Quando vi Guerra ao terror (The hurt locker, 2008), o filme em si e sua diretora, Kathryn Bigelow, estavam sendo aclamados pela crítica especializada, o que decerto aumentou a minha expectativa em relação à obra. Recordo-me do tédio que me acompanhou durante as pouco mais de duas horas, felizmente em casa, deitado em minha cama. Quando terminou, meu primeiro impulso foi me perguntar: "Afinal, esse filme trata do quê, mesmo?"
Nesse tempo todo, contudo, não criei nenhuma imagem pré-concebida em relação a Bigelow, que em 2010 venceu o Oscar de melhor direção por esse trabalho, desbancando o ex-marido, James Cameron, que naquele ano concorria com seu demolidor e controverso Avatar. Foi a primeira mulher a ganhar esse prêmio e também o Directors Guild Award, pelo mesmo trabalho. Devo dizer que respeitava e continuo respeitando Bigelow por se destacar numa atividade ainda predominantemente masculina (ser cineasta) e, ainda por cima, numa espécie de cinema exclusivamente masculina (filmes de guerra com forte apelo político).
Tão logo soube de A hora mais escura (Zero dark thirty, 2012), interessei-me por ele. Eu realmente queria conhecer uma visão interna e audaciosa sobre esse plurívoco episódio da história mundial, que em última análise interessa a todos nós. Não se trata apenas de Estados Unidos e nações muçulmanas. Quando um país de enorme capacidade militar e recursos financeiros decide que pode entrar em qualquer país para caçar seus inimigos, todas as nações ficam avisadas do perigo.
Muito em síntese, o roteiro se concentra em Maya, uma agente da CIA que trabalha no pequeno grupo de inteligência encarregado de encontrar e prender ou assassinar Osama Bin Laden, cognominado o homem mais perigoso do mundo, por ser o inimigo mais perigoso dos Estados Unidos. O que o filme mostra, basicamente, é a sucessão das investigações realizadas e o jogo de forças entre indivíduos investidos em tão singular e grave missão (o tempo todo à beira de um ataque de nervos). Mas o destaque dado a Maya é absoluto, como se o encontro de Bin Laden praticamente fosse obra exclusiva dela. Na cena final, o comentário de um militar sobre o avião que vai levá-la parece confirmar isso.
A hora mais escura é um filme muito bem construído, que revela a mão de uma cineasta competente. A plausibilidade do desenvolvimento da protagonista demonstra isso: uma mulher que começa aflita diante de sessões de tortura, mas que não fraqueja e, por fim, em parte como reação à morte de pessoas amigas pelos "terroristas", torna-se obsessiva quanto à morte do alvo. Decerto há muito da visão de mundo dos estadunidenses nisso, pois eles adoram herois patrióticos e obstinados. Além disso, o personagem é muito bem defendido pela atriz Jessica Chastain, que está em seu melhor momento, fazendo um monte de filmes e sendo elogiada por seus trabalhos. Aos 35 anos, a californiana que surgiu em 2010 fazendo um papel secundário, já tem 9 longas no currículo, entre eles Histórias cruzadas (dir. Tate Taylor), que a notabilizou, e o detestado pelo público A árvore da vida (dir. Terrence Malick). Foram 4 filmes só em 2011 e 3 em 2012. É a hora de ganhar dinheiro e consolidar seu lugar ao sol.
Contado com um tom algo documental, que inclusive divide a trama em capítulos com títulos exibidos ao público, o filme é corajoso em alguns momentos, como quando mostra imagens reais de Barack Obama, concedendo uma entrevista na qual afirma peremptoriamente que os Estados Unidos não torturam, a que se segue a expressão desconfortável no rosto de Maya, que o vê pela TV. Ou quando exploram o argumento de existência de armas de destruição em massa para justificar a invasão do Iraque, o que se revelou uma grande bola fora. Mas não é tanta coragem assim. O filme parece empenhado em deixar claro que o Congresso dos Estados Unidos agiu de forma implacável contra a tortura, porque esse não seria o meio de agir dos americanos. Mais de uma vez, afirma-se que Guantánamo e Abu Ghraib deixaram os militares em situação difícil, por isso não seriam mais possíveis interrogatórios com tortura. Aham, senta lá, Cláudia. Há uma clara preocupação em humanizar os objetivos dos americanos, tendo em foco os 3 mil inocentes mortos no 11 de Setembro e a sucessão de ataques da Al-Qaeda, em mais de um país.
Quando a projeção chegou a uma hora e meia, comecei a olhar o relógio. Àquela altura, o esconderijo onde Bin Laden foi encontrado já havia sido identificado pelos americanos, que no entanto tomaram inúmeras cautelas antes de autorizar a missão de execução sumária. Completaram-se as duas horas quando a operação foi finalmente deslanchada e, a partir daí, o filme mergulha na sua apoteose, de tal maneira que mesmo os félas que passaram a sessão toda batendo papo silenciaram, ou assim me pareceu. Quando olhei de novo o relógio, eram 19h10 e eu simplesmente não percebera o tempo passar. Ao todo, são 2h37' de exibição, mas parece menos.
No final das contas, é um bom filme. E me mostrou que, não tem jeito, eu sou mesmo um humanista. De tudo o que foi exibido, a cena que mais me afetou foi uma em que o torturador oferece água e comida a um "terrorista". Após tanto tempo de maus-tratos físicos e psicológicos, ao ver a água, o homem agarra a garrafa e não consegue reprimir as lágrimas. O sofrimento humano. Naquela hora, eu me senti um merda.
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