quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Reconhecimento público de um grave sintoma


O presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do
Brasil, Wadih Damous, irá enviar uma proposta ao Conselho Federal da OAB para a
inclusão permanente de uma cadeira específica de Direitos Humanos na grade curricular
das faculdades de Direito.
Segundo Damous, é importante que a OAB incentive o governo, por meio do Ministério da
Educação (MEC), a implantar a cultura de Direitos Humanos em todas as áreas possíveis,
particularmente no âmbito da administração pública. "É urgente que o país tenha condições
de formar quadros de qualidade na área de Direitos Humanos em todo o país", afirmou.
A proposta foi sugerida pela seccional fluminense da OAB e deve ser encaminhada ao
presidente da entidade, Marcus Vinícius Furtado, para que o Plenário do Conselho Federal
possa decidir pelo encaminhamento do pleito ao Ministério da Educação.
Marcelo Chalréo, presidente de Direitos Humanos da OAB-RJ, disse que a Comissão de
Direitos Humanos precisa atuar de forma propositiva, interferindo na ampliação dos espaços
de debates e de defesa dos direitos humanos. "Vamos buscar parcerias com a Escola
Superior de Advocacia (ESA) e com as faculdades para promover seminários e cursos de
Direitos Humanos, que integram uma grande pauta com inserção nos mais variados temas",
disse Chalréo.
"Nossos colegas têm, em geral, formação humanística muito rala, pouco se discute o tema na
universidade. Acredito que a Ordem possa desempenhar um papel importante nesse debate e, posteriormente, quem sabe, pleitear ao Ministério da Educação a inserção de uma cadeira
específica nas faculdades", concluiu.
Revista Consultor Jurídico, 27 de fevereiro de 2013

Fonte: http://www.conjur.com.br/2013-fev-27/ensino-direitos-humanos-incluido-faculdades-direito

Causa-me espécie que, em 2013, ainda haja algum curso de direito no país que não dedica atenção ao tema dos direitos humanos, como conteúdo autônomo. Especulo que quem assim se porta também não se preocupará em garanti-lo sequer como tema transversal, de modo que, no máximo, essa questão seminal ao Estado democrático de direito há de passar sumariamente ignorada pelos 5 anos da graduação. Um acinte.

Num país que viveu mais de duas décadas de ditadura militar; que consolidou uma vitoriosa mentalidade autoritária em todos os níveis de poder e mesmo entre os cidadãos comuns, como se pode ver pelo fato de que as famílias viram espaços de poder, a escola vira espaço de poder, os namoros viram espaços de poder, etc.; cujos cidadãos se comprazem com a violência e a estimulam, quando veem nela alguma utilidade pessoal ou classista; enfim, num país que ainda precisa tanto evoluir em termos de humanidade, os profissionais que deveriam ter essa premissa como norte principal muitas vezes são formados de costas para ela.

O motivo, previsível, é que uma quantidade extraordinária de cursos é do tipo caça-níqueis, destinando-se a formar gerações de concurseiros que se comprazem em acumular informações normativas, ótimas para vencer as provas objetivas de primeira fase (ridículas, em sua esmagadora maioria). Para isso, basta ter na cabeça um HD que retenha dados, embora falte um processador capaz de transformar esses dados em informação útil, sistematizada e acima de tudo crítica. Resulta daí que esses cursos não são concebidos para fazer ninguém pensar e muito menos sentir.

Meu grande alento é saber que os cursos de direito de Belém preocupam-se bastante com os direitos humanos, até porque o Pará, desgraçadamente, é campeão em violações a eles. De forma ainda mais particular, alegra-me saber que a instituição na qual leciono tem nos direitos humanos um pilar dos projetos de curso, tanto da graduação quanto do mestrado. E até criou, junto ao seu Núcleo de Prática Jurídica, uma equipe dedicada especificamente à matéria, da qual já falei em várias ocasiões, equipe essa bicampeã nacional da competição do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Agiu bem a OAB, ainda que tardiamente. E é bom que ela encampe essa causa com veemência, porque as instituições recalcitrantes certamente não atenderão ao apelo se não forem obrigadas a isso.

PS  Como vivo cercado por concurseiros e hoje em dia todo mundo vive com os nervos à flor da pele, esclareço que minha crítica não se dirige a quem pretende passar num concurso, e sim a quem elabora as provas dos mesmos esmerando-se em fazê-lo da maneira mais tosca e decoreba possível.

3 comentários:

Anônimo disse...

O problema nem é só da falta de interesse das faculdades, muitas até tentam, mas existe uma grande resistência até social, alimentada pelos Datenas (nacional) e Anaisses (local) da vida, pra quem Direitos Humanos são (velho clichê) "pra bandido", ou que "Direitos Humanos deveriam ser para humanos direitos".

P.s. - para evitar o trabalho do dono do blog ter que se referir como "anônimo das X horas", vou usar o pseudônimo de "Marajoara" daqui pra frente (já postei várias vezes como anônimo aqui no blog).

Yúdice Andrade disse...

Na verdade, eu acho engraçado chamar de "das X horas", mania que peguei do saudoso Juvêncio de Arruda. Mas realmente é melhor ter um nome para chamar, inclusive porque eu saberei que se trata de alguém com quem já falei antes.
Agradeço a atenção que tem dispensado ao blog e, quanto ao mérito, naturalmente concordo. Agora avalie a minha situação, tendo que atuar numa área em que as pessoas são diária e intensamente estimuladas a repudiar o que digo!

Anônimo disse...

Entendo perfeitamente, porque também sou professor e também abordo o tema com grande dificuldade. Fazer alguém entender que os Direitos Humanos lhe beneficiam e não lhe prejudicam deveria ser fácil, mas não é.

Marajoara.