Várias foram as recomendações para que eu visse o filme Confiar (Trust, dir. David Schwimmer, 2010), inclusive de publicações jurídicas. O tema não poderia ser mais atual: uma adolescente de 14 anos é cooptada por um sujeito de mais ou menos 35 em salas de bate papo. Ele se faz passar por um garoto de 16, depois vai aumentando a idade e administrando a surpresa da menina, até que ocorre o encontro e, nele, o ato sexual.
Você já começa o filme sabendo que vai se sentir mal ao longo da exibição, mas há elementos nele que tornam a sensação pior. Logo de cara, o que se vê é uma família de classe média muito bem ajustada, com pais presentes na vida de seus filhos e estes, por sua vez, bem educados. Em vez do tradicional perfil de jovens aborrecentes e perenemente envergonhados dos pais, eles são carinhosos e receptivos. Annie, a protagonista, faz toda a família saber de seus contatos com o tal de Charlie e mostra para a mãe o sutiã audacioso que comprou por influência de uma patricinha da escola.
Ou seja, não faltou educação familiar, apoio, amizade. Os Cameron vivem brincando uns com os outros e se nota que são felizes como família. Nada disso, porém, impede o que está por vir. A sensação que isso provoca não é nada confortável.
Aí vem Charlie, na verdade um professor de Física, casado, como se descobre depois. Obviamente um manipulador nato, ele leva apenas dois meses para enredar Annie em sua teia. Consegue vencer em questão de minutos o susto da garota ao descobrir que ele tem 20 anos e depois 25, ao mesmo tempo que insiste em jogos sexuais por telefone. Quando se encontram e ela vê que um homem bem mais velho, recorre habilmente ao discurso de pensei que você fosse mais madura para perceber que, quando duas pessoas estão conectadas como nós, essa coisa de idade simplesmente não importa. E aí touché!
Acredito que a notoriedade do filme foi estimulada pelo modo didático como aborda a técnica de sedução do pedófilo, os cuidados que esses vagabundos tomam para apagar seus rastros e como as autoridades investigam. Didático, porém sem chatice. A trama é contada com um apelo humano muito mais destacado e sincero. Reflexo, certamente, do fato de que o diretor está ligado à Rape Foundation, instituição que apoia vítimas de abuso sexual, notadamente adolescentes e estudantes. Isso pode explicar o tom de check list que a narrativa acaba tendo.
O FBI (que investiga o caso por se tratar de um suspeito com atuação interestadual) informa que Annie é pelo menos a quarta vítima do falso Charlie. Enquanto as autoridades agem, com o apoio dos pais, a família começa a desmoronar, porque a menina não compreende que foi estuprada: ela acredita que o homem a ama de verdade e acha que os pais estão afastando o casal. Este é outro aspecto importante, porque os muito moralistas e muito burros negarão ter havido estupro, afinal a garota foi com as próprias pernas para um quarto de motel, teve a oportunidade mas não gritou, não pediu socorro e, uma vez liberada, nada fez. Há uma cena no filme que destaca isso.
A certa altura, em uma cena angustiante, Annie finalmente entende que foi estuprada. Sua angústia, contudo, está só começando. Afinal, algum colega de escola aproveita para publicar uma montagem na qual ela apareceria transando. Eu e Polyana, embora sem surpresa, ficamos impressionados com a capacidade humana de fazer o mal e tomar isso como uma simples brincadeira. E lamento dizer, mas os jovens são campeões disso. Não consigo compreender e muito menos tolerar. Alguém que faz isso deveria ser exemplarmente punido.
Daqui não devo passar, a menos que contasse o desfecho que a estória tem, o que não deve ser feito. Confiar é um filme para ser visto por pais e, principalmente, pelos jovens, hoje permanentemente pendurados em gadgets como se disso dependessem as próprias vidas. Absurdo, mas real e provavelmente irreversível.
Numa rápida pesquisa pela internet, achei umas críticas negativas. São críticas de cinema. Ignore esses pseudointelectuais e se concentre nos fatos e em sua importância social. É um filme que vale a pena ver.
3 comentários:
Obrigada pela dica, Yúdice!!!
Assistirei.
Nossa! Vou assistir correndo! Valeu a dica.
Sâmia Silva.
Ah! Adorei a última da Júlia.
Também achei o filme muito bom professor. Quando assisti lembrei de casos parecidos que tive contato estagiando na promotoria da Infância e Juventude. O filme causa mesmo uma sensação horrível, mas que infelizmente é realidade.
abs.
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