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Não digo, obviamente, que devemos prescindir de novos tipos penais. Mas é preciso racionalizar o seu uso. Vejamos o caso da merenda escolar, p. ex. Qual é a utilidade de criminalizar o não fornecimento de merenda?
Pondere. Já existem diversos tipos penais que podem incidir sobre alguém que cometa exatamente essa conduta. A depender dos motivos e formas de atuação, podemos pensar em peculato, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, crimes de responsabilidade de prefeito, etc., além de improbidade administrativa. O sujeito fica passível de prisão, multa, perda do cargo e inelegibilidade. Um novo tipo penal serviria para quê? Respondo: para dificultar a aplicação do próprio tipo penal! E explico: quanto mais as normas incriminadoras se superpõem, mais difícil é a sua aplicação, o que só beneficia os advogados adeptos da famosa estratégia se não posso ajudar, então vou atrapalhar.
Imagine que um prefeito seja acusado de desviar recursos da alimentação dos estudantes para outros fins, sem indícios de enriquecimento ilícito. Poderia incidir, em tese, no crime de emprego irregular de verbas ou rendas públicas, que tem pena cominada em 1 a 3 meses de detenção, ou multa. Ou então na previsão do art. 1º, III, do Decreto-lei n. 201, de 1967, cuja pena cominada é de 3 meses a 3 anos de detenção, mais perda do cargo e inelegibilidade. Suponha, então, que a nova lei estabeleça uma sanção mais grave. O advogado de defesa ganha a oportunidade de invocar o princípio da proporcionalidade para questionar o excesso de punição e, tratando-se de matéria estritamente de direito, levá-la até os tribunais superiores. Pode não dar em nada, mas atrapalha.
Enquanto isso, deveríamos nos empenhar por criar mecanismos que reduzissem a burocracia, fortalecessem a fiscalização e permitissem o rápido enquadramento de eventuais infratores, com medidas administrativas severas, passíveis de vedar o exercício de funções públicas. Às portas de uma eleição, o meliante teria mais interesse em devolver o dinheiro de uma vez, ainda que jurando inocência, para não perder seus esquemas eleitorais.
Acho que devíamos pensar nessas alternativas.
2 comentários:
Parece-me que, todas as vezes que o Estado não consegue resolver um problema que é de sua responsabilidade ele joga a culpa no cidadão. Eu exemplico (e quem exemplifica exagera): Não podendo educar a população para a tolerância racial ou de orientação sexual, joga a responsabilidade para o cidadão criando tipos penais que criminalizam a intolerância.
Daqui a pouco, ser analfabeto, pobre ou desempregado vai acabar virando crime.
É como aumento de efetivo policial. Acredito que quanto mais o país é justo socialmente, menos precisa de polícia.
Diminua a causa e não precisará combater os efeitos.
Concordo com a premissa, Hemetério. Não sei se a consequência - mesmo no plano da argumentação, claro - seria a que sugeres, mas a tendência é mesmo o aumento do punitivismo, se não pusermos um freio nisso.
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