimento.

Eu nem perguntarei o que uma feminista acharia disso, mas me pergunto o que uma mulher comum, que estuda, trabalha, tem seus planos, pensa desse carreirismo social explícito. Gerações lutaram pelo direito ao voto, ao estudo, à profissionalização, para que essas meninas de hoje estejam livres para lutar pela nudez, por escândalos públicos e, quem sabe, por um bom casamento ou ao menos por um filho com algum jogador de futebol imbecil porém milionário. Sintomático que a cidadã tenha dito que ficar nua na rua foi o "maior desafio" de sua vida. Porra, minha mãe teve que sustentar sozinha dois filhos e uma irmã, então não esperem condescendência de minha parte.

Acho triste o papel que essas moças cumprem na sociedade atual. E por livre escolha. Afinal, as gerações do passado lutaram, acima de tudo, pela liberdade, pelo direito ao próprio corpo, e foram sucedidas por criaturas que cedem o corpo para o consumo geral, sob variadas formas. Cristalizam o estigma da mulher-objeto. E retardam o dia em que os homens entenderão que uma mulher tem o direito de dizer não ao sexo.

O segundo comentário veio de um homem e criticou a padronização estética dos nossos dias. As mulheres hoje precisam ser louras (inclusive as que formam gangues), totalmente depiladas (ele e eu achamos isso horrível, além de ser uma ameaça à saúde íntima e um estímulo à pedofilia) e ter o corpo talhado em academia. Se há alguns anos já havia a massificação cultural (todo mundo se vestindo igual, dançando igual, fazendo os mesmos programas, etc.), hoje a massificação é também física, o que me deixa ainda mais assustado e inseguro quanto ao futuro.

99,99% dos homens que viram as fotos em questão pensaram apenas uma coisa: "que mulher gostosa!" "Se eu pegasse, faria isto, aquilo, etc." Mas eu lamentei, como aliás lamento todos os dias, os rumos que o nosso mundo tomou. Sim, eu achei a garota um espetáculo. Mas se um dia a minha filha tirasse uma foto dessas, eu me recolheria ao meu quarto e choraria. Não quero isso para ela e nem para a filha dos outros.
Mas elas mesmas querem (muitas, não quero generalizar). Fazer o quê?

Desembargo

Quem acompanha o blog sabe que eu não deixo passar (e os jornalistas devem me odiar por isso).

Já escrevi diversas postagens apontando erros absurdos da imprensa, que vão desde redações mal formuladas (lembram o caso do jacaré?) até os maiores atentados à Língua Portuguesa, como barbarismos vários. Mas um aspecto que sempre merece especial atenção é a capacidade dos jornalistas de corromper qualquer conhecimento especializado, distorcendo conceitos, nomenclaturas, regras e até mesmo informações factuais. Jesus Cristo, será que é tão difícil assim rever e checar o texto, antes de publicá-lo?!

O jornal Diário do Pará de hoje nos brindou com esta pérola da cultura jurídica: acabei de ser apresentado ao recurso de desembargo de declaração. Este, infelizmente, nenhum professor me ensinou na universidade. Bem se vê o quanto ando precisado de uma reciclagem! Felizmente, tenho meus colegas de docência para me ajudar.

Ao lado, a prova do ilícito.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Breve satisfação

Esta semana me impôs circunstâncias várias que acabaram por me afastar do blog, de um jeito como há muito não ocorria. E como sei que um blog sobrevive de constância, deixo-lhes ao menos esta breve explicação: não morri, não sofri um AVC, não fui preso, não fugi nem fui abduzido. Ainda estou por aqui.

Qualquer hora dessas o blog será atualizado. Abraços.

terça-feira, 20 de março de 2012

Indenização por suicídio em prisão

A 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o Estado a indenizar, em 80 mil reais, a família de um detento que se suicidou dentro de uma cela "segura". A instabilidade emocional do rapaz já era conhecida, por fatos concretos: ele já cortara os pulsos uma vez e, em outra, numa cela coletiva, pedira ajuda dos outros presos para se matar. No final das contas, ficou claro que o sistema penal falhou em vigiar o detento, que era um perigo para si mesmo.

Totalmente correta a decisão, portanto. Infelizmente para os beneficiários da indenização, contudo, o Estado é o maior inimigo do cidadão e o pior pagamento. O de São Paulo, particularmente, tanto que foi por causa das dívidas estratosféricas do poder público paulista que surgiu a malsinada (e bem batizada) "PEC do calote", que retardou em 15 anos o pagamento de precatórios.

Portanto, sentem e esperem.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2012-mar-20/familia-preso-cometeu-suicidio-presidio-indenizada

Loucuras matinais

No trajeto da escola, Júlia disse que queria me contar uma estória (é a nova mania dela).

 Numa linda manhã, caiu uma pétala de flor(*). Ela tinha poderes de cachorro.

 "Poderes de cachorro"?!  estranhei. Como assim? A flor late, por acaso?

Instante de silêncio e depois veio a reprovação, pronunciada em tom lento e grave:

 Papai, mas que besteira!!!

Mas, filha eu me defendi —, você disse que a flor tinha poderes de cachorro. E o que os cachorros fazem? Eles latem.

Júlia ponderou um pouco e pareceu se convencer do meu argumento. Então caiu numa gostosa gargalhada.

 Ah, minha filha, você é tão engraçada!

 É, eu sou louca, mesmo!

(*) Fiquei emocionado com esta introdução, mas depois percebi que Júlia estava repetindo o começo do longa de animação "Enrolados", da Disney. Isso, porém, não tira o impacto da abertura solene.

domingo, 18 de março de 2012

As opções culturais de Belém

Meu irmão sabe muito bem que, se eu não gosto dos espetáculos dos quais ele participa, como ator, diretor ou autor, digo mesmo e sem meias palavras. Por isso, é com alegria que volto ao tema e lhes digo que Acorde Margarida é um espetáculo excelente, encantador, com nível para ser apresentado em qualquer lugar, para qualquer público.

É verdade que, em se tratando de um musical, os atores ainda precisam de maior preparação vocal. Mas uma das belezas do teatro é, justamente, pensar que em apenas três meses de ensaio eles conseguiram chegar ao nível exibido. E, convenhamos, cantar sem o auxílio de qualquer microfone ou outro tipo de auxílio, de cara para a plateia, não é para qualquer um.

Em Acorde Margarida, uma repartição pública cósmica chamada Departamento da Memória Popular recebe o pedido para retirar do esquecimento a Sra. Margarida Schivasappa, que ninguém parece saber quem foi. Para piorar, duas melhores se apresentam como a própria Margarida, deixando atônita a esquisita responsável pelo serviço, Dona Memê. Resgatando lembranças e mostrando habilidades (como entoar a lindíssima "Canção sentimental", de Heitor Villa-Lobos, de quem Margarida foi uma das mais bem sucedidas alunas), as duas precisam provar quem é a verdadeira mulher a ser resgatada.

O espetáculo é leve, divertido, e conta com canções originais muito boas. Todos estão de parabéns.

Ainda dá tempo de ver a última récita, logo mais às 20h, no Teatro Universitário Cláudio Barradas.

***

E as crianças não têm direito a um pouco de cultura? Têm, sim. Convidado pelo amigo Michel Ferro, descobri que às 11 horas da manhã dos domingos o belíssimo Centro Cultural SESC Boulevard (na Boulevard Castilhos França, de frente para a Estação das Docas) abre suas portas para um espetáculo no qual cinco músicos e um mestre de cerimônias nos levam de volta no tempo, entoando famosas canções infantis, dos tempos em que se fazia coisa boa para crianças.

O passeio nos leva ao Sitio do Pica-Pau Amarelo e aos especiais infantis que fizeram história na TV Globo, como A Arca de Noé, Casa de Brinquedos e Pluct, Plact Zum. Ao final, a proposta é um pouco desvirtuada, com a inclusão de temas gravados pela insuportável Xuxa e sem a assinatura de nenhum mestre da música brasileira, mas é possível perdoar o deslize, porque a essa altura muitos já levantaram da cadeira.

O mestre de cerimônias foi muito aplaudido quando lembrou que, naquele tempo, fazia-se música boa para crianças. Mas "depois que a mulher sentou na boquinha da garrafa", caímos em desgraça e aí vieram muitas porcarias, como o "Créu", até chegarmos ao "Ai, se eu te pego". Claro que eu concordo com ele.

É preciso ficar de olho na programação do SESC Boulevard, porque toda semana há uma atração para as crianças, com música ou teatro. Mas é importante verificar o horário. E um detalhe: a entrada é gratuita. E com a divulgação, o pequeno auditório lota em questão de segundos.

***

Quem foi que disse que em Belém não há opções culturais, mesmo?

sábado, 17 de março de 2012

Competição Nacional do Sistema Interamericano de Direitos Humanos 2012

Vocês se lembram que, no ano passado, os alunos da Clínica de Direitos Humanos do CESUPA participaram da Competição Nacional do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, promovido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, e venceram? Foram os representantes do Brasil na competição mundial, em Washington (e não em Nova Iorque, como equivocadamente mencionei, até ser corrigido pelo Fernando Campos, num comentário).

Fotografia afanada do Facebook alheio, mas por uma
boa  causa. Garotas, ensinem os rapazes a sorrir!
Este ano, eles participaram novamente da competição. Sabe o que aconteceu? Venceram de novo! E este ano o concurso foi particularmente emocionante para nós, porque em meio a representantes das melhores universidades brasileiras, a grande final foi totalmente paraense, disputada entre CESUPA e UFPA.

Quando a notícia começou a correr na sala dos professores, ontem à tarde, nossa alegria pelo sucesso dos nossos pupilos foi temperada com um curioso ufanismo papa-chibé porque, afinal, as coisas para nós, paraenses, são sempre tão difíceis. Trabalha-se tanto e com tão pouco reconhecimento; não apenas os de fora nos diminuem como os de dentro fazem o mesmo. Na metade de baixo do país, não conseguem entender nem a diferença entre Norte e Nordeste.

Recordo-me de quando estava na faculdade de Direito da minha querida UFPA e um amigo foi participar do ENED (Encontro Nacional dos Estudantes de Direito). Em dado momento, um sujeito lá das bandas de baixo se referiu com desprezo ao Pará e arrematou dizendo "Eu nem sei onde fica esse tal de Pará". Meu amigo, com quase 1,90m, voz de trovão e tolerância zero, foi logo perguntando se ele nunca tinha estudado Geografia. E note que era um universitário.

O fato é que os universitários ligados à pesquisa em direitos humanos nunca mais se esquecerão do Pará. Porque aqui se trabalha com afinco, com dedicação e paixão, espírito de grupo e solidariedade.

Minhas melhores homenagens aos acadêmicos da Universidade Federal do Pará e, com um carinho especial, paternal, aos nossos pupilos do CESUPA, que deram o melhor de si desde que a clínica começou a funcionar. Boa parte da primeira geração já se graduou, mas deixou um legado tão sólido que a equipe atual, formada por alunos que já integravam o grupo e por novatos, chega que nem pororoca!

E, claro, parabéns aos queridos professores que orientam esses jovens maravilhosos.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Gente como a gente




Acabo de descobrir que as moscas-das-frutas são mais parecidas com os seres humanos do que pensávamos.

Para entender o lado científico sério da coisa, leia aqui. Mas quanto à aplicabilidade prática da pesquisa, acho que posso afirmar o nosso conhecimento prévio acerca de que, para evitar dependência química e se manter em forma, a atividade sexual é uma forte (senão a melhor) estratégia.

A propósito

...da postagem "A dura jornada das mulheres pelo mundo", três abaixo desta, na qual comentei que a legislação brasileira também previa a extinção da punibilidade do estuprador pelo casamento com a vítima, olhe o que encontrei na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, numa pesquisa que fiz sobre assunto diverso:

HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. DIREITO DE AGUARDAR O JULGAMENTO DA REVISÃO CRIMINAL EM LIBERDADE. PREJUDICIALIDADE. REVISÃO CRIMINAL. NOVA PROVA. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. REDUÇÃO DA PENA-BASE. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 2º, PARÁGRAFO 1º, DA LEI Nº 8.072/90 DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. Julgada a revisão criminal, fica desconstituído o writ no qual se pretendia aguardar o seu julgamento em liberdade.
2. A nova prova, consubstanciada em escritura pública declaratória, em que a ofendida, já maior e casada, afirma ser seu atual marido o autor dos crimes de estupro contra ela perpetrados, não se oferece como bastante, por si só, à desconstituição de condenação transitada em julgado.
3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou, por maioria de votos, a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, afastando, assim, o óbice da progressão de regime aos condenados por crimes hediondos ou equiparados.
4. Ordem parcialmente prejudicada e denegada. Habeas corpus concedido de ofício para reduzir a pena do paciente e afastar o óbice à progressão de regime prisional.
(STJ, 6ª Turma HC 31376/PR rel. Min. Hamilton Carvalhido j. 9/5/2006 DJ 04/09/2006 p. 327)


Como se pode inferir da ementa acima, uma mulher se casou com o homem que a estuprara e apresentou ao Judiciário uma prova documental do casamento, como forma de viabilizar uma revisão criminal e, com isso, rescindir a sentença condenatória já transitada em julgado. Mas não deu certo e o sujeito permaneceu condenado.

Ao tempo desse julgamento, a Lei n. 11.106 já estava em vigor há mais de um ano, porém como o crime e o processo eram anteriores, privilegiou-se a coisa julgada, por se entender que não seria caso de retroatividade benéfica.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Esculhambando a Filosofia

Não dá para contar: você tem que ler, aqui.
Seria cômico se não fosse trágico.

Cidadania & horizonte profissional

"A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV."

"Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º."

Os textos acima correspondem ao caput e ao § 2º do art. 134 da Constituição da República que, como todos sabem, é de outubro de 1988. Passados mais de 23 anos e 5 meses, contudo, o encantador Estado de Santa Catarina ainda não se deu ao trabalho de instituir a sua Defensoria Pública, sabe-se lá por qual razão. E mesmo diante de tão flagrante violação à Carta Magna e aos direitos dos cidadãos mais pobres, em vez de se empenhar por corrigir a omissão, preferiu resistir e sustentar motivos para não o fazer, na defesa que apresentou nos autos de duas ações diretas de inconstitucionalidade que foram julgadas ontem pelo Supremo Tribunal Federal.

À unanimidade, os ministros julgaram procedentes os pedidos das ações e determinaram que Santa Catarina faça funcionar a sua Defensoria no prazo máximo de um ano.

Já faz um tempo que ando com vontade de ser defensor público. E em Santa Catarina, é juntar a fome com a vontade de comer. Já pensou se me mandassem assumir uma comarcazinha daquelas minúsculas, tais como Bombinhas, Penha, Governador Celso Ramos? Que chato!

Bombinhas

Penha, Município onde se localiza o Beto Carrero World

Governador Celso Ramos

Pontas dos Ganchos, em Governador Celso Ramos
Não é por causa das praias, não. Eu viveria feliz em Pomerode, p. ex.

Pomerode, a cidade mais alemã do Brasil

Sei não, mas acho que finalmente vou estudar para um concurso...

Fontes:

A longa e interminável jornada das mulheres pelo mundo (III)

Já escrevi uma postagem com este título. E o utilizo de novo porque o mote é o mesmo: como ainda sofrem as mulheres no mundo de hoje!

Desta vez, a tragédia envolve uma marroquina de apenas 16 anos, que se suicidou após ser obrigada a se casar com o homem que a estuprara um ano antes. O casamento foi imposto para preservar a honra da família. A perda da virgindade fora do casamento é algo tão aversivo que só pode ser minimizada se o autor do malfeito casar com a perdida. Por isso, as famílias fazem de tudo para conseguir esses casamentos e à mulher estuprada só resta se submeter. Ou se matar.

O estuprador, por sua vez, também tem interesse no casamento, porque o Código Penal do Marrocos impede que seja processado, nesse caso. E como ele, depois de casado, pode cometer todo tipo de barbaridade, para ele não faz muita diferença.

Achou repugnante a legislação marroquina? Então saiba que o Código Penal brasileiro previa medida semelhante. Isso mesmo. Nos crimes sexuais, a punibilidade era extinta se a vítima se casasse com o próprio estuprador. Também era extinta se a vítima se casasse com outro homem e não pedisse a continuidade da ação penal contra o agressor no prazo de 30 dias.

Talvez você pense que isso é coisa do século passado. Na verdade, a extinção da punibilidade dos crimes sexuais pelo casamento só foi eliminada do Direito Penal brasileiro pela Lei n. 11.106, de 2005. Percebeu? 2005. Mais especificamente, ela entrou em vigor no dia 29.3.2005, portanto ainda não faz nem 7 anos.

Por aqui, obviamente, o contexto social já era totalmente diferente do que ainda subsiste no Marrocos. Mas uma legislação atrasada não deixa de ser um sintoma do que a sociedade é.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Acorde, Margarida


Estreia amanhã o espetáculo teatral Acorde, Margarida, da Cia. Teatral Nós Outros, que revela para a sociedade paraense quem foi a maestrina Margarida Schivasappa, para muitos apenas o nome de um teatro que poucos frequentam. Na verdade, ela foi pioneira do canto orfeônico no Pará e depois brilhou também no teatro. Em sua época, notabilizou-se por utilizar a arte como instrumento de inclusão social, muito antes de isso virar um discurso da moda. Uma personagem da vida real, fascinante, cuja memória será resgatada.

O espetáculo é um musical assinado pelo dramaturgo Carlos Correia Santos, autor de mais de uma dezena de peças e romances e que  sintoma  é um paraense mais conhecido no Centro-Sul do país do que em sua terra natal. A direção geral é de Hudson Andrade  ator, diretor e dramaturgo, nesta condição já duas vezes premiado pela Fundação Nacional de Arte, e que por acaso é meu irmão. Abaixo, você encontra maiores informações sobre a ficha técnica e o elenco.

No programa Sem Censura Pará desta tarde, o autor e a atriz Maíra Monteiro falaram sobre o espetáculo, que ficará em cartaz no Teatro Universitário Cláudio Barradas, da UFPA (Av. Jerônimo Pimentel, 546, quase esquina com a Rua Dom Romualdo de Seixas) até o próximo domingo. Depois será encenado em outros teatros até, finalmente, ser apresentado na reinauguração do Teatro Margarida Schivasappa, do CENTUR, atualmente fechado para reforma. "Como se Margarida estivesse voltando para casa", frisou o dramaturgo.

Santos também disse algo tão profundo quanto verdadeiro: que o paraense é um sujeito que vive na janela. Está dentro de um salão belíssimo, mas não vê nada que possui ao seu redor. Fica o tempo inteiro olhando para fora, procurando ao longe o que lhe interessa. Verdade absoluta. Aqui, não falta quem diga que não existe teatro no Pará, por pura ignorância. Mas essa mesma pessoa paga caro para ver espetáculos paulistas e cariocas de besteirol, morre de rir e lamenta que por aqui não se faça coisa igual. Surpresa: faz-se coisa muito melhor. Experimente procurar.

Então, meus amigos, acordem junto com Margarida. Eu vou ao teatro e estou convidando.

Amanhã, por ocasião da estreia do musical, haverá também o lançamento do livro que o baseia.


Para maiores informações, visite o blog do espetáculo, no qual estão postados textos com informações úteis à compreensão do enredo, p. ex. em que consiste o canto orfeônico e quem foram as personalidades com quem Margarida conviveu, como Pachoal Carlos Magno e Heitor Villa-Lobos.

O espetáculo também conta com uma página no Facebook, onde você pode encontrar informações sobre a montagem, ou seja, notícias de bastidores.

Gaiola para um Curió

O Ministério Público Federal quer a condenação de Sebastião Curió Rodrigues de Moura, coronel aposentado do Exército, por crimes praticados contra militantes da Guerrilha do Araguaia, nos tempos da ditadura militar. Dizem respeito a pessoas que teriam sido torturadas e cujo paradeiro permanece desconhecido. O controverso militar já admitiu em entrevista ter assassinado (não nestes termos, claro) ao menos 41 pessoas, mas não é por isso que está sendo processado.

Todo processo envolvendo crimes dos tempos da ditadura enseja inevitável repercussão. Não é apenas um processo, não é apenas um crime: tudo se transforma em um símbolo, que passará uma mensagem para os políticos do presente e para os brasileiros do futuro.

Fontes:
PS  Economize o seu tempo e o meu: se você pretende defender a ditadura militar, não escreva nenhum comentário aqui. Passe reto e procure saber se o Jair Bolsonaro tem um blog. Escreva lá.

terça-feira, 13 de março de 2012

Tudo em cana

Brasileiro não entende, mesmo: continua achando que o Direito Penal é solução para todos os problemas. Digo isto porque, ao acessar a página do Senado, no link "Notícias", observei que as três mais recentes, neste momento, são:
O caboco não consegue entender que essa sofreguidão punitivista tanto pode ser inócua quanto pode surtir efeitos contrários ao desejado. Isto porque o Direito Penal, constituindo a via mais agressiva de atuação do Estado, traz consigo um volume de prerrogativas defensórias maior e mais complexo. O delinquente passará anos e anos se defendendo, enquanto seria muito mais benéfico, para toda a sociedade, que uma solução mais rápida para o mérito do problema fosse encontrado.

Não digo, obviamente, que devemos prescindir de novos tipos penais. Mas é preciso racionalizar o seu uso. Vejamos o caso da merenda escolar, p. ex. Qual é a utilidade de criminalizar o não fornecimento de merenda?

Pondere. Já existem diversos tipos penais que podem incidir sobre alguém que cometa exatamente essa conduta. A depender dos motivos e formas de atuação, podemos pensar em peculato, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, crimes de responsabilidade de prefeito, etc., além de improbidade administrativa. O sujeito fica passível de prisão, multa, perda do cargo e inelegibilidade. Um novo tipo penal serviria para quê? Respondo: para dificultar a aplicação do próprio tipo penal! E explico: quanto mais as normas incriminadoras se superpõem, mais difícil é a sua aplicação, o que só beneficia os advogados adeptos da famosa estratégia se não posso ajudar, então vou atrapalhar.

Imagine que um prefeito seja acusado de desviar recursos da alimentação dos estudantes para outros fins, sem indícios de enriquecimento ilícito. Poderia incidir, em tese, no crime de emprego irregular de verbas ou rendas públicas, que tem pena cominada em 1 a 3 meses de detenção, ou multa. Ou então na previsão do art. 1º, III, do Decreto-lei n. 201, de 1967, cuja pena cominada é de 3 meses a 3 anos de detenção, mais perda do cargo e inelegibilidade. Suponha, então, que a nova lei estabeleça uma sanção mais grave. O advogado de defesa ganha a oportunidade de invocar o princípio da proporcionalidade para questionar o excesso de punição e, tratando-se de matéria estritamente de direito, levá-la até os tribunais superiores. Pode não dar em nada, mas atrapalha.

Enquanto isso, deveríamos nos empenhar por criar mecanismos que reduzissem a burocracia, fortalecessem a fiscalização e permitissem o rápido enquadramento de eventuais infratores, com medidas administrativas severas, passíveis de vedar o exercício de funções públicas. Às portas de uma eleição, o meliante teria mais interesse em devolver o dinheiro de uma vez, ainda que jurando inocência, para não perder seus esquemas eleitorais.

Acho que devíamos pensar nessas alternativas.

Provincianismo brasileiro

Eu detesto provincianismo e, de quebra, tenho a maior antipatia pela monarquia. Repudio nobrezas de qualquer ordem, inclusive aquelas tão comuns hoje em dia, que nada têm a ver com linhagens de reis, e sim com sobrenomes e contas bancárias. Resulta daí que me embrulhou o estômago a cobertura obsessiva que a imprensa brasileira realizou sobre o casamento havido na família real inglesa, em abril do ano passado. Desculpaí, Luiza. Mas o fato não interessava em nada, ou não deveria interessar, aos brasileiros, já que não interfere nas relações entre Brasil e Inglaterra.

Banhado em suor, o Príncipe Harry aparece na
sacada do hotel, entre dois assessores
Nos últimos dias, a babaquarice tomou conta da taba por causa da visita do Príncipe Harry, o terceiro na linha sucessória da monarquia britânica (música triunfal ao fundo). Ele passou dois dias no Rio de Janeiro, onde esteve para... para... para quê, mesmo?

Nenhuma reportagem que consultei esclareceu o motivo da viagem, deixando-me com a impressão de que foi apenas lazer ou, no máximo, uma politiquinha de boas vizinhanças com a simpática gente brasileira. Ouvi qualquer coisa sobre ser um agradecimento por uma escola de samba ter homenageado Londres, que sediará as próximas olimpíadas, este ano. Ah, tá.

Como todo turista endinheirado faz em suas visitas ao Brasil, Harry visitou favelas, que agora somos obrigados a chamar de comunidades, e interagiu com a população local. Tudo devidamente escoltado por policiais (que não assassinaram nenhum cidadão inglês alegando confundi-lo com um chefe do narcotráfico por estar com roupas suspeitas) que não deixaram o rapaz perceber os tiros disparados no Complexo do Alemão.

E como convém a um membro da família real inglesa, Harry teve que demonstrar seu vigor físico, adquirido em anos de bem sucedida carreira de jogador de quadribol. Por isso, ele jogou rugby, polo, futebol, vôlei de praia, capoeira e, claro, pagou mico com as tentativas de dançar os ritmos locais. Um delírio! Coisa para dona de casa nenhuma esquecer! À noite, estava tão cansado que nem participou de um último evento.

E aí o rapaz foi embora, deixando uma saudade imensa no coração das alpinistas sociais que nem chegaram a vê-lo pessoalmente. Mas os laços entre as duas nações irmãs foram fortalecidos, claro. Só faltou o Elton John vir na comitiva, para cantar "Candle in the wind", em homenagem à finada mãe do visitante, o que teria emocionado o país mais do que o hino nacional entoado em estádio de futebol.

Lindo.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Aparentemente, uma boa tese

Até o dia do julgamento, tudo é especulação, mas por isso mesmo me permito especular um pouco.

O "caso Eliza Samúdio" caminha para enterrar de vez, mesmo na mente dos leigos, a já superada ideia de que sem cadáver não há homicídio. A moça desapareceu em junho de 2010 e seu corpo jamais foi encontrado, mas mesmo assim o caso sempre foi tratado como crime de homicídio, virou uma ação penal e, nela, existem oito réus já pronunciados pela morte da jovem, que em algum momento enfrentarão o tribunal do júri.

O principal acusado é o ex-goleiro Bruno Fernandes, que assim como outros acusados já se encontra preso há quase dois anos, o que basta para demonstrar que a ausência de corpo de delito não foi empecilho para a persecução criminal.

Agora, o defensor de Bruno declara publicamente que admitirá o assassinato da vítima, mas com o detalhe de que isentará totalmente o seu constituinte de responsabilidade. Na bem engendrada tese defensória, Luiz Henrique Romão, conhecido como "Macarrão", teria tomado por conta própria a decisão de matar Eliza, sem qualquer ajuste de vontades com Bruno, que em momento algum teria sugerido, pedido, concordado e muito menos auxiliado um projeto do gênero.

Digo que a tese foi bem engendrada porque "Macarrão", de fato, teria motivos para matar a vítima mesmo sem o conhecimento de seu benfeitor. O advogado de defesa fala em "ciúme", hipótese plausível diante de um sujeito que tatuou, nas costas, uma declaração de amor: "Bruno e Maka A amizade nem mesmo a força do tempo irá destruir, amor verdadeiro" (sic). Mas é claro que em jogo não estavam apenas sentimentos: "Macarrão" era uma espécie de faz-tudo de Bruno, que o sustentava e lhe dava uma vida de mordomias e badalação. O surgimento de um filho poderia mudar o foco do endinheirado jogador ou, ao menos, reduzir os recursos que ele esbanjava em suas farras. Uma pessoa ruim poderia pensar em cortar o mal pela raiz.

Já escrevi antes, aqui no blog, que quando o advogado de defesa não dispõe de uma causa muito boa, apela para a famosa técnica de dar os aneis para conservar os dedos. Só que, neste caso em particular, dar os aneis (admitir um homicídio até aqui negado) pode permitir que Bruno conserve até mesmo os aneis (no caso, sua liberdade). Bastou transferir toda a responsabilidade para o grande amigo e braço direito.

Esse amor verdadeiro, que nem a força do tempo poderia destruir, será capaz de sobreviver a um tamanho conflito de interesses? O julgamento promete.

domingo, 11 de março de 2012

Violência obstétrica

Quatro anos atrás, uma conhecida minha deu à luz seu filho em um hospital público da cidade e relatou algumas dificuldades enfrentadas, p. ex. a enorme dificuldade de acesso de visitantes, incluído o marido. Desse modo, no momento mais delicado de sua vida, horas após parir seu filho através de uma cesariana, estava sozinha com o bebê numa enfermaria, cercada por outras mulheres em situação idêntica. Assustada e impotente, apenas chorou, porque não tinha mais nada a fazer.

Essa mulher relatou, também, maus tratos que sofreu e testemunhou, praticados por membros da própria equipe do hospital. Não sei se estressados com os baixos salários, as jornadas de trabalho longas e as condições adversas do ambiente (desculpas sempre lembradas nessas horas), mas vários profissionais mostravam-se impacientes e até agressivos. Diante de mulheres sozinhas, vulneráveis e  por que não ressaltar?  pobres, com baixo acesso à reivindicação de seus direitos, irritavam-se quando elas gritavam, choravam, reclamavam de dor. Um dos comentários mais calhordas era "na hora do bem-bom soube abrir as pernas, então agora não reclama!"

Ressalte-se que comentários como esse partiam de mulheres, geralmente do corpo de enfermagem. Não que médicos não digam nojeiras semelhantes, mas é que muitos médicos se sentem importantes demais para dedicar seu tempo a um paciente só. Costumam cuidar de seus inúmeros outros interesses e só aparecem para realizar o ato privativo de médico, quando então supõem estar brindando o mundo com sua genialidade.

Na época, fiquei horrorizado com tudo isso, mas por alguma razão acabei não escrevendo uma postagem a respeito. Hoje, porém, deparei-me com esta postagem do blog feminista Escreva Lola Escreva, sobre violência obstétrica. E descobri que já existe, desde 2003, uma lei sobre o assunto, que minha ignorância não alcançava.

Entendo importantíssimo combater os atos de desumanidade  com potencial de prejudicar concretamente a saúde física e mental das gestantes/parturientes e de seus filhos  caracterizados como violência obstétrica. Abaixo, o texto da lei mencionada.


LEI N. 10.778, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2003

Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
 Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Constitui objeto de notificação compulsória, em todo o território nacional, a violência contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.

§ 2º Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica e que:
I – tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual;
II – tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entrºe outros, violação, abuso sexual, tortura, maus-tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar; e
III – seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

§ 3º Para efeito da definição serão observados também as convenções e acordos internacionais assinados pelo Brasil, que disponham sobre prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.

Art. 2º A autoridade sanitária proporcionará as facilidades ao processo de notificação compulsória, para o fiel cumprimento desta Lei.

Art. 3º A notificação compulsória dos casos de violência de que trata esta Lei tem caráter sigiloso, obrigando nesse sentido as autoridades sanitárias que a tenham recebido.

Parágrafo único. A identificação da vítima de violência referida nesta Lei, fora do âmbito dos serviços de saúde, somente poderá efetivar-se, em caráter excepcional, em caso de risco à comunidade ou à vítima, a juízo da autoridade sanitária e com conhecimento prévio da vítima ou do seu responsável.

Art. 4º As pessoas físicas e as entidades, públicas ou privadas, abrangidas ficam sujeitas às obrigações previstas nesta Lei.

Art. 5º A inobservância das obrigações estabelecidas nesta Lei constitui infração da legislação referente à saúde pública, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

Art. 6º Aplica-se, no que couber, à notificação compulsória prevista nesta Lei, o disposto na Lei 6259, de 30 de outubro de 1975.

Art. 7º O Poder Executivo, por iniciativa do Ministério da Saúde, expedirá a regulamentação desta Lei.

Art. 8º Esta Lei entrará em vigor 120 (cento e vinte) dias após a sua publicação.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Wasserstrassenkreuz

Você já passou de barco por uma ponte? Talvez sim. Mas se passou, provavelmente foi por baixo dela, não? Mas que tal passar por cima? Deve ser simplesmente encantador. Dê uma olhada no maior canal navegável do mundo, o Wasserstrassenkreuz*, na Alemanha.


Site oficial, em alemão: http://www.wsv.de/

* Dado o comentário da querida Ana Miranda, a pronúncia pode ser mais simples do que parece. A questão é que o idioma alemão utiliza palavras compostas e por isso elas parecem impronunciáveis. Mas basta pensar nelas a partir de seus elementos constitutivos. No caso:

  • Wasser ("vássar"): água
  • Strassen (pronuncie como está escrito): rua ou via
  • Kreuz ("cróitz"): cruz ou cruzamento
Veja que, no final, essa obra de arte foi batizada simplesmente como cruzamento de ruas líquidas, ou algo assim. Agora a Ana já pode visitar o local.

Crimes mais cometidos por homens no Brasil

Com dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (INFOPEN), Luiz Flávio Gomes noticia que o delito que mais manda para a cadeira homens brasileiros é o tráfico de drogas, com 21% das ocorrências. Se somarmos com as prisões por narcotráfico internacional, subimos para 22%.


Ocorre que, no segundo e no terceiro lugar da lista estão, respectivamente, o roubo majorado (e não qualificado, como indevidamente anotado) e o roubo simples, que juntos respondem por 28% dos casos. Portanto, devo discordar do célebre penalista, porquanto a divisão entre espécies de roubo é meramente formal, a depender de particularidades como o criminoso agiu sozinho ou teve ajuda? Sem dúvida que isso não muda o diagnóstico: o delito de maior incidência no país continua sendo o roubo.

Por outras palavras, o bem jurídico mais afetado permanece sendo o patrimônio, até porque na quarta e na quinta posição estão modalidades de furto. Logo, os delitos patrimoniais respondem por nada menos do que 42% das incidências.

Isto ajuda a entender a reação furiosa da sociedade em geral com os ladrões.

Em suma, apenas três tipos penais  tráfico de drogas, roubo e furto  importam em 64% das prisões masculinas no país, fator que deve ser levado em consideração por alguém que pretenda pensar uma política criminal séria.

Outro aspecto que merece menção diz respeito aos crimes sexuais. Considerando que, desde a Lei n. 12.015, de 2009, o antigo atentado violento ao pudor passou a constituir estupro, esta espécie delitiva responde por 5% das prisões. Vale ponderar, entretanto, que se é verdade que para todos os tipos penais existe a chamada cifra oculta (crimes que não chegam ao conhecimento das autoridades e, portanto, não integram nenhuma estatística), nos sexuais essa tendência é ainda maior, porque a vergonha, o medo de retaliação e a incredibilidade das instituições públicas levam muitas vítimas a não registrar ocorrência. Os dados ora analisados, lembre-se, dizem respeito a números de prisões e não de crimes efetivamente praticados. Aliás, sequer a todos os crimes objeto de persecução, porque muitos acusados respondem em liberdade.

Seja como for, o conhecimento de estatísticas é muito importante para que se tenha alguma capacidade de gerenciamento da criminalidade e das respostas estatais que provocam.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Piscinas suspensas

Vocês sabem que, volta e meia, abro um espaço casa & jardim aqui no blog. A graça arquitetônica de hoje são as piscinas suspensas, como essa do Joule Hotel, na cidade americana de Dallas.

Projetada para além dos limites do prédio, você pode nadar olhando a rua. Em alguns casos, até o fundo da piscina é de vidro, permitindo uma emocionante sensação de estar flutuando no ar.

Deve ser muito bom. De quebra, caso ocorra um acidente e o vidro rache, a pressão da água assegurará uma morte certa, chique e muito requintada.

16º Concurso de Monografias de Ciências Criminais - IBCCRIM

Repercuto, para informação dos interessados.

Bíblia: obra coletiva

Algoritmo prova que o Livro Sagrado foi um trabalho coletivo
Desde o início dos modernos estudos da Bíblia, no século 18, especialistas duvidam que alguns de seus importantes textos tenham sido escritos somente por uma pessoa. Um algoritmo criado por cientistas israelenses agora mostra que eles tinham razão. O software usa informações coletadas por especialistas durante séculos para reconhecer padrões (como o uso hebreu para expressões como "se", "e" e "mas" e seus sinônimos em certa época) e separar o texto em blocos escritos por diferentes pessoas. Com a técnica, já confirmou que o Pentateuco (que reúne os 5 primeiros livros do Velho Testamento) teve vários autores. E que o Livro de Isaías não foi escrito somente pelo profeta, mas também por um colaborador, que assumiu a obra a partir do capítulo 33. Até então, os estudiosos desconfiavam que isso havia sido feito no capítulo 39.
Os fins do algoritmo não são somente religiosos. "Poderá ser usado para determinar casos de plágio ou identificar autores anônimos de determinados textos", diz o coordenador da pesquisa, Nachum Dershowitz, da Universidade Blavatnik School of Computer Science, em Tel Aviv.
Texto de Alexandre Rodrigues

Texto extraído da revista Galileu, edição n. 246 de janeiro de 2012, p. 26.

Gostei muito dos usos não religiosos do algoritmo. Se ele for desenvolvido e funcionar bem, o anonimato na Internet pode restar comprometido e isso há de afetar redes sociais, blogs, e-mails, páginas corporativas, imprensa, campanhas políticas, etc.

Disseminando saberes

O CESUPA acaba de lançar a terceira edição de sua revista Saber Jurídico, que pode ser lida pela Internet, na íntegra e gratuitamente, clicando aqui.

Motivo de particular orgulho é perceber que, dos oito artigos publicados, três são coautorias entre professores e alunos e dois são obras exclusivas de alunos. Mais da metade do trabalho, portanto, foi amealhado graças ao esforço e ao interesse de nossos alunos em realmente explorar as potencialidades da vida acadêmica, pesquisando, produzindo, induzindo reflexões e disseminando conhecimento. Quatro desses articulistas-estudantes têm passagem pelas monitorias de ensino, delineando um perfil acadêmico nascido cedo, a ensejar belas carreiras docentes no futuro.

Minhas entusiasmadas homenagens a todos os articulistas e a minha querida colega, Profa. Ana Cristina Darwich Leal, que está à frente do trabalho editorial.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Sem crucifixos

Por decisão unânime do Conselho da Magistratura, todos os prédios ligados ao Poder Judiciário do Rio Grande do Sul serão obrigados, nos próximos dias, a retirar crucifixos e todos os demais elementos religiosos de suas instalações, para não comprometer a aparência de isenção ética de suas decisões.
Católicos em fúria. E o ódio será maior ainda se souberem que o processo foi instaurado a partir de um requerimento da Liga Brasileira de Lésbicas.

Minha opinião sobre o assunto já foi amplamente apresentada aqui no blog, como se pode perceber por minhas defesas de um Estado verdadeiramente laico, em diversas postagens que podem ser encontradas através do marcador "religião". Sendo assim, noticio o fato e deixo que outros o comemorem ou arranquem os cabelos.

terça-feira, 6 de março de 2012

Castração química: Moldávia

Moldávia aprova castração química obrigatória de pedófilos

O Parlamento da Moldávia aprovou nesta terça-feira uma lei sobre a castração química obrigatória para os pedófilos, como consequência do recente aumento dos casos de abusos de menores de idade no país. "Após cumprir a pena carcerária, os pedófilos voltam a cometer os mesmos crimes. Ao longo dos últimos cinco anos, 15 pedófilos voltaram a ser processados por pedofilia", disse Valery Muntianu, deputado do Partido Liberal da Moldávia.
Segundo as agências russas, nos últimos anos a Moldávia se transformou em destino para pedófilos dos países da União Europeia e Estados Unidos. "Segundo as estatísticas, a castração química é eficaz. Por exemplo, na Alemanha as reincidências diminuíram de 84% para 3%", argumentou Muntianu.
Por outro lado, o deputado liberal-democrata George Ciobanu questionou a eficácia dos remédios utilizados para reprimir a atração sexual por crianças. No entanto, o presidente do Legislativo moldávio, Marian Lupu, interrompeu a discussão entre os deputados e propôs aprovar a lei sem demora. "Se a castração química é ineficaz, há outro tipo seguro da castração, a cirúrgica", afirmou Lupu.

Para quem não sabe, a República da Moldávia é um pequeno país da Europa Oriental, de democracia representativa e parlamentarista, com 33.844 Km2 e pouco mais de 4 milhões de habitantes, segundo dados de 2008. Tem elevado índice de alfabetização, mas é o país mais pobre da Europa.

Segundo o site TripAdvisor, é possível voar de São Paulo a Chisinau, capital da Moldávia, por companhias internacionais e pela TAM, mas os voos não são diretos e as passagens são caríssimas.

O turismo não é muito desenvolvido por lá, mas se quiser fazer essa viagem, há bonitas paisagens.

Legislando sobre o legislado

Entendo o Diário do Pará, por razões óbvias, mas não sei a razão pela qual o jornalista Jorge Lourenço, da Agência Jornal do Brasil, decidiu dar destaque, na coluna "Informe JB", ao seguinte:


Bajula-se a deputada Elcione (que há anos deixou o sobrenome Barbalho, mas não deixou o apoio político do ex) por ter chegado à brilhante e inédita conclusão de que "o namoro configura relação íntima de afeto", de modo que as namoradas devem ser protegidas pela "Lei Maria da Penha", do mesmo modo que esposas e companheiras.

Muito bem, Flipper! Se a nobre deputada continuar nesse ritmo, daqui a poucos anos conseguirá inventar o fogo e a roda.

Desde que a "Lei Maria da Penha" entrou em vigor, em 2006, estava claro que as relações de namoro também são abrangidas pelos termos da lei, inclusive quando o vínculo não existe mais, salvo por algumas opiniões doutrinárias em contrário. Segundo Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, a norma legal incide sobre "qualquer agressão inserida em um relacionamento estreito entre duas pessoas, fundado em camaradagem, confiança, amor etc.", citando inclusive precedentes judiciais admitindo expressamente o namoro (In: GOMES, Luiz Flávio & CUNHA, Rogério Sanches. Legislação criminal especial. Coleção Ciências Criminais, vol. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 1072).

Em julgado recente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu:

"PENAL. HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADOS. APLICABILIDADE. INSTITUTOS DESPENALIZADORES. LEI N.º 9.099/95. ART. 41. CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO PLENÁRIO DO STF. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. I. A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça vem firmando entendimento jurisprudencial no sentido da configuração de violência doméstica contra a mulher, ensejando a aplicação da Lei nº 11.340/2006, a agressão cometida por ex-namorado. II. Em tais circunstâncias, há o pressuposto de uma relação íntima de afeto a ser protegida, por ocasião do anterior convívio do agressor com a vítima, ainda que não tenham coabitado. III. A constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha foi declarada no dia 24.03.2011, à unanimidade de votos, pelo Plenário do STF, afastando de uma vez por todas quaisquer questionamentos quanto à não aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei n.º 9.099/95. IV. Ordem denegada." (STJ, 5ª Turma HC 181217/RS — rel. Min. GILSON DIPP  j.  20/10/2011  DJe 04/11/2011)

Resta saber se o projeto da deputada foi provocado por ignorância ou por cara de pau, mesmo  o velho oportunismo de transformar algo óbvio ou repisado em uma lei nova, para se locupletar politicamente de algo sem valor.

Quanto ao jornalista que escreveu a nota, que feio! Totalmente zerado acerca daquilo sobre que noticia...

Reforma do Código Penal V: propostas

IAB propõe menor poder punitivo em novo Código Penal


Pretendendo evitar excessos do que chamam de “eficientismo penal” na redação do anteprojeto de Código Penal, discutido por comissão do Senado, os membros do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) formularam propostas para o projeto. A ideia é conter o poder punitivo. O conjunto de regras gerais da legislação penal foi apresentado na última sexta-feira (2/3) em audiência pública na qual estiveram presentes os advogados René Dotti e Emanuel Cacho, o procurador José Muiños Piñeiro e o promotor Marcelo André de Azevedo, membros da comissão designada pelo Senado para a tarefa.
O primeiro princípio levantado pelo IAB como essencial para estar descrito no novo código é o da legalidade estrita, pelo qual não é crime nenhuma conduta que não se encontre expressa e estritamente prevista em lei e garante a não apenação sem prévia cominação — ou advertência — legal. O segundo princípio lembrado é o da ofensividade, segundo o qual não existe crime sem lesão significativa para algum bem jurídico ou sem colocá-lo ao menos em perigo concreto.
O projeto cita também a subsidiariedade, na qual o juiz deverá privilegiar a reparação do dano e da vítima, aplicando a pena privativa de liberdade na medida estritamente necessária. Também tem espaço na proposta o princípio da coculpabilidade, que avalia se o acusado teve, do Estado, seus direitos fundamentais atendidos, para garantia de que a pena seja aplicada na medida da culpabilidade. “Para determinar a reprovação, se levará em conta também as condições sociais oferecidas ao infrator para comportar-se de maneira diversa.”
Embora tramitem na Câmara e no Senado diferentes projetos de lei com objetivo de alterar o limite de 30 anos de pena máxima, previsto no artigo 75 do CP, a proposta da entidade manteve a regra atual. “A questão crucial que se apresenta é se os benefícios aos quais o apenado faz jus na execução penal devem ser contados sobre estes 30 anos ou sobre a pena em concreto”, diz o documento, sugerindo que os benefícios incidam sobre os 30 anos.
Outra proposta é uma nova redação ao artigo 59 do CP, retirando do rol das circunstâncias judiciais a serem apreciadas pelo juiz da causa na primeira fase da fixação da pena critérios como “personalidade” e “antecedentes”, o que, segundo o IAB, é “inadmissível perante o princípio da não-culpabilidade”.
O grupo classifica diz ser essencial que o anteprojeto incorpore o princípio da insignificância. A inserção de tal ponto serviria, segundo o IAB, para diminuir a enchente de ações com pedidos insipientes no Judiciário. O tema, se incorporado ao Código Penal, “passaria a ser obrigatoriamente abordado nos manuais e lecionado nas salas de aula, além de observado ou no mínimo ponderado seriamente”. A definição da exclusão de tipicidade escolhida pelo IAB é: “Não há crime quando o agente pratica fato cuja lesividade é insignificante, por não ser capaz de ofender bem jurídico tutelado pela lei penal.”
O instituto apresenta outras três sugestões quanto aos crimes omissivos impróprios. Entre elas, estão a previsão de que somente nos casos específica e expressamente indicados por lei as infrações penais possam ser cometidas por omissão, e a previsão de uma atenuante genérica ou de uma causa de diminuição no caso de crime omissivo impróprio.


Marcos de Vasconcellos é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 6 de março de 2012

As propostas sintetizadas acima representam uma clara, ainda que pequena, manifestação do que há de mais moderno na dogmática penal, por incorporar propostas que segmentos democráticos da doutrina vêm sustentando há anos, porém com ampla resistência do sistema de justiça criminal, tudo em nome do eficientismo que foi bem lembrado no começo do texto.

Chama a atenção o destaque ao princípio da ofensividade (ou lesividade), que se realmente vingar afetará os chamados crimes de perigo abstrato, aqueles cuja consumação independe da prova do prejuízo. Nessa categoria entram o porte de arma de fogo e alguns delitos de trânsito. As consequências seriam logo sentidas pela sociedade.

A adoção da coculpabilidade, como critério de redução da pena a ser imposta a criminosos cuja ação tenha sido precipitada por singular vulnerabilidade social, constitui proposição audaciosa, que conta com a mais severa antipatia do punitivismo dominante.

Não escondo o meu entusiasmo com a supressão da personalidade e dos antecedentes criminais como critérios de dosagem da pena, embora tenha grandes dúvidas de que a mudança seria implementada. O sistema brasileiro é absurdamente moralista e acredita que as pessoas realmente devem ser punidas pelo que são (culpabilidade de autor e não de fato)  ou, o que é pior, pelo que os outros arrogantemente acham que elas são.

Contudo, se é para eliminar da dosimetria os aspectos existenciais do autor, então será necessário abrir a discussão sobre o fim da reincidência, também. E aí pode esperar a histeria.