terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Nós queremos acreditar

Sempre me chamou a atenção o elevadíssimo interesse que as pessoas, de um modo geral, possuem pelas questões da vida após a morte. Pelo que entendo, elas sentem necessidade de acreditar numa vida que suceda a esta; afinal, é singularmente aflitivo imaginar a ideia de aniquilação total. Queremos prosseguir e queremos fazê-lo conscientemente. Reflexo disso, produtos dramatúrgicos que exploram temas transcendentais são fáceis de angariar apelo popular e, ainda mais interessante para mim, a atenção aumenta quanto menos fantasiosa é a trama.

Claro que posso estar totalmente errado em minha interpretação, mas tenho a impressão de que as pessoas não buscam um mundo de anjos e demônios, fadas e outras criaturas mágicas. Elas se interessam por concepções mais plausíveis, mais próximas de si mesmas. Elas se interessam pela situação dos indivíduos comuns no plano espiritual, ou seja, querem saber como seria lá para elas mesmas. É inevitável para mim, que sou espírita, pensar no Espiritismo, porque sistematizou conhecimentos sobre o tema, usando método científico para fazê-lo.

Não existe, entretanto, nenhuma razão para eu acreditar que os estadunidenses tenham voluntariamente procurado informações espirituais sistematizadas e, menos ainda, por Allan Kardec. Trata-se de um país basicamente evangélico, com uma inclinação absurda a tratar fenômenos supramundanos com a mesma objetividade que teriam em relação a fenômenos físicos óbvios. Não tem como dar certo. Justamente por isso, fico impressionado com casos em que os roteiristas estrangeiros parecem seguir à risca a cartilha espírita, porque provavelmente a desconhecem.

Em 1995, Mel Gibson e, em 2000, Ridley Scott recorreram a uma mesma estratégia. Os protagonistas de seus filmes, Coração valente e Gladiador, são homens valorosos que lutaram por justiça e se sacrificaram pelo bem dos semelhantes. Quando morrem, ambos vítimas da crueldade que combateram, são recebidos no mundo espiritual exatamente pelas pessoas que mais amavam. William Wallace é recebido pela esposa Murron, outra vítima da mesma brutalidade. E Maximus recebe a acolhida da esposa e do filho, também trucidados a mando do Imperador Commodus.

Coração Valente: Murron e Wallace vivem seus momentos mais felizes na floresta
em torno da aldeia onde moram e ali se reencontram

Gladiador: A esposa mostra ao filho que o homem que se aproxima,
no belíssimo campo que circundava o lar da família, é seu pai

É particularmente interessante que, em ambos os filmes, o despertar espiritual dos personagens ocorre na paisagem que lhes era mais familiar. A doutrina espírita realmente ensina que os Espíritos plasmam, em torno de si, os cenários que conhecem ou que são capazes de compreender. É por isso que um Espírito perturbado, que acredita no inferno, pode realmente acordar num lugar repleto de fogo e criaturas de chifres e rabos pontudos, exatamente como nas representações mais caricatas das profundezas. Se Wallace e Maximus estavam em paz, a melhor forma de garantir que se sentissem bem era levá-los de volta para casa.

Estratégia cênica semelhante foi vista recentemente, no fabuloso musical Os miseráveis, de Tom Hooper. Na cena final, Jean Valjean, outro heroico defensor da justiça, que colocou sua vida em risco diversas vezes em favor de terceiros, está morrendo quando Fantine ressurge para auxiliá-lo no momento extremo. Ela o tranquiliza e é, por assim dizer, sua madrinha no período de transição. A tarefa coube a Fantine porque ela era a pessoa mais agradecida a Valjean por seus feitos, em especial ter proporcionado uma vida feliz a sua filha Cosette. Estando ela bem estabelecida no mundo espiritual, razoável que lhe coubesse prestar o auxílio que expressaria a sua gratidão.

Na TV
Por sua própria natureza, o aclamado seriado Arquivo X não poderia abdicar de referências religiosas e espirituais. Na segunda temporada, Dana Scully (era sempre ela quem levava o destempero) fica entre a vida e a morte após uma abdução alienígena. Tem uma experiência de quase-morte, tema instigante que desperta grande interesse científico. Ali a cartilha espírita funcionou de novo. Nas sequências, Scully aparece num lugar que não é vida nem morte, onde lhe aparece a pessoa que lhe era mais importante cara, falecida no anterior sem lhe esclarecer se tinha orgulho dela: o pai, William. É ele quem a orienta, ajudando-a a ficar em paz consigo mesmo e a ajuda a voltar.

Arquivo X: o Capitão William Scully é o instrutor da filha,
durante o tempo em que ela pende entre a vida e a morte

Os roteiristas do seriado cult encontraram uma bela metáfora para demonstrar a experiência de quase morte da personagem: ela aparece sozinha num pequeno barco, no meio de um lago, preso à margem por uma corda que pode romper a qualquer momento. À certa altura, fala-se em soltar a corda, mas a necessidade de retornar prevalece.

De preto e sempre calada, Scully paira sem reação em meio ao lago e às brumas...
...e da margem é observada pelos familiares em versão infantil, uma contemplação do passado.

Eu me questiono se há alguma tendência inata de quem pensa sobre essas questões em encará-las de modo tão convergente. Afinal, se o roteirista não leu obras sobre o tema, como foi possível conceber uma narrativa tão adequada? O recurso mais previsível — o túnel com uma luz forte ao final, normalmente mencionado por quem experimentou uma EQM — não aparece no episódio. O que aparece tem fundamento. Vindo de onde?

É possível que eu esteja especulando demais. Mas sustento a minha premissa: se o roteiro fala de perspectivas de nossa existência em outro plano, isso acaba dando audiência.

2 comentários:

Jesiel Lopes disse...

Sugestão de amigo espirita: assista Paranorman e me relate suas impressões. Abraços, Jesiel.

Yúdice Andrade disse...

Gostaria de ter visto no cinema, mas foi outra oportunidade perdida para as contingências. Veremos em algum momento, com certeza. Assim que tiver uma opinião, posso compartilhá-la.