A primeira página de Marina contém uma nota do autor, esclarecendo que aquele é seu quarto romance, originalmente lançado na Espanha em 1999 e "provavelmente" o seu favorito entre todos os que escreveu. Claro que isso impacta o leitor, que se recorda de O jogo do anjo (seu título mais famoso por estas bandas) como uma ótima experiência literária e vê o melhor de todos os críticos da obra colocando-a num plano secundário.
Carlos Ruiz Zafón prossegue sua explicação dizendo que seus quatro primeiros livros foram publicados como literatura juvenil e que durante anos não dispôs de seus direitos de publicação devido a uma disputa judicial. Resolvida a perlenga, os romances estão voltando a ser publicados, o que é uma grande notícia para seus leitores.
Minha relação com este livro começou de maneira abrupta: após tomar café da manhã com Júlia, ela dobrou para o lado errado e quis entrar numa livraria (porque gosta de um enfeite em forma de crânio que existe numa prateleira). Fui buscá-la porque não estava em meus planos entrar na livraria, mas meus olhos alcançaram o nome "Zafón" através da vitrine. Entrei na hora e já peguei o volume. A compra estava decidida embora jamais houvesse antes escutado sobre a obra. De propósito, não procurei saber nada sobre a trama antes de me dedicar a ela.
Em síntese, Óscar Drái é um adolescente de 15 anos que vive isolado da família, numa escola religiosa que funciona em regime de internato. Um lugar que não é um hotel, mas também não é uma prisão, segundo lhe diz seu tutor na instituição. Por isso, o rapaz não encontra dificuldades para escapulir sempre que quer e, com isso, encontrar seu maior prazer, que é vasculhar os recantos da Barcelona de 1980. Zafón é apaixonado por sua cidade e deixa isso claro em suas obras.
Numa dessas andanças, Óscar invade uma residência e acaba por tomar um enorme susto. Foge levando um relógio de ouro e, como é um menino decente, volta para devolver. É assim que conhece Marina, moradora da mansão que parecia abandonada. Ela tem 16, é linda como toda personagem importante de romances (ainda mais dos juvenis) e o oprime com sua energia e inteligência. Fica claro que aquela relação o fará crescer muito e rapidamente. O pai da moça é Germán e logo surge uma forte amizade ali, cujos detalhes mais vale ler na fonte do que ouvir falar.
Marina é um romance de suspense e de realismo fantástico, confirmando o estilo do autor. A sua linguagem, ágil e repleta de imagens lúdicas, remete aos filmes de aventura envolvendo adolescentes (lembre que Zafón é roteirista de cinema). É perceptível o tom mais jovial e algo iniciante do autor, mas isso não chega a ser um problema, porque como o protagonista e a Titelrolle são de fato adolescentes, fica tudo muito adequado, como se o narrador estivesse mergulhado naquele universo de transição e desassossego interior. O tom de O jogo do anjo é claramente mais sombrio, como se o escritor estivesse enfim chegando à maturidade.
Marina não chega a ser original e uma pessoa acostumada ao estilo, na literatura e no cinema, pode considerar algumas passagens bastante previsíveis. Mas é uma obra construída com muita competência, que consegue fazer o que considero a maior demonstração do talento de um escritor: você se importa com os personagens. Assim, as sequências finais se tornam comoventes e, quando termina o epílogo ("Marina, você levou todas as respostas consigo."), você se bota a refletir sobre como deve ter vivido Óscar depois daqueles meses. E percebe que gostaria de saber mais.
Recomendo a leitura e sugiro, inclusive, como um presente para adolescentes pouco dados à leitura (ou seja, a esmagadora maioria). Até eles vão gostar. E com isso podem se interessar pelo autor e acessar o restante de seus títulos, o que pode ser um passo para tomarem, de fato, gosto pela leitura, sem que precisem envenenar-se com estorinhas ridículas de vampiros emos que engravidam meninas nojentinhas como se vampiros fossem criaturas vivas!
Luz e trevas....
Antecedentes:
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