Você quer que eu seja educado ou posso falar a verdade?
quinta-feira, 15 de março de 2012
Esculhambando a Filosofia
Não dá para contar: você tem que ler, aqui.
Seria cômico se não fosse trágico.
3 comentários:
Anônimo
disse...
Sobre a questão, três considerações que acho relevante que sejam levadas em conta:
1) A presença de um filósofo numa comissão interdisciplinar que se ocupe de grandes projetos nacionais não é necessariamente uma ideia absurda: Estudiosos da filosofia moral, da filosofia política, da filosofia social, da hermenêutica e da teoria crítica teriam muito a dizer sobre possíveis significados e impactos de obras desse tipo. Para dar um exemplo, filósofos que se ocupam de questões sobre sociedades pluralistas, desenvolvimento e solidariedade de pequenas comunidades teriam muito a dizer sobre a transposição do S. Francisco ou sobre Belo Monte. Bastaria que houvesse clara orientação disciplinar dos estudos do filósofo em questão para os temas éticos, políticos e sociais que costumam estar implicados em projetos desse tipo.
2) A ideia da regulamentação da profissão de filósofo se torna menos estranha se for associada à ideia anterior: Ora, se de fato se tornar obrigatória a presença do filósofo em comissões interdisciplinares que avaliam e orientam projetos do tipo já referido, então, nada mais razoável do que definir quem, para fins de contratação, deve ser considerado como filósofo. Não seria uma questão de definir quem pode ou não filosofar ou quem pode ter obras ou ideias suas consideradas como filosóficas, pois isso a lei jamais pode fazer. Trata-se apenas de definir, para fins burocráticos e licitatórios, quem poderia ser contratado como profissional da filosofia. O médico, o bombeiro, o lixeiro e o desempregado continuam, claro, sendo aptos ao pensamento filosófico e a dar importantes contribuições no cenário das ideias filosóficas. Apenas não poderiam ser contratados como filósofos profissionais nas comissões interdisciplinares de que se falou antes. Nada de absurdo nisso.
3) A oposição de professores como Gianotti e Janine Ribeiro ao projeto tem que ser levada em conta "cum grano salis": Os dois estão entre os principais representantes da filosofia uspiana e da Anpof, a Associação Nacional de Pós-Graduandos em Filosofia, entidade que controla o regime dos eventos filosóficos no Brasil, tem enorme influência sobre os setores da Capes que avaliam as faculdades de Filosofia e que certamente se sente bastante desprestigiada acadêmica e politicamente por qualquer projeto que parta da Academia Brasileira de Filosofia (uma entidade não universitária e carioca). Há nisso muito de polêmica política de reafirmação do status da Anpof e da filosofia paulista, e não apenas cuidado com a atividade filosófica em si mesma.
Nada disso precisa ter como consequência um apoio irrestrito ao projeto, mas são elementos que precisam ser levados em conta numa avaliação da sua razoabilidade.
André, eu tinha grande esperança que aparecesses por aqui, nesta postagem, tanto que coloquei um título provocativo, para ajudar. Agradeço profundamente por ampliar a nossa compreensão sobre o caso, justamente o que eu esperava. No mérito, o que me deixou preocupado foi ter entendido, não sei se com erro, que o projeto cria uma reserva de mercado para filósofos "oficiais", em cada obra. Isso seria no mínimo estranho. Na tua resposta, tu mencionas a presença deles em comissões deliberativas, o que é bastante diferente. Gostei das ideias que expuseste nos itens 1 e 2, a despeito de minha convicção quanto a não convencerem a sociedade em geral. Quanto ao item 3, é importante para ilustrar as intenções ocultas dos personagens citados. Contudo, independentemente dessas intenções, bem como das do autor do texto, a Academia Brasileira de Filosofia é descrita como uma instituição de baixa credibilidade no que tange aos seus objetivos institucionais. E o presidente parece ser uma figura (e não digo isso no bom sentido). Em suma, políticas de poder à parte, creio que precisamos nos voltar ao cerne da questão - o projeto de lei - e, parece-me, a solução seja abrir a discussão com a sociedade, pois só assim a regulamentação da profissão, se houver, pode ser realista. Abraços.
Sim, entendo. Minha referência às intenções ocultas dos filósofos em questão e à briga de poder entre entidades da filosofia nacional foi apenas para mostrar que não é apenas o projeto que tem que ser lido criticamente, mas também a campanha pela sua ridicularização. De fato, a ABF não é das instituições mais sérias e confiáveis. E não digo isso por causa daqueles títulos concedidos a personalidades de contribuição filosófica duvidosa (coisa que, posta no devido contexto, pode até ser associada a uma concepção heterodoxa do que "contribuição filosófica" significa), e sim porque a entidade em questão não tem nenhum histórico de envolvimento com o que se fez de mais sério nos quadros da filosofia nacional. Por isso, considero que a ABF jamais deveria ser levada seriamente em conta enquanto porta-voz da filosofia no Brasil. Agora, eu tampouco entregaria esse papel à Anpof. A Anpof, além de representar o núcleo mais conservador e carreirista da filosofia no país, seria a instituição mais inclinada a erigir uma série de critérios formais universitários altamente seletivos e manipuláveis para fins políticos como requisitos para participação como "filósofo" em projetos daquele tipo. E eu vejo a participação do filósofo em comissões interdisciplinares como algo extremamente positivo, a respeito do que deveria haver uma discussão séria. Hoje já é consensual (e legal) a necessidade da participação do profissional da filosofia em comitês de ética de hospitais e centros de pesquisa biomédica, mas o mesmo princípio que orienta essa participação deveria orientá-la também para os grandes projetos governamentais de desenvolvimento. E acho que mais uma vez a filosofia oficial uspiana está contribuindo para sabotar uma discussão séria e necessária, ao transformar uma discussão genuína numa simples briga de poder, ao ridicularizar o projeto e seus propositores em vez de discutir a ideia que está implícita nele. Foi realmente mais isso que quis enfatizar.
3 comentários:
Sobre a questão, três considerações que acho relevante que sejam levadas em conta:
1) A presença de um filósofo numa comissão interdisciplinar que se ocupe de grandes projetos nacionais não é necessariamente uma ideia absurda: Estudiosos da filosofia moral, da filosofia política, da filosofia social, da hermenêutica e da teoria crítica teriam muito a dizer sobre possíveis significados e impactos de obras desse tipo. Para dar um exemplo, filósofos que se ocupam de questões sobre sociedades pluralistas, desenvolvimento e solidariedade de pequenas comunidades teriam muito a dizer sobre a transposição do S. Francisco ou sobre Belo Monte. Bastaria que houvesse clara orientação disciplinar dos estudos do filósofo em questão para os temas éticos, políticos e sociais que costumam estar implicados em projetos desse tipo.
2) A ideia da regulamentação da profissão de filósofo se torna menos estranha se for associada à ideia anterior: Ora, se de fato se tornar obrigatória a presença do filósofo em comissões interdisciplinares que avaliam e orientam projetos do tipo já referido, então, nada mais razoável do que definir quem, para fins de contratação, deve ser considerado como filósofo. Não seria uma questão de definir quem pode ou não filosofar ou quem pode ter obras ou ideias suas consideradas como filosóficas, pois isso a lei jamais pode fazer. Trata-se apenas de definir, para fins burocráticos e licitatórios, quem poderia ser contratado como profissional da filosofia. O médico, o bombeiro, o lixeiro e o desempregado continuam, claro, sendo aptos ao pensamento filosófico e a dar importantes contribuições no cenário das ideias filosóficas. Apenas não poderiam ser contratados como filósofos profissionais nas comissões interdisciplinares de que se falou antes. Nada de absurdo nisso.
3) A oposição de professores como Gianotti e Janine Ribeiro ao projeto tem que ser levada em conta "cum grano salis": Os dois estão entre os principais representantes da filosofia uspiana e da Anpof, a Associação Nacional de Pós-Graduandos em Filosofia, entidade que controla o regime dos eventos filosóficos no Brasil, tem enorme influência sobre os setores da Capes que avaliam as faculdades de Filosofia e que certamente se sente bastante desprestigiada acadêmica e politicamente por qualquer projeto que parta da Academia Brasileira de Filosofia (uma entidade não universitária e carioca). Há nisso muito de polêmica política de reafirmação do status da Anpof e da filosofia paulista, e não apenas cuidado com a atividade filosófica em si mesma.
Nada disso precisa ter como consequência um apoio irrestrito ao projeto, mas são elementos que precisam ser levados em conta numa avaliação da sua razoabilidade.
André, eu tinha grande esperança que aparecesses por aqui, nesta postagem, tanto que coloquei um título provocativo, para ajudar.
Agradeço profundamente por ampliar a nossa compreensão sobre o caso, justamente o que eu esperava.
No mérito, o que me deixou preocupado foi ter entendido, não sei se com erro, que o projeto cria uma reserva de mercado para filósofos "oficiais", em cada obra. Isso seria no mínimo estranho. Na tua resposta, tu mencionas a presença deles em comissões deliberativas, o que é bastante diferente.
Gostei das ideias que expuseste nos itens 1 e 2, a despeito de minha convicção quanto a não convencerem a sociedade em geral. Quanto ao item 3, é importante para ilustrar as intenções ocultas dos personagens citados. Contudo, independentemente dessas intenções, bem como das do autor do texto, a Academia Brasileira de Filosofia é descrita como uma instituição de baixa credibilidade no que tange aos seus objetivos institucionais. E o presidente parece ser uma figura (e não digo isso no bom sentido).
Em suma, políticas de poder à parte, creio que precisamos nos voltar ao cerne da questão - o projeto de lei - e, parece-me, a solução seja abrir a discussão com a sociedade, pois só assim a regulamentação da profissão, se houver, pode ser realista.
Abraços.
Sim, entendo. Minha referência às intenções ocultas dos filósofos em questão e à briga de poder entre entidades da filosofia nacional foi apenas para mostrar que não é apenas o projeto que tem que ser lido criticamente, mas também a campanha pela sua ridicularização. De fato, a ABF não é das instituições mais sérias e confiáveis. E não digo isso por causa daqueles títulos concedidos a personalidades de contribuição filosófica duvidosa (coisa que, posta no devido contexto, pode até ser associada a uma concepção heterodoxa do que "contribuição filosófica" significa), e sim porque a entidade em questão não tem nenhum histórico de envolvimento com o que se fez de mais sério nos quadros da filosofia nacional. Por isso, considero que a ABF jamais deveria ser levada seriamente em conta enquanto porta-voz da filosofia no Brasil. Agora, eu tampouco entregaria esse papel à Anpof. A Anpof, além de representar o núcleo mais conservador e carreirista da filosofia no país, seria a instituição mais inclinada a erigir uma série de critérios formais universitários altamente seletivos e manipuláveis para fins políticos como requisitos para participação como "filósofo" em projetos daquele tipo. E eu vejo a participação do filósofo em comissões interdisciplinares como algo extremamente positivo, a respeito do que deveria haver uma discussão séria. Hoje já é consensual (e legal) a necessidade da participação do profissional da filosofia em comitês de ética de hospitais e centros de pesquisa biomédica, mas o mesmo princípio que orienta essa participação deveria orientá-la também para os grandes projetos governamentais de desenvolvimento. E acho que mais uma vez a filosofia oficial uspiana está contribuindo para sabotar uma discussão séria e necessária, ao transformar uma discussão genuína numa simples briga de poder, ao ridicularizar o projeto e seus propositores em vez de discutir a ideia que está implícita nele. Foi realmente mais isso que quis enfatizar.
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