O Portal R7 decidiu, como disse de si mesmo, passar um "pente-fino" na vida de alguns conhecidos políticos brasileiros. Mas o modo como a matéria foi construída me pareceu tendencioso e cheio de objetivos inconfessáveis, além de revelar incompetência dos autores.
Esclareça-se, de saída, que cada quadro contém uma síntese chamativa e, abaixo, um texto mais detalhado, que talvez muitos não leiam. Portanto, o texto destacado é o que deve impressionar o público. Resulta daí que a primeira penteada, a presidente da República, Dilma Rousseff, fica mal na foto, quando se diz que ela foi jubilada pela Universidade Federal de Minas Gerais e não conseguiu concluir o doutorado. Só abaixo se explica que ela foi jubilada no curso de Economia, nos anos 1960, como retaliação pelo envolvimento com "organizações de esquerda". E o doutorado, iniciado em 1998, não foi concluído porque — a afirmação é minha — ela já estava plenamente envolvida com cargos públicos.
O segundo da lista é o vice-presidente, Michel Temer, da graduação ao doutorado em Direito nas universidades paulistas que comandam este país. O texto destaca que ele publicou livros, sendo o último de poesia.
O terceiro é o presidente do Senado, Renan Calheiros, formado em Direito e que "não voltou mais às salas de aula". O jornalista comete um erro lamentável ao destacar que o nome de Calheiros não aparece no Cadastro Nacional de Advogados, "relação que aponta os bacharéis que prestaram e foram aprovados no Exame da Ordem" (sic). De saída, a palavra bachareis hoje se escreve sem acento. E em 1982, ano em que o insuspeito alagoano colou grau, não havia exame de Ordem! A controversa prova somente se tornou obrigatória em 1995. Por conseguinte, advogados mais antigos devem aparecer no cadastro nacional, mesmo sem jamais terem feito a prova. É direito adquirido. Outrossim, uma vez que Calheiros não exerce a advocacia, para que manter o registro ativo? Compreensível que se tenha licenciado.
Bobagem semelhante é dita de Henrique Alves, presidente da Câmara dos Deputados e graduado em Direito no ano de 1972, e do também deputado federal José Sarney Filho, graduado em Direito e Economia. Pode-se dizer muita coisa desses caras, mas aqui não há razões para vislumbrar irregularidades.
Do senador José Sarney, diz apenas que se graduou em direito em 1953 pela Universidade Federal do Maranhão e destaca sua atividade como escritor. Do deputado federal Paulo Maluf, engenheiro civil, destaca que suas obras não "fechavam as contas" e custavam caro demais.
Elogiado como "bom aluno", o atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, graduou-se em Direito, cursou mestrado em Economia e doutorado em Filosofia, tudo na USP, onde lecionou ciência política. Foi ministro da Educação de 2005 a 2012. Outro a merecer elogio foi o senador Eduardo Suplicy, por gostar da vida acadêmica a ponto de, "apesar de sua intensa rotina de senador", continuar professor na Fundação Getúlio Vargas, onde se graduou em Administração. Suplicy também cursou Economia na Universidade Estadual de Michigan (EUA). Um terceiro elogiado é Gilberto Kassab, cuja vida escolar foi bem sucedida por "mérito próprio" e não por causa do pai diretor da escola.
O deputado federal Acelino "Popó" Freitas foi elogiado porque, não tendo podido estudar na época oportuna, preocupou-se em fazê-lo quando teve chance. Mas a vida política o levou a trancar a faculdade de Direito. Hoje faz um curso não presencial de gestão pública. Como Dilma, quem ler só o quadro pode ficar com má impressão.
Já José Serra teve destacados a sua graduação em Engenharia pela Escola Politécnica da USP, dois mestrados em Economia (Chile e EUA) e doutorado em Economia (EUA), além de ter sido professor da UNICAMP. Mas foi sacaneado com a indicação de que seu cargo é "ex-candidato".
Naturalmente, o deputado federal Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, foi lembrado. Destacou-se a investigação eleitoral sobre seu possível analfabetismo. O texto afirma que ele chegou a ser processado pelo crime de falsidade ideológica, mas não menciona que o processo não foi adiante.
Outro que não poderia faltar era o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, cuja proficiente carreira acadêmica e atividade como escritor foi bem descrita, destacando o fato de ter sido apontado como um dos cem maiores intelectuais da atualidade pela revista Foreign Policy.
A última presença óbvia era Luís Inácio Lula da Silva, cujo orgulho de ter cursado apenas a "faculdade da vida" é público e notório.
Assumindo um tom moralista, dando a entender que todos são obrigados a buscar títulos acadêmicos, mesmo que suas vidas não os conduzam a atividades acadêmicas, o texto reclama dos que puderam mas não se "aprimoraram", tal como o senador Fernando Collor (graduado em Economia pela Universidade Federal de Alagoas em 1972).
Há outras figurinhas de menor destaque na matéria, que pode ser lida aqui.
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