quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A cidade do sol

Um amigo me presenteou, há poucos meses, com o livro A cidade do sol, de Khaled Hosseini, por achar que eu precisava ler a estória de suas duas protagonistas tão sofridas. Fiquei grato pela gentileza, mas confesso possuir uma reticência em relação ao autor. Ficou claro para mim, quando li O caçador de pipas, obra aclamada mundialmente, que Hosseini gosta de carregar nas cores dolorosas e aflitivas de suas tramas. O objetivo, aparentemente, é fazer o público chorar, de todo jeito, apelo que a versão cinematográfica do primeiro romance apenas acentua. E não me dou muito bem com essa proposta.

Passei os últimos três dias envolvido com A cidade do sol. O título é uma referência a Cabul, capital do Afeganistão, onde se desenrola a maior parte do enredo. Muito em síntese, ele trata sobre duas mulheres, Mariam e Laila, que nada têm uma com a outra até se verem casadas com o mesmo homem, um odioso exemplar de sua sociedade, que as submete a uma vida de menosprezo e violência. Mariam, por 27 anos; Laila, que teve um pouco mais de sorte, por menos de 10. Mas o objetivo do autor não é escrever sobre violência doméstica embasada nos valores de certo povo, e sim descortinar a situação política do Afeganistão desde a década de 1950 até os dias atuais.

Assim, à medida que vemos desenrolar-se a vida de Mariam, filha bastarda de um homem riquíssimo de Herat, num primeiro momento, depois a vida de Laila, que perde uma família quase feliz para a guerra, e finalmente suas vidas em comum, temos um relato sobre os diversos conflitos armados que marcaram a história do Afeganistão, país que, aqui no Ocidente, nos remete de imediato a deserto, reificação das mulheres, guerra e terrorismo. Essa perspectiva já está tão arraigada que é com certo constrangimento que admito minha surpresa ao ler, nas descrições de Hosseini, sobre um país bonito, verdejante, cheio de rios, bosques e frutas saborosas, cheio de arte e de pessoas generosas, além de um Corão que fala de amor e não de diferenças intransponíveis baseadas no gênero.

Percebo que a ideologia ocidental, dominada pelos Estados Unidos, consolidou imagens em minha mente, como deve ter feito na sua, também. Por isso, ler A cidade do sol já se justificou por me fazer olhar para o Afeganistão com outros olhos.

Seja como for, o assassinato de cidadãos soviéticos levou a antiga União Soviética a invadir aquele país em 1979. Foram anos de guerra para expulsá-los, mas em seguida a carnificina prosseguiu em âmbito interno, devido às diferenças entre etnias, que culminou com a tomada do poder pelos talibãs, em 1996. Aí veio Osama Bin Laden, o 11 de setembro e a declaração de guerra feita pelos Estados Unidos. Qualquer pessoa relativamente informada tem alguma noção dessa parte da história.

Hosseini nasceu em Cabul em 1965. Filho de uma professora e de um diplomata, mudou-se com a família para Paris em 1976. Três anos depois, o Afeganistão foi tomado pelos soviéticos. A família Hosseini ganhou asilo político nos Estados Unidos e lá, Khaled se tornou médico, profissão que continua exercendo.

Mesmo sem ter vivido a guerra, está evidente o seu compromisso com a terra natal. Ele quer que seus leitores vejam o Afeganistão fora do clichê que mencionei acima, por isso destaca valores humanos e termina os dois romances enfatizando a reconstrução das vidas, o auxílio ao próximo e a esperança. Creio que seja o tipo de positividade de que o mundo realmente precisa.

Três anos depois do lançamento de O caçador de pipas, que o notabilizou no mundo, Hosseini se tornou enviado dos Estados Unidos junto ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR, na sigla em inglês) que, como ele mesmo explica no posfácio de A cidade do sol, é "uma das organizações humanitárias mais importantes do mundo" e se destina a "defender os direitos humanos mais elementares dos refugiados, prover ajuda emergencial e auxiliá-los a refazer a vida em algum lugar onde estejam a salvo", com atuação no Afeganistão, Colômbia, Burundi, Congo, Chade e Sudão, em benefício de mais de 20 milhões de pessoas. A experiência, sem dúvida, o motivou a escrever seu segundo romance, que não trata de refugiados, mas menciona as dificuldades que estes vivem, e opta por apresentar cidadãos afegãos empenhados na reconstrução de seu país.

Aproveite a leitura. Ela é ágil, agradável e prende sua atenção.

Na Internet: 

2 comentários:

Edyr Augusto Proença disse...

Yúdice, você precisa ler "a conquista do Oriente Médio", de Bob Fisk, um dos mais celebrados correspondentes de guerra de todos os tempos. Um inglês absolutamente comprometido com a verdade. Não é uma leitura tão fácil de consumir quanto Hosseini, mas asseguro ser fundamental para o entendimento de muita coisa da nossa atualidade.
Abs
Edyr Augusto

Yúdice Andrade disse...

Grato pela recomendação, Edyr. Sinto necessidade de entender o mundo como ele é e geopolítica mundial é um ingrediente fundamental nesse processo. Mesmo que a leitura não nos deixe felizes.