sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Cada vez mais intolerância

O caso da universitária de São Bernardo do Campo que foi hostilizada pelos próprios colegas, tão somente porque compareceu à aula trajando um vestido curto, considerado provocante, encheu-me de preocupação. Naturalmente, não pela roupa que se veste ou que se deixa de vestir. Mas por revelar uma inesperada faceta da intolerância esta praga que compromete o futuro da humanidade.
Se o caso houvesse ocorrido numa paróquia, daquelas bem carolas, causar-me-ia menos assombro. Porque a carolice costuma ser exemplificada por meio de moralismos injustificáveis, que não raro buscam eliminar a liberdade individual em nome de princípios e valores indemonstráveis, chegando mesmo à violência. Mas o caso se deu numa faculdade, repleta de jovens, habituais baluartes da liberdade em todas as suas vertentes sobretudo a mais irresponsável.
Generalizo, eu sei. Mas é o que temos visto. Não se esqueçam de que trabalho com jovens há uma década, podendo afirmar que, ao longo desses anos, a postura e os discursos mudaram. O jovem cresce em acesso a informações e a uma série de comodidades da vida moderna, ao mesmo tempo em que modifica hábitos, restringe a influência das relações verticais (com a família) e supervaloriza as horizontais (pessoas que reconhece como estando no mesmo nível).
Os papos que escuto nos corredores versam frequentemente sobre baladas (ô palavrinha detestável!), sobre festejos os mais variados, sempre regados a muito álcool. O outro tema preferencial são as reclamações contra as aulas, os professores, as avaliações, as obrigações, a coordenação do curso, a cor das paredes e a qualidade do ar, inclusive o da rua. É bem menos comum encontrar alunos falando sobre os conteúdos do curso, a menos que estejam conversando com algum professor ou que se encontrem naqueles momentos pré ou pós prova.
Supondo, como efetivamente suponho, que a realidade seja semelhante nas demais instituições de ensino superior pelo país afora, continuo sem acreditar que um vestido curto possa ter despertado tanta indignação. Chego a pensar que o conflito foi detonado por algum desafeto da vítima, que se aproveitou do fato banal e conseguiu mobilizar quem estava a seu redor, pessoas talvez num mau dia. E sobrou para a estudante. E aí eu me pergunto: as posturas sempre precisam ser pela liberdade irracional ou pelo moralismo absurdo? Não dá para seguirmos o caminho do meio?
De vez em quando, ao menos?

6 comentários:

Anônimo disse...

Caro Yúdice, o que mais me assusta é a banalização da violência. Ainda mais essa violência vindo de pessoas tão jovens. A intolerância é um defeito muito perigoso...
Fico sem saber até o que dizer. Mas ficam algumas perguntas: Por quê? Como? Qual a razão? Qual o propósito? Que futuro é esse que nos espera? Por mais que eu procure, não consigo achar um único motivo para destrá-la, violentá-la na sua moral, então... É incompreensível.
Triste notícia.
Ana Miranda.

Yúdice Andrade disse...

Estou sofrendo as mesmas inquietações. Tempos assustadores estes, que eu espero que se desanuviem.

Luiza Montenegro Duarte disse...

Professor,

Entrei no youtube pra ver com meus próprios olhos a selvageria e encontrei isso:

http://www.youtube.com/watch?v=jDHo53vkqJk&feature=related

Acho que resume bem o pensamento majoritário dos leitores do blog (presumindo que ele é muitíssimo bem frequentado, claro!)

zahlouth disse...

Vi estarrecido o vídeo onde estudantes universitários hostilizam sua colega. A bestialidade humana está sem limites. Que jovens são esses? Que mundo é esse? Basta um preconceituoso incitar, que essa massa de imbecis segue.
Já em 1968 dizia Caetano, no III Festival Internacional da Canção após ser vaiado, enquanto cantava É Proibido Proibir:

"Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada.
Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender. Mas que juventude é essa? Que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém. Vocês são iguais sabem a quem? São iguais sabem a quem? Tem som no microfone? Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada."

Anônimo disse...

Lamento muito Yudice, mas me parece que este caminho está consolidado e por isso não há volta. Hoje até crianças apresentam atitudes e comportamentos de individualismo, intolerância, e preconceito que juntos formam uma bomba pronta a explodir em qualquer lugar e a qualquer hora. O que é mais lamentável, no meu modo de entender é que tudo ocorre sobre as bençãos da mamãe e do papai em casa, na escolinha, na faculdade, na balada e na vida, claro. Sou do tempo que filho "não tinha idade" fez errado? vem cá, senta aqui e ouve o que eu tenho para te dizer. Quem faz isto ainda? Quem nunca viu menininho e menininha de 4 anos fazendo os pais fazerem tudo o que eles querem? É interessante, mas não é mais incluido na criação a aprendizagem para lidar com as dificuldades e diferenças. É o que eu quero ou nada feito.

Yúdice Andrade disse...

Grato pelo link, Luiza.

O problema, Zahlouht, é que Caetano se dirigia a uma juventude que estava com objetivos distorcidos, segundo ele mesmo acredita (dá para percebei isso no réprobo que transcreves). Hoje, a juventude não parece ter objetivo algum além de badalar, badalar e badalar. Como é verdade aquela história que os antigos contavam sobre mente ociosa ser oficina do diabo, a ausência de objetivos claros faz com que as pessoas se tornem muito superficiais, imediatistas, reativas. Não duvido nada que esses agressores pudessem hostilizar justamente alguém que agisse contra a garota do vestido, se a conclamação a isso houvesse chegado antes.
É isso que me assusta: o vazio.

Também temo que seja um caminho sem volta, anônimo. Aliás, voltar para onde e para que, se ninguém parece ver que há algo errado - exceto os tiozões babacas.
Também sou do tempo em que havia disciplina e orientação. E olha que, com pais separados e mãe lutando sozinha para nos sustentar, não tive uma família tradicional e organizada. Os valores que aprendi e que tão fundo se solidificaram em mim foram repassados nas horas vagas, por assim dizer, e através de um instrumento poderoso: o exemplo. Que exemplo a juventude tem recebido?