quarta-feira, 27 de junho de 2012

Reforma do Código Penal XXII: massa gorda por massa magra

Quando uma pessoa começa a fazer atividade física regularmente, para emagrecer, a gordura acumulada diminui, porém os músculos se desenvolvem. Há casos em que o indivíduo aumenta de peso, como se diz no popular, porque o correto é massa, mas isto pela substituição da gorda pela magra.
Valho-me da analogia acima para sugerir a primeira sensação que me ficou após passar apenas uma vista d'olhos sobre o anteprojeto de novo Código Penal. Ele sobe dos atuais quase 400 artigos (o número final é 361, mas existem os artigos identificados por números e letras) para 543, o que sugere uma engorda. Mas, bem ao contrário, ele está muito mais enxuto. A aparente contradição se explica pela abolição de uma quantidade enorme de tipos penais, como já havia sido anunciado pela comissão de notáveis. Em alguns casos, títulos inteiros foram suprimidos, tais como o que versava sobre os crimes contra a organização do trabalho. Aplicando o princípio da ultima ratio, a ideia é que essa espécie de conflito seja resolvida em outras instâncias, pelos Direitos Administrativo ou do Trabalho, deixando de fora o sempre inconveniente Penal.
Os abdominais também aboliram tipos inócuos ou inconvenientes. Sumiram, p. ex., os crimes de perigo de contágio de doenças e figuras como rufianismo e casa de prostituição, delitos sexuais mantidos pela Lei n. 12.015, de 2009, portanto uma alteração legislativa recente.
A larga expansão do CP se explica pela decisão de trazer, para dentro desta única lei, os tipos penais previstos na vasta coleção de leis especiais, algumas delas bastante antigas, com décadas de existência. Como sabemos, quanto maior a quantidade de leis, maior é a dificuldade para interpretá-las e aplicá-las. A existência de um corpo legislativo uniforme é um sonho ao qual todo jurista aspira  menos, é claro, aqueles que ganham dinheiro com a confusão.
Assim, passam para o CP delitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Defesa do Consumidor, Estatuto do Idoso, Estatuto do Torcedor, Código Eleitoral, Código de Trânsito, Lei de Crimes Ambientais e numa série de outros diplomas menores. Numa atitude corretíssima, os juristas sustentam a ideia de reserva de código: "as normas em matéria de crimes e penas devem ser objeto de modificação ou integração do texto do Código Penal". Criam, assim, um mecanismo para que os legisladores do futuro não elaborem leis esparsas, bagunçando de novo o sistema.
Após a minha rápida observação, a sensação com o trabalho dos juristas era de empolgação. Mantenho minhas entusiasmadas homenagens, apesar de suscitar, aqui e ali, algumas ressalvas, o que é perfeitamente natural. Achei de uma bobagem sem tamanho, p. ex., comprometer a melhor divisão em títulos e capítulos apenas para preservar a numeração de crimes como homicídio (121) e estelionato (171), porque seriam tradicionais e integrariam um tal de '''patrimônio imaterial' dos aplicadores e estudiosos do Direito Penal". Eu já estava animado com a nova numeração e acho que esses estudiosos sejam tão toscos a ponto de precisar de um mesmo número. Mas, enfim, isso importa quase nada.
Agora é analisar o texto do anteprojeto e sua exposição de motivos. Felizmente as férias vêm aí, para me permitir essa tarefa.

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