sexta-feira, 25 de abril de 2008

Apelação de réu foragido

O Código de Processo Penal determina que "o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livra solto" (art. 594). Determina, também, que "se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação" (art. 595). E para quem não sabe, deserção é uma condição que impede o conhecimento do recurso.
O CPP, que é de 1941, mostra nitidamente que a regra do processo penal era a prisão. Bastava o sujeito ser acusado de um crime e poderia ser preso, tanto é que uma das condições por meio das quais pode responder ao processo solto se chama "liberdade provisória", como se um direito fundamental do indivíduo pudesse ser concedido de forma provisória.
Nesses 67 anos, o CPP sofreu diversas alterações pontuais, mas uma reforma de verdade, jamais. Há projetos e mais projetos, porém nada que mereça a atenção dos senhores congressistas, ocupados com assuntos que julgam mais relevantes. Com isso, permanecemos com uma legislação arcaica, que emperra o processo, num mundo que viu explodir a quantidade de seres humanos, de criminosos e de ações penais.
Nenhuma mudança de fundo foi feita sequer com a Constituição, que já vai completar 20 anos, e que mudou a sistemática, sedimentando que a liberdade do réu, até a condenação transitar em julgado, é a regra.
Enquanto a lei não muda, o Judiciário faz o que pode. Há dois dias, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, consolidando jurisprudência já firmada perante as 5ª e 6ª Turmas daquela Corte, aprovou a Súmula 347, com a seguinte redação:

“O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão”.

O Supremo Tribunal Federal tem-se pronunciado sobre a desconformidade do art. 595 do CPP com a Constituição, por violar a garantia constitucional da ampla defesa. Afinal, fugir também faz parte da defesa, como recentemente foi destacado pelo Ministro Marco Aurélio, numa declaração que irritou os brasileiros em geral, mas que tecnicamente está correta. Há quem afirme, inclusive, que a fuga expressa o direito natural do indivíduo de se proteger.
Antes que a tchurma proteste contra mais uma teoria-que-protege-bandidos, a solução é simples, em tese: basta o Estado não dar condições de fuga ao acusado. Mas isso, claro, exigiria um Brasil melhor do que é.

2 comentários:

Anônimo disse...

Bela interpretação sumulada para proteger bandidos, dirão alguns.
Mas para a mídia nacional, isso não serve no caso da menina Isabella. Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá já estão inapelavelmente condenados pela imprensa, que provoca a "opinião pública".
Se a perseguição continuar (e não vai parar...), eles vão acabar fugindo. E assim poderão apelar tranquilamente.
Pobre Brasil.

Yúdice Andrade disse...

Seria uma ironia e tanto, não? Todavia, não creio que eles possam fugir. Podem até fugir, mas não teriam sucesso. Para certas coisas, não basta coragem e dinheiro.
Devido à superexposição midiática, seus rostos são conhecidíssimos e a imprensa enlouqueceria se os perdesse de vista. Eles seriam rastreados implacavelmente. A única chance seria fugir do país, mas aí teriam a Interpol no seu encalço. E com a Interpol não rolaria jeitinho.
Esses vagabundos de altíssimo coturno, que dilapidam o patrimônio do povo brasileiro e fogem, conseguem demorar no exterior em geral porque são ligados a esquemas criminosos grandiosos. Têm gente poderosa a esquentar-lhes as costas. Mas quem são Nardoni e Jatobá? Apenas dois sujeitos comuns que, um dia, fizeram o que não deviam.
Não creio que eles disponham de dinheiro, infraestrutura e até estabilidade emocional suficientes para enfrentar uma vida subterrânea.