terça-feira, 6 de março de 2012

Legislando sobre o legislado

Entendo o Diário do Pará, por razões óbvias, mas não sei a razão pela qual o jornalista Jorge Lourenço, da Agência Jornal do Brasil, decidiu dar destaque, na coluna "Informe JB", ao seguinte:


Bajula-se a deputada Elcione (que há anos deixou o sobrenome Barbalho, mas não deixou o apoio político do ex) por ter chegado à brilhante e inédita conclusão de que "o namoro configura relação íntima de afeto", de modo que as namoradas devem ser protegidas pela "Lei Maria da Penha", do mesmo modo que esposas e companheiras.

Muito bem, Flipper! Se a nobre deputada continuar nesse ritmo, daqui a poucos anos conseguirá inventar o fogo e a roda.

Desde que a "Lei Maria da Penha" entrou em vigor, em 2006, estava claro que as relações de namoro também são abrangidas pelos termos da lei, inclusive quando o vínculo não existe mais, salvo por algumas opiniões doutrinárias em contrário. Segundo Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, a norma legal incide sobre "qualquer agressão inserida em um relacionamento estreito entre duas pessoas, fundado em camaradagem, confiança, amor etc.", citando inclusive precedentes judiciais admitindo expressamente o namoro (In: GOMES, Luiz Flávio & CUNHA, Rogério Sanches. Legislação criminal especial. Coleção Ciências Criminais, vol. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 1072).

Em julgado recente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu:

"PENAL. HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADOS. APLICABILIDADE. INSTITUTOS DESPENALIZADORES. LEI N.º 9.099/95. ART. 41. CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO PLENÁRIO DO STF. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. I. A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça vem firmando entendimento jurisprudencial no sentido da configuração de violência doméstica contra a mulher, ensejando a aplicação da Lei nº 11.340/2006, a agressão cometida por ex-namorado. II. Em tais circunstâncias, há o pressuposto de uma relação íntima de afeto a ser protegida, por ocasião do anterior convívio do agressor com a vítima, ainda que não tenham coabitado. III. A constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha foi declarada no dia 24.03.2011, à unanimidade de votos, pelo Plenário do STF, afastando de uma vez por todas quaisquer questionamentos quanto à não aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei n.º 9.099/95. IV. Ordem denegada." (STJ, 5ª Turma HC 181217/RS — rel. Min. GILSON DIPP  j.  20/10/2011  DJe 04/11/2011)

Resta saber se o projeto da deputada foi provocado por ignorância ou por cara de pau, mesmo  o velho oportunismo de transformar algo óbvio ou repisado em uma lei nova, para se locupletar politicamente de algo sem valor.

Quanto ao jornalista que escreveu a nota, que feio! Totalmente zerado acerca daquilo sobre que noticia...

5 comentários:

Marise Morbach disse...

Tá ótimo Yúdice; você falou tudo: eles pensam que não sabemos as razões do que eles fazem: otários!

Yúdice Andrade disse...

Por isso sempre é bom dar uma escancaradazinha nas tramoias, não acha, Marise?

Frederico Guerreiro disse...

Mas Yúdice, os destinatários da notícia não são pessoas esclarecidas. Essa é a razão. O que está em joga é a imagem política da deputada perante o povão. E com esse desiderato a verdade importa?

Marise Morbach disse...

Acho sim Yúdice, desmistificar é sempre importante.

Yúdice Andrade disse...

No mundo da política, Fred, a verdade não está nem lá fora.

Então continuemos nessa faina, Marise.