sábado, 17 de outubro de 2009

O garoto no convés


O HMS Bounty
 No Natal de 1787, o navio da marinha britânica HMS Bounty zarpou do porto de Spithead com destino à ilha de Otaheite, que conhecemos com o nome de Taiti. Levava uma missão incomum: produzir, na paradisíaca ilha, milhares de mudas de fruta-pão, que deveriam ser aclimatadas nas Índias Ocidentais para se tornar uma fonte de alimento abundante e barata para as colônias inglesas. Em outras palavras, como magistralmente dito pelo protagonista, a missão do Bounty era baratear a escravidão! O comentário deixou muito ofendido o capitão do navio, o honrado William Bligh (1754-1817), cuja lealdade ao rei George III não lhe permitia ver que, no fundo, o patético John Jacob Turnstile, então com 14 anos e criado como punguista, tinha toda a razão. A honra do capitão estava empenhada em uma tarefa odiosa, que ele cumpria com o máximo senso de dever e lealdade.
Após um ano e meio de viagem perigosíssima, onde a vida de todos esteve por um fio (ou por uma onda) mais de uma vez, o Bounty chegou ao seu destino e a tarefa de cultivar as mudas de fruta-pão foi realizada a contento. Nesse meio tempo, os marinheiros se deixaram dominar pela licenciosidade selvagem da ilha, cujas mulheres andavam com os seios à mostra e faziam sexo com qualquer um, a qualquer hora, de qualquer jeito. Otaheite se transformou no paraíso em terra para eles. Assim, quando precisaram partir, formou-se um motim e a embarcação foi subtraída ao rei. Bligh e 19 homens que a ele se mantiveram leais foram largados à deriva, no mar, à própria sorte. Após 48 dias de intenso sofrimento, os marinheiros lograram chegar ao Timor, então uma "colônia holandesa de gente cristã e civilizada", como define uma enfermeira.

William Bligh
 Esta é uma história real e bastante conhecida na Inglaterra ou por pessoas que se interessam pela história da navegação. John Boyne, autor de O menino do pijama listrado, pesquisou em sete livros sobre o tema e consultou transcrições de diversos processos relacionados ao motim do Bounty para escrever um maravilhoso romance, que tem com protagonista um personagem fictício, o garoto Turnstile, um órfão que aos 5 anos de idade vai parar num abrigo para crianças abandonadas, estabelecimento administrado pelo odioso Sr. Lewis, cujo único objetivo é explorar os menores, fazendo deles ladrões durante o dia e, a partir da puberdade, vítimas de abuso sexual para os homens ricos de Portsmouth durante a noite.
Após um malsucedido furto, Turnstile acaba condenado a 12 meses de prisão, mas é salvo pela própria vítima, um fidalgo francês que convence o juiz a embarcá-lo no Bounty, para servir de criado do capitão. E assim começa a aventura.
O garoto no convés (em português, provavelmente um título oportunista, para servir de referência à outra obra famosa do autor, já que o original é Mutiny on the Bounty; por sinal, a edição brasileira, da Companhia das Letras, imita descaradamente a capa do outro romance) é apresentado como um romance naval de inspiração histórica, versando sobre a transformação de um menino em homem e falando sobre honra, dever e lealdade. Escrito na linguagem encantadora e delicada de Boyne, prende a atenção e consegue mostrar mesmo a abjeção humana de modo delicado, sem ferir a suscetibilidade do leitor. Note-se, p. ex., a sutileza com que o autor trata da exploração sexual a que tantos adolescentes eram submetidos pelo Sr. Lewis, subjugados emocionalmente a ponto de nunca fugir, embora tivessem oportunidade de fazê-lo, trauma que chega ao ponto de dificultar a iniciação sexual de Turnstile, em Otaheite, pois embora estivesse alucinado por transar com Kaikala, a lembrança de suas únicas experiências sexuais o abalava profundamente.
O clímax do livro, contudo, é mesmo a temporada após o motim, quando as 19 vítimas (que logo se tornam 18) se lançam numa improvável jornada pela sobrevivência.
Enfim, uma história riquíssima, que posso incluir entre as melhores experiências literárias que já tive. Só digo uma coisa: leia!

2 comentários:

Lafayette disse...

E por falar em leitura!

"Extra! Extra!

Começou a ser contada uma história!

A BATALHA DA AMAZÔNIA começou a ser narrada pelo André Costa Nunes, no seu blog "Tipo assim... folhetim".

http://tipoassimfolhetim.wordpress.com/

É coisa pra mais de metro e de megas bits!"

Ps.: coisa de filho-coruja! ;-)

Yúdice Andrade disse...

A janela do blog do velho André acabou de ser aberta. Vou ler.