quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Há coisas que nunca mudam

E eu reclamando da minha vida...
Ontem, quase onze da noite, a porta do elevador se abriu no térreo e me deparei com o colega, Prof. Waldomiro, sentado a uma mesa da lanchonete há muito fechada, cercado de alunos. Eram pelo menos seis. Waldomiro é o orientador dos trabalhos de conclusão de curso (que chamamos apenas de trabalhos de curso, porque não precisam ser feitos somente na etapa final, podendo ser antecipados), no que tange à metodologia de elaboração de trabalhos científicos. Ou seja, ele precisa ler as dezenas e dezenas de textos, enfrentando, como nós outros (professores que orientam as produções quanto ao mérito), a má articulação das ideias, a falta de objetivos, o desapreço à Língua Portuguesa e, ainda por cima, a impaciência do alunado.
O curioso é que existem prazos para todas as etapas de elaboração do TC, mas a esmagadora maioria dos acadêmicos entende que só deve botar a mão na massa quando falta apenas um mês (ou menos) para o prazo de depósito expirar. E aí eles reclamam que a coordenação do curso se recusa a uma prorrogação! Entendeu? A elaboração formal do TC começa no nono semestre, o aluno não faz o que deve e depois a coordenação é que está errada!
Ah, sim, nós, orientadores, também estamos errados por não devolvermos os trabalhos corrigidos rapidamente. Veja-se o meu caso, p. ex. Tenho quatro orientandas cujos trabalhos venho lendo desde agosto, mais ou menos. Eles estão prontos ou quase prontos, sem afogadilhos. Todos os demais, pendentes, chegaram às minhas mãos há poucos dias, quando eu estava em pleno período de correção das provas. Foi minha escolha dar preferência às provas. Afinal, o número de alunos interessados era muito superior e eles estavam dentro do calendário. Situação idêntica ocorre com os demais colegas. O queixume é geral.
O excesso de trabalhos intempestivos nos custa as poucas horas de descanso, as oportunidades de cuidar da própria casa, de brincar com os filhos e outras coisinhas do gênero, que nós, arrogantemente, insistimos em querer para nossas vidas, como se tivéssemos esse direito. E custa ao Prof. Waldomiro o direito de voltar para sua casa, mesmo que o seu expediente já esteja encerrado e ele tenha cumprido, ao longo de várias semanas, as suas obrigações como orientador. Mas só se pode orientar o aluno que aparece.
Nem sei por que escrevo este desabafo. Sempre foi assim e duvido muito que as coisas mudem. A menos que decidamos ser ainda mais rígidos com prazos e práticas. Suportando, é claro, os ônus de parecer inclementes e injustos com a garotada que pôxa vida! apenas abriu mão de alguns meses de calendário normal por quatro semanas de pauleira. E agora se queixa de ser forçada a abrir mão do descanso e do lazer para cumprir essa absurda exigência curricular!
Quer saber? Acho que, a partir do próximo semestre, vou começar a impor um monte de restrições para orientar. É isso ou me submeter a ler trabalhos atrasados enquanto empurro o carrinho do supermercado. Ridículo, para dizer o mínimo.

6 comentários:

Anônimo disse...

Amigo, que tal "oxigenar a mente" na nova Seresta do Carmo, agora Serenata do Carmo, que terá sua primeira edição nesta sexta-feira? Em 2006, você e uns companheiros lamentavam a interrupção do Auto do Círio e uma série de perdas culturais da cidade, como a boa Seresta. Então? abs

Francisco Rocha Junior disse...

Caro, sei que a profissão é gratificante e tudo o mais - além de amigos professores, meus pais o são - e que toda e qualquer carreira que se escolha tem suas agruras. Mas, sinceramente, é principalmente por essas que eu não quero ser professor. Francamente, não dá.

Quanto ao convite do anônimo aí de cima, reitero-o. Aproveita a ida à Praça do Carmo e come um camarão ao catupiri do Bar Nosso Recanto (mais conhecido como Bar do Salomão). Tenho certeza que irás adorar.

Abração.

Yúdice Andrade disse...

Caro anônimo, é com grande alegria que tomo conhecimento do retorno desse evento. Escrevi uma postagem sobre o assunto no meu outro blog. Veja em http://blogflanar.blogspot.com/

Compreendo perfeitamente, Francisco. E elogio a tua percepção e a tua honestidade. Magistério é carreira para quem tem pendores específicos. Não é para quem quer, simplesmente. Por isso há professores que, Deus nos livre, ninguém sabe o que fazem na carreira! Preferível quando a pessoa percebe que não nasceu para a coisa.

Unknown disse...

Oi, Yúdice!

Sou leitora do blog do jurista cearense George Marmelstein. Por sinal, um de meus favoritos.

Ele trata sobre direitos fundamentais.

Pois bem. Li, há pouco, um post muito interessante... Divido com vc, por achar que irá gostar.

Abraços.

http://direitosfundamentais.net/2009/10/12/isso-vai-cair-na-prova/

Anônimo disse...

Yúdice,

sem generalizações, mas educação no Pará tem o seu contexto próprio. Os nossos alunos se profissionalizam muito tarde (sem falar na maturidade natural). Se prendem a relações paternais de modo arraigado e respondem com indignação quando essa relação é ameaçada. Nossas instituições de ensino ainda são vistas como lugares de passagens e não como locais de formação - e eu nem estou sendo idealista. A perceção de que a vida profissional é uma vida sem tutela e de responsabilidades decisivas ainda é o caso de alguns "iluminados" e isso faz a vida dos professores - classe absolutamente desunida - muito difícil.

Por essas e outras o estado tem uma dos piores ìndices de desenvolvimento humano do País. Muito do atraso do Pará vem daí.

Roberto Barros

Yúdice Andrade disse...

Rita, também visito o blog do Malmerstein, apesar de não ter passado lá recentemente. Por isso mesmo, agradeço a sugestão de leitura. Abraços.

Roberto, o teu comentário foi tão profundo que decidi transformá-lo numa postagem.