Eu ainda estava passando da infância à adolescência quando meu irmão ganhou de presente uma coleção de livros. Recordo-me vagamente de um título relacionado a "família Borodin". Graças ao Google, que hoje quebra nossos galhos, encontrei uns poucos dados sobre a saga Os Borodins, cujo autor é um tal de Leslie Arlen, pseudônimo de Christopher Robin Nicole, escritor nascido na Guiana em 1930. Parece que o rapaz gosta de escrever sob pseudônimos. E tem preferência por romances de fundo histórico, tratando sobre guerra e espionagem.
Os Borodins é uma série iniciada em 1980 e cada volume tem o seu título próprio, como você pode ver ao lado, o primeiro. Não é nenhum triunfo da literatura, tanto que mesmo pelo Google não se encontra quase nada a respeito. Não deve haver edições recentes. Só encontrei essa imagem, retirada de um site que vende livros usados. Meu irmão ganhou apenas três volumes e isso foi tudo que li. Na época, fiquei aborrecido por não prosseguir na leitura, mas suspeito que eu era muito brega naqueles tempos.
A trama versava sobre uma estória de amor ambientada na Rússia da segunda metade da década de 1910. Protagonistas fictícios se misturavam a figuras históricas, como os últimos membros da dinastia Romanov e o detestável Rasputin. Em 1917 eclodiu a revolução e o império autocrata sucumbiu a um "governo do povo". Foi a primeira vez que ouvi falar da Revolução Bolchevique, sobre a qual estudei um pouco, tempos depois, sem no entanto me aprofundar sobre o tema. E sobre os Borodins (não gosto de flexão de gênero em nomes de família; entendo que o correto seria os Borodin), que me empolgaram naquela fase, a memória já não me restitui nada de útil para lhes dizer.
Mais de duas décadas depois, volto a ler um romance onde um protagonista fictício (Geórgui Danielovitch Jachmenev) cruza o caminho dos Romanov, de Rasputin e dos bolcheviques. Mas desta vez me refiro a O Palácio de Inverno, romance de John Boyne, escritor já elogiado aqui no blog por causa de O menino do pijama listrado e de O garoto no convés. Como meu gentil leitor Daniel Giacchin me pediu que, nas férias, continuasse sugerindo leituras, aqui está mais uma recomendação.
Em síntese, Geórgui é um mujique, um camponês miserável da aldeia de Cáchin, que aos 16 anos, tentando salvar um amigo de infância, acaba por salvar a vida do grão-duque Nicolau Nicolaievitch, irmão do czar Nicolau II. Como prêmio, torna-se membro da Guarda Imperial, com a função de proteger (com a própria vida, se preciso) o czaréviche Alexei. Assim, o menino quase analfabeto mergulha num universo de esplendor e ostentação, mas num momento em que a miséria do povo e as insurreições políticas conduziam à derrocada iminente do império russo.
A estória em si é bastante simples e devo dizer que os dois títulos supracitados são melhores, sobretudo O garoto no convés. Talvez ciente disso, o autor utiliza como recurso narrativo a não linearidade, contando a estória como se fossem duas: a do jovem Geórgui, em sequência normal, e a do aposentado Sr. Jachmenev, que está prestes a perder para o câncer o amor de sua vida, contada de trás para a frente. Por óbvio, no final do livro as duas narrativas se encontram, mas sem surpresas. O que Boyne pretende que seja o grande segredo de sua estória é deduzido por qualquer pessoa minimamente atenta ainda na primeira metade da obra.
O palácio de Inverno ganha, assim, ares de romance açucarado, baseado numa premissa romântica que seria simplesmente impossível na vida real. Uma premissa que apela para uma das maiores lendas do século XX, envolvendo a grã-duquesa Anastácia Nicolaievna. Quem sabe qual é o ponto envolvendo Anastácia já pode tirar algumas conclusões sobre o livro, sem jamais ter posto os olhos nele.
Isso não significa, porém, que o romance seja pobre. Disse apenas que ele é meio passional e óbvio, mas Boyne é um escritor nato e sua narrativa encanta e prende. Você logo se vê levando o livro para todos os lugares, querendo aproveitar todas as oportunidades de lê-lo. Quando termina, você se sente satisfeito por tê-lo degustado e até sente que gostaria de se prolongar um pouco, se possível.
Portanto, fica a recomendação. Boa leitura.
Um comentário:
Eu li os quatro livros da saga Borodin lançados no Brasil, na verdade são seis. Os dois últimos se passam na Guerra Fria e acho que não foram lançados aqui. Não são de fato obras inesquecíveis da literatura e as situações se repetem um pouco, mas tem seus méritos. A estória consegue um feito essencial: o leitor fica realmente com vontade de saber o que vai acontecer a seguir.
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