segunda-feira, 25 de junho de 2012

Muito trabalho para nada

A doutrina mais moderna sustenta que o Direito Penal deve ser empregado somente em casos de extrema necessidade, quando outros mecanismos sociais, e inclusive jurídicos, revelem-se insuficientes para resolver o problema. Trata-se do princípio da subsidiariedade ou ultima ratio. Posso lhes oferecer um exemplo de situação em que esse princípio ainda não é, mas deveria ser aplicado.
O art. 1º, VI, do Decreto-lei n. 201, de 1967, considera crime de responsabilidade dos prefeitos "deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município à Câmara dos Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos".
Como no Brasil ninguém confia em ninguém e há boas razões para isso, mormente na gestão pública , aposta-se numa legislação exaustiva, insana, porque brasileiro também é louco por uma burocracia. Acredita-se que uma montoeira de regras e documentos dificultará a violação da lei. Ledo engano. Primeiro porque vagabundo sempre encontra uma forma de burlar a lei. Segundo, porque quanto mais complicado é o ordenamento, mais fácil é transgredi-lo. A consequência é que mil e uma razões podem existir para que o prefeito não apresente os documentos dentro do prazo.
No caso específico do Pará, as imensas distâncias, as péssimas condições de transporte, a quase inexistência de recursos tecnológicos em diversas regiões e a própria pobreza dos Municípios cria dificuldades ingentes para o cumprimento irrestrito das regras legais. Já vi casos em que o prefeito se defendeu dizendo que o Município não dispunha de contadores e era obrigado a contratar profissionais na capital. Somando-se a isso a dificuldade do transporte dos documentos para os contadores analisarem, a perda dos prazos era inevitável. E sabemos que situações assim são verdadeiras.
O fato é que, no final das contas, os documentos relativos à execução orçamentária são efetivamente apresentados, a despeito da demora. Resultado? O próprio Ministério Público pede a rejeição da denúncia, pela perda do interesse de mover a ação penal e também pela inexistência de crime, já que não houve dolo em omitir informações obrigatórias, por parte do prefeito. Com isso, inúmeros processos são iniciados e depois extintos, uma demanda que poderia simplesmente não existir, sem prejuízo ao interesse público, se as regras fossem outras.
É a velha mania de achar que o Direito Penal resolve tudo. Muito ao contrário, ele dificulta, porque suas consequências são mais graves e, por isso, são reforçados os direitos de defesa. Regras de cunho meramente administrativo podem ser muito mais rápidas e eficientes, assegurando a fiscalização da gestão orçamentária e sem gerar processos inúteis.

4 comentários:

Rafaela Neves disse...

Já dizia Belchior:

"O rinoceronte é mais decente do que essa gente demente do Ocidente tão cristão".

Bjs

Yúdice Andrade disse...

Rafaela, isso é tão profundo que eu simplesmente não entendi.

Rafaela Neves disse...

Professor, permita-me explicar.

O rinoceronte é um herbívoro que usa de suas fezes e urinas para demarcar fronteiras territoriais e a liderança do macho-dominante. Por usar destes artíficios para a demonstração de poder e superioridade, costuma-se dizer que é um dos animais mais "nojentos", pois os outros rinocerontes, que não os dominantes, são obrigados a executar suas necessidades fisiológicas de outro modo, pois somente o macho dominante o pode fazer do modo mais "comum".
No citação em análise, ela advém da música "Bahiuno" do cantor Belchior, na qual conta um pouco de sua história de vida, de quando saí do nordeste, abandonando o curso de medicina, para ser cantor no sudeste. Nisso, ele faz uma análise sócio-existencial através de duas comparações:
1a) A primeira comparação dar-se-á com a Babilônia, império-símbolo de exílio, cativeiro e devastação, que se para uns representou um sonho, o ideal, para outros, constituiu como a própria bárbarie e catástrofe.
2a) A segunda comparação dar-se-á com o modo de vida e com a sociedade em si, que se diz racional frente aos outros animais da natureza, entretanto suas atitudes revelam o próprio desprezo para com os seres humanos e o apego à ganância, ao poder nas formas de discriminação.
E isso tudo forma uma metrópole violenta que usa desses artifícios para punir, "exterminar seus miseráveis" e resolver seus problemas.

Daí, ao ler sua postagem sobre a crença de que o Direito Penal resolverá tudo, veio tal trecho a minha mente, tendo em vista que além de retardar e complicar a efetiva resolução, produz efeitos mais graves à própria sociedade.

Ps: acho que fui muito extensa né? Espero que o senhor tenha entendido.

Bjs

Rafaela Neves disse...

PS 2: Há mais reflexão neste trecho, mas o que, humildemente, eu entendi e quis lhe explicar foi isso.

Bjs